segunda-feira, 30 de março de 2009

Francisco de Arruda Furtado (1854-1887)


“Retomando a ordem cronologica que iamos seguindo, e que foi necessario interromper, encontramos agora outro antropologo, que, como Ferraz [Dr. Francisco Ferraz de Macedo, médico e antropólogo, f. 1907], trabalhou sòzinho: Arruda Furtado, o qual em 1884 publicou em Ponta Delgada “Materiaes para o estudo anthropologico dos povos açorianos («Observações sobre o povo michaelense»), seguidos, em 1886, de “Notas psychol. e ethnol. Sobre o povo português. Nos “Materiaes”, além da parte antropologica, anunciada no titulo, ha uma parte etnografica.”[1] São as breves palavras que sobre o cientista açoriano nos deixa José Leite de Vasconcelos (1858-1941), na magistral “Etnografia Portuguesa”. Se a comemoração dos 200 anos sobre o nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos sobre a 1ª edição do seu importante livro mais méritos não tivesse, teria ao menos o de ter lançado repentinamente para a celebridade um esquecido cientista português que se correspondeu com ele. Uma parte da exposição dedicada ao célebre britânico, que ainda está na Fundação Calouste Gulbenkian, é sobre Francisco Arruda Furtado e até uma peça de teatro em que ambos aparecem foi já publicada. O investigador açoriano nasceu a 17 de Setembro de 1854, em Ponta Delgada (ilha de S. Miguel) e iniciou a carreira profissional como aspirante da Repartição de Fazenda dessa cidade. Em 1877 demitiu-se e tornou-se empregado de escritório. Desde novo o interessaram a literatura, a arte e as ciências – campo em que se tornou uma figura de referência, por causa dos seus estudos sobre a população e a Natureza dos Açores. Em 1882 foi vogal da comissão organizadora da Exposição de Artes, Ciências e Letras, que se realizou no liceu de Ponta Delgada e expôs desenhos seus sobre fauna e flora. Esteve em Lisboa em 1884 e, por seu mérito, foi nomeado adido (funcionário agregado como auxiliar) à Secção Zoológica do Museu de Lisboa (depois Museu Barbosa du Bocage). Contribuiu ainda para a fundação do Museu de Ponta Delgada, foi sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa e só não o foi da Academia das Ciências (proposto por Barbosa du Bocage), por ter falecido por essa altura. A razão de ter voltado ao conhecimento geral é tão fútil como ter-se correspondido com Darwin, quando, na verdade, os seus trabalhos científicos bastariam e sobejariam para lhe registar o nome, dispensando o patrocínio estrangeiro. Deve, no entanto, referir-se que se norteou pelas ideias darwinistas, nomeadamente em trabalhos sobre moluscos, mas não foi o único. Ficam na penumbra outros cientistas portugueses, como Júlio Henriques, Júlio de Matos e Jaime Batalha Reis. O primeiro, por exemplo, especulou em 1866 sobre a “aplicação da teoria da evolução por selecção natural à espécie humana, no que se antecipou em cinco anos ao próprio Darwin”[2]. Apesar de a ciência portuguesa do século XIX ter tido períodos de imobilidade, continua a ser uma injustiça esquecer aqueles que em Portugal, mal ou bem, se dedicaram a estes trabalhos. Voltando à correspondência, “na primeira resposta [ao cientista açoriano], o famoso naturalista diz-se velho de mais para poder usar directamente as observações do português, «mas esse facto não diminui o interesse que tenho por elas»(...). Segue-se uma série de conselhos de como conduzir as investigações nas ilhas.”[3] Arruda Furtado carteou-se também com Gustave Le Bom, Perrier, Crosse, J. L. de Vasconcelos, Teófilo Braga, Adolfo Coelho, entre outros. Vão, em baixo, alguns dos títulos por si publicados, o que demonstra os seus amplos horizontes mentais:

Zoologia (Malacologia) – Indagações sobre a complicação das maxilas de alguns Hélices, 1880;
A propósito da distribuição dos moluscos terrestres nos Açores, 1881;
O Homem e o Macaco, 1881;
Materiais para o estudo antropológico dos povos açorianos, 1884;
Catálogo Geral das colecções de moluscos e conchas do Museu de Lisboa, 1886;
Notas psicológicas e etnológicas sobre o povo português, 1886;
O macho e a fêmea no reino animal, 1886;
Sur une nouvelle espèce de céphalopode appartenant au genre Ommatostrephes, 1887;
Açores e açoreanos (manuscrito);
História da Zoologia em Portugal (manuscrito);
Classificação de Moluscos (manuscrito);
...

