sábado, 30 de outubro de 2010
Sobre a Economia Portuguesa
sábado, 16 de outubro de 2010
Júlio Carrapato - Sobre a importância da Reflexão
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
"A Maravilhosa Aventura da Vida" - Novidades
Flaubert e a análise do quotidiano
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Faleceu a Professora Paula Escarameia (1960-2010)
The Limitations of International Law: the case of East Timor, Harvard Law School, 1986;
Colectânea de Jurisprudência de Direito Internacional, Coimbra, Almedina, 1992;
Formation of Concepts in International Law: subsumption under self-determination in the case of East Timor, Lisboa, Fundação Oriente: Centro de Estudos Orientais, 1993 [trata-se da tese de doutoramento, já publicada na Universidade de Harvard (Cambridge, Massachusets, Harvard University Press, 1988)];
Colectânea de Leis de Direito Internacional, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1994 [com reedições em 1998 e em 2003];
Reflexões sobre Temas de Direito Internacional Público: Timor, a ONU e o Tribunal Penal Internacional, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2001;
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Raul Lino e a Casa do Cipreste
Raul Lino nasce em 1879 em Lisboa. O seu pai toma a decisão de inscrevê-lo num colégio em Inglaterra na região de Windsor, aos 10 anos. Inglaterra nestes anos vivia o Domestic Revival assim como o Arts and Crafts, o que, juntamente com o contacto com a arquitectura inglesa, poderá ter influenciado a formação do arquitecto.
Três anos depois, a Alemanha (Imperial) é a escolha seguinte do pai para a formação do seu filho. Deste modo, Lino aprenderia a língua enquanto estudaria na Handwerker und Kunstgewerbeschule, em Hanover. Teve aulas teóricas da Technische Hochschule e aprendeu os ofícios e principios técnicos mais desenvolvidos para se tornar arquitecto. Conheceu Albrecht Haupt, profundo conhecedor da arquitectura portuguesa de quinhentos, que lhe ensinou a olhar para a arquitectura de Portugal. William Morris e John Ruskin eram já nomes populares na Alemanha.
A sua convivência com Haupt durante os dois anos de trabalho no seu atelier deu a Lino uma sólida formação germânica, enriquecida pela leitura de Thoreau e Goethe. Thoreau tem extrema importância na formulação do pensamento de Lino na medida em que este aprende a valorizar o habitat natural do homem que a sociedade industrial ia esquecendo. Também no contexto alemão Lino vai aprender os valores de uma teoria arquitectónica da espacialidade (lançadas por Schmarsow e por Hildbrand no ano de 1893 – chegada de Lino a Alemanha).
Regressa a Portugal em 1897 e encontra um país rural, atrasado em relação à Europa que conheceu. Já prevenido pelo seu mestre, Raul Lino chega ao seu país com um olhar atento e compreensivel, numa tentativa de o reconhecer. Nasce “a tentativa de recuperar os valores de um habitar, valorizando-os num contexto de um Portugal possível” [1].
Inicia a sua vida profissional com encomendas colocadas pelos seus amigos-clientes para a zona de Cascais e Estoril, onde é evidente a marca deixada pelas viagens a Marrocos e ao Alentejo, onde viu a arquitectura portuguesa meridional.
Azulejos, cerâmicas, vitrais, mobiliário e até bordados são áreas que Lino foi desenvolvendo ao longo da sua vida, mostrando assim uma enorme maleabilidade e vontade de integrar a arte na vida humana.
