quarta-feira, 21 de março de 2012

À conversa em Coimbra


Depois de divulgar estes eventos organizados pelo António Piedade, é com todo o prazer que participo num deles.
É já este Sábado, dia 24 de Março, às 17h30 na Bertrand do Dolce Vita Coimbra. Apareça para uma conversa informal.


Dos trópicos para os pólos: a invasão das lulas Humboldt no Pacífico.



Resumo
As lulas Humboldt, Dosidicus gigas, são predadores endémicos do Pacífico Tropical Oriental, que atingem entre 2 a 3 m de comprimento e mais de 50 quilos de peso. Embora estas lulas apresentem das taxas metabólicas mais elevadas do planeta, elas realizam, diariamente, migrações verticais para regiões profundas (mesopelágicas) “mortas”, também conhecidas como “zonas de oxigénio mínimo” (ZOM). No futuro, os níveis elevados de dióxido de carbono (previstos entre 730-1000 ppm em 2100) desencadearão graves problemas na ecologia migratória destes organismos, uma vez que a consequente acidificação dos oceanos (DpH=0.3) diminuirá significativamente as suas taxas metabólicas (31%) e os seus níveis de actividade (45%) durante a sua permanência em águas pouco profundas à noite (~70 m de profundidade). Concomitantemente, com a expansão das ZOM associada ao aquecimento global, as lulas terão de migrar para águas menos profundas para compensar a dívida de oxigénio que acumulam (durante o dia) nas águas profundas e hipóxicas das ZOM (~300 m). Deste modo, o efeito combinado da acidificação e aquecimento na superfície e a expansão da hipóxia em profundidade irá comprimir o habitat pelágico desta espécie e na ausência de adaptação ou migrações horizontais, a interacção destas variáveis ambientais poderá definir, a longo prazo, o futuro deste importante predador no Pacífico Tropical Oriental.

 Biografia
Doutor Rui Rosa – Biólogo, doutorado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em 2005, e investigador de pós-doutoramento na Universidade de Rhode Island, EUA, até 2008. Actualmente, é Coordenador do Laboratório Marítimo da Guia (LMG-CO-FCUL) e Investigador Auxiliar no Centro de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ao longo dos últimos anos, participou em projectos financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Swedish Environmental Protection of Agency (EPA) e American National Science Foundation (NSF-USA). É autor de inúmeras publicações científicas em revistas indexadas da especialidade, livros científicos; recebeu ainda vários prémios (Prémio IMAR - Luiz Saldanha; Prémio do Mar - D. Carlos; JEB Fellowship Award em 2005 e 2006) e bolsas de investigação (US National Science Foundation, Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e Tecnologia) de índole nacional e internacional. O seu actual interesse de investigação é o de compreender de que modo é que as alterações climáticas irão afectar processos biológicos críticos, nomeadamente a regulação ácido-base, o metabolismo energético, o crescimento e os processos de calcificação em espécies marinhas costeiras.

Os erros do bispo


No dia 13 de Março, D. António Vitalino Dantas, bispo de Beja, foi notícia em vários jornais devido aos seus comentários sobre o período de seca que estamos a viver (sigo a notícia do site da Rádio Renascença aqui). As afirmações do bispo deixaram-me boquiaberto, tamanha a ignorância revelada pelo mesmo. Bom, façamos uma análise cuidada das suas sentenças, ponto a ponto.

1) Primeiro dá a entender que as orações trazem chuva, o que reflecte uma superstição bacoca. Tentemos explicar ao senhor bispo o que qualquer criança de 10 anos sabe: o ciclo da água.
Devido ao calor fornecido pelo sol, a água dos rios, lagos e oceanos evapora formando nuvens; assim, a água fica armazenada no estado gasoso na atmosfera. Quando estiverem reunidas as condições atmosféricas de temperatura e pressão verifica-se a precipitação sob a forma de água, neve ou granizo, voltando a água aos rios, lagos e oceanos, completando o ciclo. A água que ficar retida nos solos também é importante para o desenvolvimento das plantas, libertando vapor de água durante a fotossíntese, ou para os animais que também libertam vapor de água na respiração e transpiração. Assim se completa o ciclo (ver imagem abaixo). Como se pode ver, neste processo natural não entram orações, e mesmo se entrassem o resultado seria ineficaz.

Ficheiro:Ciclo da água.jpg
Imagem retirada daqui

2)  Como referido pela RR, segundo o bispo, os agricultores têm mais esperança nos subsídios da União Europeia do que em deus: "(...) a maioria da população não acredita na providência divina, mas somente na previdência de Bruxelas". - Eis o meu comentário: e fazem os agricultores muito bem. Nem quero pensar na desgraça que seria se os agricultores estivessem à espera que deus (qualquer um deles) viesse resolver os problemas; da UE pode não vir chuva, mas podem vir subsídios para alimentar famílias. Ou seja, o comentário do bispo, é de uma enorme irresponsabilidade, caso houvesse alguém que fizesse caso do que diz. No entanto, isto deixa-me cheio de esperança, pois mostra a todos que os portugueses têm espírito crítico, sabem pensar por si, e já não seguem cegamente o clero.