Além do que vem mencionado, colaborou em publicações periódicas, como: “Era Nova”, “O Positivismo”, Jornal de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais” (pub. da Academia de Ciências), “A República Federal”, “A Gazeta Açoreana”, “Século”, “A Voz do Operário”.[4]
Arruda Furtado faleceu precocemente a 21 de Junho de 1887.

Sobre Arruda Furtado, veja-se o que vem no site do Instituto Açoriano de Cultura (IAC): http://www.iac-azores.org/biblioteca-virtual/arruda-furtado/index.html
Estão a sair por estes tempos dois livros sobre o cientista açoriano. Um é uma biografia e outro é a sua obra científica completa, a acrescentar à sua correspondência científica já publicada.

[1] Vol.1, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p.70. É daqui a imagem reproduzida acima.
[2] Luís Tirapicos, National Geographic Portugal, Fevereiro de 2009, vol.8, nº95, p.46.
[3] Ibidem, p.43.
[4] A fonte principal deste texto foi a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.3, pp.393-394.

terça-feira, 24 de março de 2009

A incoerência da República

Apenas recentemente me deparei com a incoerência à volta de: «“A República” de Platão».
Reparem, “A República” é uma obra escrita pelo filósofo grego Platão. Até aqui tudo bem, isto é cultura geral. A minha falha foi nunca ter meditado no facto do autor ser grego e, o título da obra derivar do Latim Res Publica (coisa do povo). De facto, só me apercebi de tal ao comprar o livro, onde li que inicialmente a obra ter-se-ia chamado Politeia e posteriormente foi traduzida para Latim, por Cícero.
Elísio Gala, que é quem traduz a obra para português, escreve no prefácio:

“(...) o principal sentido de politeia é o de o modo como uma polis é governada, quer no sentido de regime, de forma de governo, quer no sentido de constituição.”[1]

E, mais à frente, continuamos com a nossa viagem etimológica. Ficamos a saber que governante/estadista deriva de “politikos – o que sabe as coisas da Cidade”, que política deriva de “politika – que tem a ver com a Cidade” e que cidadão vem de “polites – o que pertence à Cidade” . Todas estas palavras têm origem em polis, isto é, na comunidade de homens interessados no bem do povo.[2]


[1] Platão, A República, Guimarães Editores – Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 2005 – tradução, prefácio e notas de Elísio Gala, p.XI
[2] Idem, p. XII

Conferência sobre Darwin - Pietro Corsi

As conferências sobre Darwin e Evolução continuam.
É já no dia 25 de Março de 2009, que se irá realizar a palestra intitulada "Just before Darwin: the question of species during the 1850's", ou seja, "Antes de Darwin: O conceito de espécie em meados do século XIX", com a participação de Pietro Corsi, Oxford University, UK.
Como habitual, a conferência terá lugar no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, às 18horas.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Sobre Evolução – V – Algumas questões

A evolução do Homem

Imagem retirada do site: http://pt.heroeswiki.com/Imagem:Evolution.jpg


Para quem está a observar esta imagem e pensa que representa a evolução humana, então deverá ler o texto que se segue. Esta é uma imagem que induz as pessoas em erro, por várias razões. Olhando para a figura, parece-nos que: 1) A evolução é linear; 2) O Homem evoluiu do macaco; 3) uma espécie de hominídeo extinguiu-se para dar origem à espécie seguinte, e assim sucessivamente.
Estes conceitos (ou preconceitos?) estão errados, como passo a explicar: 1) A evolução não se processa de um modo linear nem progressivo, mas de um modo ramificado, devido a variações aleatórias sujeitas à acção da selecção natural; 2) O Homem não evoluiu nem do macaco nem do chimpazé actual, o que acontece é que o Homem tem um ancestral comum com o chimpazé actual há cerca de 7 Milhões de anos atrás, período aproximado em que iniciou-se a divergência das espécies; 3) Os hominídeos não se extinguiram para dar lugar aos seguintes, na realidade, alguns deles coexistiram ao mesmo tempo e até no mesmo lugar (exemplo do Homo sapiens que quando chegou à Europa encontrou o Homo neandertalensis). Em baixo vê-se uma secção da evolução humana em forma de árvore, tal como se encontra actualmente em exibição na exposição “A evolução de Darwin”, na Fundação Calouste Gulbenkian.