A transição do século e a proposta de Raul Lino
O oitocentismo artístico foi marcado por um forte sentimento pátrio que se reflectiu sobretudo na arquitectura. Caracterizado pelos mais diversos revivalismos, o século XIX vai conhecer nos seus últimos anos uma “ruptura da civilização”[2] (p.507) apoiada por novos instrumentos da Revolução Industrial (telefone, electricidade, motor de explosão, aeroplano, etc). Assim, surge uma nova mentalidade cujas linhas de força apontavam para conceitos como o funcionalismo e a técnica, ambos em confronto com as convenções académicas e a ideia de arte. A engenharia pujante propunha novas técnicas e materiais que valorizavam a operacionalidade. O século XX (primeiras duas décadas) viu-se, por isso, culturalmente dividido entre progressistas apologistas desta nova modernidade e românticos ou culturalistas que a rejeitavam, onde se inseria Lino. A arquitectura vai assim caracterizar-se por um ecletismo resultante de uma sociedade portuguesa financeiramente fraca para banalizar a nova proposta e de uma Academia insegura, que perde forças na transmissão da mensagem da arte como valor espiritual graças ao maquinismo industrial que se vinha impondo na sociedade.
É neste contexto que surge Raul Lino, mais precisamente numa linha de reacção contra a de Ventura Terra, em Lisboa, e Marques da Silva, no Porto. Estes arquitectos distinguem-se de Lino não só pela formação parisiense que tiveram mas também pela proposta pragmática e racional que apresentaram. Com Ventura Terra, a cidade de Lisboa recebe uma série de projectos para equipamentos na área social, da saúde e educação, dotados de um programa técnico e utilitário. Quanto a Marques da Silva, a sua importância para o Porto consiste também num programa para equipar a cidade, nalguns casos assumindo um claro funcionalismo. O concurso realizado para o projecto do pavilhão de Portugal para a Exposição Universal de Paris de 1900 testemunhou o confronto entre os dois arquitectos Lino e Terra. A proposta de Lino apresenta pela primeira vez uma abordagem que se prende a valores nacionais, vencida pela proposta de Ventura Terra.
Raul Lino foge à prática das beax-arts vigente em Portugal e cria uma linha de pensamento “encarada no contexto da pastoral visão idílica do campo, onde se refugiou o sector mais culto da sociedade portuguesa” [3] a geração de 90, composta por nomes como Teixeira de Carvalho, Ribeiro Artur, Pessanha, Fialho, historiadores e críticos de arte que elogiavam e apoiavam o jovem arquitecto. Sobre este sentimento nacionalista já se tinha pronunciado a geração de 70 (Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz, Oliveira Martins e Guerra Junqueiro).
Sustentadas por uma sólida base quinhentista que o seu mestre lhe passara, as ideias de Lino recuavam à matriz arquitectónica do século XVI para encontrar “numa coerência histórica, nacional e «genuína»” [4] a definição de uma «casa portuguesa», que traduzisse o modo de ser e de estar português. Apesar das constantes interpretações que esta ideia teve, como por exemplo a definição de casa portuguesa num contexto nacional ou num contexto de província, Raul Lino procurava materializar, sobretudo em moradias individuais, numa arquitectura moderna, um carácter estético português que atentava àquilo que Portugal tem de característico. Esta ideia é dada por Ana Tostões quanto à côr, luz, clima, materiais típicos de cada região que ajudam a dar esse sentido nacional, enquanto que J. Augusto França encontra cinco pontos na prosposta de Raul Lino: a utilização do alpendre, a cobertura sanqueada e arrematada pelo beiral, a cal branca que revestia toda a cobertura parietal, os vãos evidenciados pela cantaria e o emprego dos azulejos.
Em 1912 Raul Lino decide construir a sua própria residência familiar em Sintra, na Calçada de São Pedro.
O terreno irregular e a pique foi fundamental para um projecto sentimentalmente estudado pelo arquitecto, cujas ideias de Thoreau se faziam sentir na escolha de uma construção inserida na Natureza. Esta “obra de arquitectura doméstica”[5] é contida no seu exterior, não perceptivel ao cidadão comum que passeia pela Calçada de São Pedro.
