quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Curtas - Eça

Eça de Queirós, um dos maiores vultos da literatura nacional, teve destaque no periódico Get Real. Aí é feita uma breve biografia do escritor, é explicada a sua importância no panorama literário e no contexto da época, terminando com referência a algumas obras da sua autoria.
Não são esquecidas as conferências do casino e a Questão Coimbrã.
As suas obras foram traduzidas para mais de vinte línguas.

O artigo em questão, intitulado Eça de Queirós - Giant of Portuguese Literature, foi escrito por Nuno Mendes e traduzido por Fiona Perris in Get Real, Edition no. 81, August 12, 2008

Leitura em Férias III - "Alice do Outro Lado do Espelho"


Na continuação das aventuras de Alice, segue-se Alice no Outro Lado do Espelho[1], em que a jovem menina decide atravessar para o lado de lá do espelho, após se questionar como seria a vida desse outro lado.
O nonsense literário continua presente neste reino de fantasia. Após atravessar o espelho para outra realidade, a personagem principal vê-se novamente envolvida em situações disparatadas. Se na estória anterior, Alice, desceu para uma toca subterrânea, desta vez a estória passa-se à superfície. Continuam presentes as personagens antropomórficas, mas em vez de estar rodeada de baralhos de cartas humanizados, encontra-se com peças brancas e vermelhas de um jogo de xadrez. O objectivo da menina é jogar o jogo, sendo ela um peão branco, chegar à oitava casa e tornar-se rainha. Para que tal possa acontecer, vai passar por várias peripécias e conhecer novas personagens como Tuidledum e Tuidleduim; o carpinteiro e a morsa, ambos possuidores de um voraz apetite por ostras; Humpty Dumpty, o ovo; o Leão e o Unicórnio; e o cavaleiro branco, com enorme imaginação para invenções. Reaparece a Lebre de Março e o Chapeleiro Maluco, se bem que ambos e Alice parecem não se reconhecer.
Sendo o autor, Lewis Carroll, matemático, aparecem várias referências a essa disciplina, como as inversões, pois no outro lado do espelho tudo se passa ao contrário. As personagens não se recordam apenas do passado, mas também do futuro. Outro fenómeno que ocorre neste mundo de fantasia é que por mais rápido que se corra nunca se abandona o local inicial, pois a terra aí também gira a grande velocidade.
Na minha opinião, este conto, Alice no outro lado do espelho, é mais interessante que o anterior, Alice no País das Maravilhas, pois os diálogos conseguem remeter-nos para reflexões na área da ciência, quase tocando a ficção-científica.
Deixo agora alguns excertos do livro, de modo a entusiasmar a leitura desta esplêndida obra:

« - Bem, na nossa terra – disse Alice, ainda um pouco ofegante, - é costume chegar-se a outro sítio quando corremos muito depressa durante muito tempo como nós fizemos.
- Que terra tão lenta! – exclamou a rainha. – Aqui, como vês, é preciso corrermos o mais depressa possível para ficarmos sempre no mesmo lugar. Se quiseres chegar a outro sítio, tens de correr pelo menos ao dobro desta velocidade!»[2]

Eis a conversa entre Alice e Tuidledim e Tuidledum, quando encontraram o rei vermelho a dormir:
« - Ora, está a sonhar contigo! – exclamou Tuidledim, batendo as palmas de contente. – E para onde pensas que ias se ele deixasse de sonhar contigo?
- Ficava onde estou. – disse Alice, convictamente.
- Não ficavas nada! – replicou Tuidledim num tom de desprezo. – Não ficavas em lado nenhum, porque não passas de um sonho dele!
- Se aquele Rei ali acordasse tu apagavas-te logo... puf!... que nem uma vela! – acrescentou Tuidledum.
[...]
- Bem, não merece a pena falares em acordá-lo, se tu é só um sonho dele – explicou Tuidledum. – Sabes perfeitamente que não és real.»[3]

Diálogo entre Alice e a Rainha Branca:
« - Fraca memória a tua que só funciona às arrecuas. – acusou a Rainha.
- De que espécie de coisas se lembra melhor? – perguntou Alice, um pouco baralhada.
- Oh, das coisas que aconteceram na semana que vem. – respondeu a Rainha, como quem achasse isso normal. [...]»[4]