Imagem retirada do site: http://diario.iol.pt/multimedia/oratvi/multimedia/imagem/id/13111422/

Pode ver-se a evolução a ocorrer?
Sim, de facto pode-se. Para exemplificar, recorro ao exemplo das borboletas britânicas, conforme estudado por Haldane e ilustrado nos manuais escolares. Inicialmente uma espécie de borboletas apresentava duas características: umas tinham asas claras e outras asas escuras. As borboletas pousavam frequentemente nos troncos claros das árvores, cobertos de líquenes. As de asas claras estavam favorecidas, pois ficavam como que camufladas no fundo claro. De modo contrário, as de asas escuras ficavam mais expostas, servindo de alimento a aves que se alimentavam destes insectos e, portanto, existiam em menor número.
Quando se deu a revolução industrial, construíram-se fábricas que ao libertar fumos mataram os líquenes e escureceram os troncos das árvores, levando a que as borboletas de asas escuras passassem a estar favorecidas, logo viviam mais tempo, podendo deixar mais descendência com as mesmas características vantajosas, enquanto que as de asas claras passaram a estar mais expostas e tornaram-se elas alimento para os predadores. Com o passar do tempo, após várias gerações, aumentou o número de borboletas de asas escuras e diminuiu o número de borboletas de asas claras.
Com as novas regras para combater a poluição, as fábricas poluem menos e os líquenes voltam a desenvolver-se. Actualmente as brancas voltaram a ficar favorecidas, verificando-se novamente um aumento do seu número. Isto é a evolução a ocorrer.


Outro exemplo: A resistência de bactérias a antibióticos.
Quando somos infectados por bactérias o médico informa-nos que devemos tomar determinado antibiótico do início ao fim do tratamento, de modo a eliminar todas as bactérias. Acontece que, por vezes, os pacientes deixam de tomar os antibióticos quando se sentem melhor, apesar de toda a sensibilização realizada por médicos, farmacêuticos e pelos media. Aquando da infecção as bactérias penetram no organismo e replicam-se e, como têm um elevado índice de mutação, podem adquirir resistência a determinado antibiótico. Ao interromper o tratamento, as bactérias resistentes permanecem no organismo (sendo a resistência ao antibiótico é uma característica vantajosa), multiplicam-se e, após várias gerações, temos um grande número de bactérias resistentes ao antibiótico. Quando nos sentirmos novamente doentes e tomarmos o dito antibiótico já ele não tem efeito, sendo necessária uma nova consulta médica para receitar, possivelmente, um outro antibiótico.


Então, em que casos podemos ver a evolução a ocorrer? Podemos ver a evolução a ter lugar em organismos com ciclo de vida curto (quando comparado com o nosso) para podermos acompanhar as várias gerações.