A casa segue a irregularidade do terreno, como uma construção orgânica que se desenvolve conforme os limites naturais. É organizada em torno de um pátio exterior ajardinado que tem um papel nuclear na relação interior-exterior. Esta está patente em elementos interiores exteriorizados (o átrio) e elementos exteriores interiorizados (a varanda), que acentua a procura de um jogo dinâmico entre o homem e a natureza que lhe dá continuidade.
O átrio faz também ligação às zonas de carácter mais privado através de um corredor de distribuição. Deste tem-se acesso aos quartos, virados a sudeste e com vista sobre o pátio exterior, sendo que o quarto principal está servido por um quarto de vestir que liga à zona de higiene. Esta é composta por três zonas distintas: lavabo, instalações sanitárias e quarto de banho, este último com vista para o pátio.
Uma arcada em L no exterior enquadra o pátio protagonista, sendo rematada pelo atelier do arquitecto, que tem ainda uma entrada pelo exterior. O volume do atelier sofre uma rotação que contrasta com a ortogonalidade da arcada, realçando a clausura do pátio.
O ambiente é controlado pelas peças decorativas, numa tentativa de dar um sentido de espacialidade e um ritual de vivência.
Raul Lino, arquitecto considerado por José Augusto França como arquitecto da geração de 90, inspira-se no século XVI para a procura de uma «Casa Portuguesa» que fizesse juz à maneira de ser e de estar portuguesa, ao qual não é alheia a arquitectura mudejar alentejana. Contra o racionalismo, “contra o estilo «à antiga portuguesa»” [7] e a favor de um espirito nacional, Lino condensa na sua residência em Sintra todas as experiências e ideias que marcaram o seu pensamento (principalmente até à decada de 1920). Projecto de desenho orgânico que põe em evidência a relação do homem (como indivíduo e não Homem como humanidade) com a natureza, tem sempre em conta a noção de espacialidade e de valores como beleza, nobreza e subtileza, valores que pretendem alcançar a proporção (valor tão caro à arquitectura). As artes decorativas enaltecem o sentido da arte como parte integrante na vida humana, sendo que o azulejo e a pintura a fresco ganham novos contornos no revestimento parietal da Casa do Cipreste.
Cipreste é a árvore da solidão, da liberdade, do bem. Raul Lino estava só num mundo artístico que olhava para outras propostas que não a do próprio, que partia à descoberta de uma “Casa Portuguesa”. Contudo, nunca deixou de ser um homem livre, que medita em paz com a natureza. É curioso reparar que a porta de entrada para a residência tem um vitral no qual se pode ler o referido verso: “Se tiveres de sobejo, sê liberal como a tamareira. Se nada tiveres para dar, então sê um azad, ou um homem livre, como o cipreste”. Aqui é possivel entender como Lino se identificava com esta árvore. A acompanhar a representação do cipreste e dos versos, estão dois símbolos que remetem para as ondas luminosas do bem e para o caminho para a perfeição.
[1] Cit. in Almeida, Pedro Vieira; Fernandes, José Manuel – História da Arte Portuguesa. Edições Alfa:1986. Volume 14 (pág. 82)
[2] Cit. in Pereira, Paulo (dir.) – História da Arte Portuguesa. Lisboa: Temas & Debates, 1995, volume 3 (pág. 507)
[3] Cit. in Dalila Rodrigues (coord.), Tostões, Ana – Arte Portguesa: da pré-história ao século XX. Volume 16 (pág.15)
[4] Cit. in França, José-Augusto – História da Arte em Portugal no século XIX. Volume 2. Lisboa: Bertrand 1966 (pág. 160)
[5] Cit. in França, José Augusto – Raul Lino: exposição retrospectiva da sua obra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970 (pág. 90)
[6] Cit. in Carvalho, Manuel Rio – Raul Lino: exposição retrospectiva da sua obra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970 (pág. 198)
[7] Cit. in França, José Augusto – Raul Lino: exposição retrospectiva da sua obra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970 (pág. 106)