E que dizer desta conversa que até figurou como flavor text, numa carta antiga, do conhecido jogo Magic, The Gathering:
« Alice não pôde evitar um sorriso, ao dizer:
- Sabes, eu também pensava que os Unicórnios eram monstros fabulosos! Nunca tinha visto um vivo!
- Bem, agora já nos vimos um ao outro – constatou o Unicórnio. – Se acreditares em mim, eu acredito em ti. De acordo?»[5]

Referência: Lewis Carroll, Alice do Outro Lado do Espelho, Biblioteca Editores Independentes, Relógio D’Água Editores, 2007 – Tradução: Margarida Vale de Gato

[1] No original: Through the Looking Glass and What Alice Found There
[2] Lewis Carroll, Alice do Outro lado do Espelho, p.38
[3] Idem, p.61
[4] Ibidem, p.69
[5] Ibidem, p.104

Leitura em Férias II - "Alice no País das Maravilhas"

Num dia quente, junto ao rio, Alice deixa a irmã a ler um livro, enquanto decide seguir um Coelho Branco que havia passado por ela. Alice, a personagem principal deste conto corre, até uma «grande toca» existente debaixo dos arbustos, atrás do estranho coelho que usa um colete e um relógio de algibeira.
A aventura desta pequena menina começa assim que ela desce, interminavelmente, pela longa toca do coelho. Daí em diante, através de bolos, de bebidas, ou ainda através de cogumelos, a rapariga sofre uma série de alterações de tamanho, ora cresce, ora mingua.
É no País das Maravilhas que Alice vai conhecer as outras incomuns personagens, nas mais confusas situações e ter os mais estranhos diálogos. No mar de lágrimas encontra o rato, na corrida eleitoral o Dodo e mais à frente o lagarto Bill. Aparece também a conselheira lagarta azul, sentada num cogumelo, que tranquilamente fuma o seu muito comprido cachimbo de água. À medida que a história se desenrola, a menina conhece a Duquesa, que está sempre a espirrar devido ao excesso de pimenta que a empregada coloca na sopa. Junto ao fogão está um gato que se encontra sempre a rir, o gato de Cheshire, que tornará a aparecer novamente ao longo da história. Na hora da merenda, Alice junta-se ao Chapeleiro Maluco, à Lebre de Março e ao sonolento Arganaz, até à altura em que se dirigirá ao jogo de Croquet. Aí vai conhecer as personagens pertencentes a um baralho de cartas, incluindo a rainha de copas, sempre muito zangada e, a ordenar que se corte a cabeça a quem discorde dela, ou a quem a irrite:
« - Cortem-lhe a cabeça! – berrou a Rainha, o mais alto que pôde.»[1]
A história termina com o despertar da Alice, de um longo sono, e a partilhar com a irmã as suas aventuras oníricas.


Referência: Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, Abril Controljornal, Biblioteca Visão, Colecção Novis, Linda-a-Velha, Portugal, 2000 – Tradução: Vera Azancot.[2]

[1] Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas, p. 92.
[2] Titulo original: Alice’s Adventures in Wonderland

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Leitura em Férias I – “A Desilusão de Deus”

Finalmente chegaram as férias e com elas algum tempo livre. Tenho agora disponibilidade horária para retomar a leitura de alguns livros que deixara esquecidos no móvel do quarto, como que em função de standby, à espera que uma pequena abertura na minha agenda me permitisse voltar a dirigir-lhes alguma da minha atenção.
Dos vários livros que trouxe comigo, encontro-me neste momento a ler “A Desilusão de Deus”[1], escrito pelo biólogo americano Richard Dawkins. Sendo o autor um ateu assumido, pretende com este livro transmitir a sua opinião sobre a razão pela qual não crê em qualquer tipo de Deus, nem segue nenhuma religião. Para Dawkins, a sua maior inimiga é a superstição, e defende que o ser-humano devia fazer uso da razão e do espírito crítico no seu quotidiano.
Nesta obra encontramos os seguintes capítulos: 1 – Um descrente fervoroso; 2 – A Hipótese Deus; 3 – Argumentos a favor da existência de Deus; 4 – Por que razão é quase certo que Deus não existe; 5 – As raízes da religião; 6 – As raízes da moralidade: porque somos bons?; 7 – O «bom» livro e as mudanças do Zeitgeist moral; 8 – Qual é o mal da religião? Porquê tanta hostilidade?; 9 – Infância, abusos e fuga à religião; 10 – Uma lacuna muito necessária?
Este é um livro sério, e apesar de ser tendencioso (em defesa do ateísmo), o autor consegue não ser fundamentalista ao longo do seu discurso, e na minha opinião isto é de valor:

“Os fundamentalistas sabem aquilo em que acreditam e sabem também que nada os fará mudar de ideia. A citação de Kurt Wise, na página 341, diz tudo: «...se todas as provas do universo acabassem por contrariar o criacionismo, eu seria o primeiro a admiti-lo, mas continuaria a ser criacionista porque é para aí que a Palavra de Deus parece apontar. Daqui não saio.» [...] Por mais apaixonadamente que possa «acreditar» na evolução, o verdadeiro cientista sabe exactamente o que seria necessário para mudar de ideia: provas. Quando perguntaram a J. B. S. Haldane que provas poderiam contradizer a evolução, este respondeu: «Fósseis de coelho no Pré-Câmbrico.» Permita-se-me que crie também a minha própria versão simétrica do manifesto de Kurt Wise: «Se todas as provas do universo se revelassem a favor do criacionismo, eu seria o primeiro a admiti-lo e imediatamente mudaria de ideia. Contudo, da maneira como as coisas estão, toda a evidência disponível (e ela é abundante) dá razão à evolução. [...]»”[2]

Este livro deve ter tido ainda mais impacto nos Estados Unidos da América, onde se vive um enorme fanatismo religioso (na minha opinião quase doentio em alguns casos), para além dos lobbies que as diversas religiões têm junto dos governantes. Escusado será dizer que nesse contexto social os ateus não são muito bem vistos, naquela que se esperaria ser a nação da liberdade de expressão e da tolerância:

“Hoje em dia, o estatuto dos ateus nos Estados Unidos está ao mesmo nível do dos homossexuais há 50 anos. Agora, depois do movimento do Orgulho Gay, é possível, embora ainda não muito fácil, um homossexual ser eleito para desempenhar cargos públicos. Numa sondagem levada a cabo em 1999 pela Gallup, perguntava-se aos Americanos se votariam numa pessoa bem habilitada e que fosse mulher (95% de respostas afirmativas), católica (94%), judia (92%), negra (92%), mórmon (79%), homossexual (79%), ou ateia (49%). É óbvio que há ainda um longo caminho a percorrer, mas os ateus são bastante mais numerosos, sobretudo entre a elite mais instruída, do que muitos possam pensar.”[3]

Então e o que dizer da resposta de George Bush-pai a um jornalista, quando questionado sobre “se reconhecia como iguais o patriotismo e a cidadania dos americanos ateus: «Não, não acho que os ateus devam ser considerados cidadãos, nem que devam ser considerados patriotas. Esta é uma só nação, sob a protecção de Deus.»”[4]

Ainda na mesma página ficamos a conhecer uma história no mínimo caricata, que aconteceu com o professor David Mills:

“Um desses curandeiros que dizem curar pela fé, um cristão que dirigia uma «cruzada milagreira», ia à cidade natal de Mills uma vez por ano. Entre outras coisas, instigava os diabéticos a deitarem fora a insulina e as pessoas que sofriam de cancro a desistirem da quimioterapia, incentivando-as, em vez disso, a rezar por um milagre. Num gesto sensato, Mills decidiu organizar uma manifestação pacífica para avisar as pessoas. Contudo, cometeu o erro de ir à polícia informar os agentes da sua intenção e pedir protecção policial para o caso de possíveis ataques por parte dos apoiantes do curandeiro. O primeiro agente com quem falou perguntou: «É pa’ se manifestar a favor ó contra?» (querendo dizer a favor do curandeiro ou contra ele). Quando Mills respondeu «contra», o agente disse que ele próprio estava a pensar ir à concentração e que fazia tenções de cuspir na cara de Mills quando este passasse à sua frente.”[5]

Mills continuou a tentar contactar a polícia, mas teve sempre como resposta ameaças ou de prisão ou de violência física.


Num país em que há inúmeras religiões, e em que todas pregam uma moral de compreensão, tolerância, amor ou perdão, deparamo-nos com situações destas. Será esta a virtude religiosa que os americanos pretendem seguir?





Nota: A propósito de se falar em curas através da oração, Dawkins refere os estudos científicos realizados sob essa temática nas páginas 90 até 95. É de interesse conhecer como esses estudos foram feitos e a que conclusões chegaram.

[1] Richard Dawkins; “A Desilusão de Deus” – 3ª edição, Casa das Letras, Cruz Quebrada, 2007.
Na versão original tem o título “The God Delusion”.
[2] Richard Dawkins, “A Desilusão de Deus”, p. 29
[3] Idem, p. 17
[4] Ibidem, p.70
[5] Idem