3) Não fosse tudo isto suficiente, o bispo continua a insultar a inteligência dos portugueses e a mostrar a sua crendice e obscurantismo, agora referindo-se a Fátima! Segundo o mesmo, os católicos dão menos atenção à Bíblia e à virgem Maria, pelo que afirma, e cito: “Afinal, as recomendações de Jesus no evangelho e de Nossa Senhora aos pastorinhos de Fátima, pedindo oração e sacrifícios pela conversão dos pecadores e pela paz no mundo não encontram eco nos nossos ouvidos”. A isto eu digo: pois não, felizmente não encontram eco nos nossos ouvidos.
Será que o bispo pretende ressuscitar a mentira de Fátima? Será que o bispo espera que os portugueses acreditem que o sol bailou na Cova da Iria (fenómeno impossível de acontecer)? E que acreditem que apareceu por lá a virgem Maria, apesar dos inúmeros relatos que afirmam que não aconteceu nada? Pretende que os pobres dos portugueses continuem a gastar as suas parcas poupanças em peregrinações e no negócio de Fátima, em vez de investirem esse dinheiro nas suas vidas pessoais?
Passemos a voz a quem sabe. Termino com um comentário de um padre português:
 


Fontes:
- Site da RR: "Bispo de Beja lamenta falta de orações por chuva"
Outras leituras:
- Luis Filipe Torgal, "As aparições de Fátima", Temas e Debates
- Tomás da Fonseca, "Na cova dos leões", Antígona  

sábado, 10 de março de 2012

UM OBSERVADOR MAIS QUE ATENTO


Qualquer orgulhoso dono de um cão ou gato dirá que o seu animal de estimação o consegue reconhecer. Esta afirmação não será novidade para o leitor. Na verdade, muitas espécies de animais são capazes de reconhecer pessoas individualmente.

Mas, como é que sabemos isso?
E, mais estranho ainda...e se esse animal for um polvo?

Há muitas histórias anedóticas de tratadores que acham que os polvos nos aquários os reconhecem e discriminam em relação a outras pessoas (por exemplo, aproximando-se do tratador, mesmo que este esteja num grupo). A confirmar-se esta hipótese, isso significaria que o polvo é capaz de executar mais uma complexa tarefa, uma vez que conseguiria discriminar, aprender e recordar!
O polvo tem-se revelado um animal extraordinário em muitos aspetos e muitos estudiosos dos moluscos, e do comportamento animal em geral, não duvidarão desta sua capacidade, já que os consideram um dos animais mais interessantes do planeta. Diz-se até que é o invertebrado mais inteligente que existe, de tal forma que é o único invertebrado que merece estatuto de protecção na lei inglesa que regula o uso de animais em laboratório.


Mas, como sempre acontece em ciência, gostos e impressões pessoais à parte, são necessárias provas claras.


Enteroctopus dofleini
E é aí que entram os protagonistas desta investigação: Roland C.Anderson e Stephanie R. M. Zimsen do Aquário de Seattle (EUA), Jennifer A. Mather da Universidade de Lethbridge (Canadá) e Mathieu Q. Monette da Universidade de Bruxelas (Bélgica).
Usando o polvo-gigante-do-Pacífico Enteroctopus dofleini) testaram se era ou não verdade que os polvos reconhecem e discriminam os seres humanos individualmente.


Para isso, montaram uma experiência curiosa.

Capturaram 8 polvos que colocaram em tanques individuais. Cada polvo recém-capturado era observado duas vezes por dia por dois investigadores diferentes vestidos com roupa igual. Um dos observadores, para além de anotar vários aspectos do comportamento do animal, alimentava-o. O outro, fazia o mesmo tipo de observações mas também "cutucava" o polvo com um pau (algo inofensivo, mas seguramente irritante para o animal). Alguns cuidados extra, mas necessários às conclusões: diferentes polvos eram observados por diferentes pares de observadores, de forma a que os possíveis efeitos observados não fossem devidos àquelas pessoas em particular, e se pudessem extrapolar.

O que os investigadores exploraram foram vários aspetos do comportamento que poderiam ser indicativos de stress, como por exemplo, a existência ou não de uma mancha colorida mais escura na pele à volta do olho (eyebar).

No princípio do estudo, os polvos geralmente fugiam de ambos os investigadores desconhecidos. Mas, à segunda semana de observações, já se notava que os polvos se aproximavam dos investigadores que os alimentavam, não mostrando sinais de stress. Pelo contrário, afastavam-se do outro investigador (o “mau da fita”), mostrando vários sinais de stress, incluindo a eyebar.

Confirmou-se assim que a impressão de muitos tratadores era real e que também os polvos reconhecem pessoas de forma individual, para além de outros feitos fantásticos já demonstrados, como: expressão de personalidade, atividades de jogo, habilidades de aprendizagem e memória a curto e longo prazo, excelente deteção visual e olfativa, mestria na mímica e camuflagem “inventiva”.
 
Aqui ficam alguns vídeos demonstrativos:

- Aprendizagem por observação (a qualidade do vídeo não é muito boa, mas faz parte de um documentário muito interessante acerca dos polvos):



- Fantástica capacidade de mímica na espécie indonésia Thaumoctopus mimicus:





- comportamento sofisticado de uso de ferramentas (cascas de côco) para camuflagem na espécie Amphioctopus marginatus:




Não voltará a olhar o polvo com os mesmos olhos...e ele, como o verá a si?

Foto de Veronica von Allworden que aparece no artigo original.



Artigo: Roland C. Anderson, Jennifer A. Mather, Mathieu Q. Monette & Stephanie R. M. Zimsen (2010): Octopuses (Enteroctopus dofleini) Recognize Individual Humans. Journal of Applied Animal Welfare Science 13: 261-272