Sobre Evolução – IV – Darwin

Conhece Darwin?[1]
Charles Robert Darwin nasce em Shrewsbery em Fevereiro de 1809, filho de Robert Waring Darwin (médico) e Susannah Wedgwood. A sua mãe falece quando ele tem oito anos, tendo sido criado pelas suas três irmãs mais velhas. Neto de Erasmus Darwin, poeta, médico e um dos primeiros pensadores evolutivos e também do ceramista Josiah Wedgwood. Ambos contribuíram grandemente para a revolução industrial e florescimento intelectual do século XVIII. É assim «criado numa atmosfera familiar intelectual e científica e onde a liberdade de pensamento era cultivada.»[2]
Em Janeiro de 1839 casa-se com a sua prima e amiga de infância Emma Wedgwood, com quem tem diversos filhos: William, Anne, Henrietta, George, Elizabeth, Francis, Leonard, Horace e Charles.
Sobre a Origem das Espécies através da Selecção Natural, ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida, da autoria de Charles Darwin, é publicado numa quinta-feira, dia 24 de Novembro de 1859, em Londres. Pela altura da morte de Darwin haviam sido publicadas seis edições desta obra, com ligeiras alterações, sendo que a expressão sobejamente conhecida «sobrevivência do mais apto» só aparece, pela primeira vez, na 5ª edição (1869).
Darwin morre em 1882, com 73 anos, tendo sido sepultado na abadia de Westminster, em Londres.
Sobre a Evolução pela Selecção Natural
Darwin afasta-se de Erasmus e Lamark, porque, ao contrário deles, não acredita que as modificações levem necessariamente a uma progressão, ou a “uma luta interior pela perfeição”. Na realidade, as modificações sofridas pelos organismos revelam-se de uma forma aleatória. “Um organismo bem adaptado pode ser extraordinariamente simples. Um insecto era tão maravilhosamente adaptado como um homem.”[3]
Creio que o livro “Evolução a Duas Vozes”[4], na parte escrita pela Doutora Teresa Avelar, resume muito bem o essencial do mecanismo evolutivo proposto por Darwin, isto é, Evolução pela Selecção Natural.
Podemos resumir este mecanismo a quatro pontos chave, como se segue:

- Variabilidade
- Crescimento populacional + recursos finitos à “luta pela existência”
- Algumas variações são vantajosas
- Sobrevivência de indivíduos e procriação

Assim, dentro de uma população de determinada espécie existe variabilidade intraespecífica, o que significa que os indivíduos são diferentes. Com o passar do tempo, o número de indivíduos dessa população ultrapassará os recursos disponíveis, originando uma “luta pela existência”. Devido às diferenças entre indivíduos, alguns terão características mais vantajosas, o que lhes permitirá sobreviver durante mais tempo, e por conseguinte, deixar mais descendência com essas mesmas características, em que também elas terão maior capacidade de sobrevivência e reprodução. Após várias gerações, em que os mais aptos se reproduzem mais dos que os menos aptos, verifica-se uma alteração lenta e gradual das espécies, ou seja, evolução.
Neo-Darwinismo
O mecanismo de selecção natural implica uma acção lenta sobre pequenas diferenças hereditárias entre indivíduos. No entanto, o que os geneticistas observam em laboratório são mutações e consequentemente uma evolução por saltos, e não gradual.
Foi necessário que vários cientistas se reunissem para que cada um, de acordo com a sua especialidade, pudesse explicar esta aparente divergência.
Deste modo, Ronald A. Fisher (1890-1962), com o seu livro The genetical theory of natural selection, demonstra a compatibilidade entre a genética mendeliana e a evolução por selecção natural, ou seja, com recurso a matemática, prova que o gene é fundamental para que a selecção natural possa actuar.
John Burdon Saunderson Haldane (1889-1988) coloca em prática o modelo da genética de populações de Fisher, realizando casos de estudo sobre alterações genéticas em populações naturais. Haldane é o responsável pelo exemplo da evolução da cor das asas das borboletas britânicas, frequentemente ilustradas nos manuais escolares (ver mais à frente).
Sewall Wright (1892-1964), tendo trabalhado no departamento de agricultura da América do Norte, apercebe-se que a variação genética não se distribui de modo uniforme pelas diferentes populações da mesma espécie. Deste modo, cada população de uma dada espécie terá uma distribuição genética própria. Assim, Wright propõe o modelo da Deriva Genética. Uma pequena população isolada fica impedida de reproduzir-se com indivíduos de outras populações, levando à fixação de uma composição genética particular (exemplo de uma ilha colonizada por um reduzido número de indivíduos de dada espécie).
O naturalista e geneticista russo, Theodosius Dobzansky (1900-1975), publica a obra que é considerada a fundação da Síntese Evolutiva Moderna, Genetics and the Origin of Species, em que inclui explicitamente a genética na teoria da evolução por selecção natural, reconciliando a matemática e genética com a selecção natural.
O zoólogo alemão, Ernst Mayr (1904-2005), explica que duas populações evoluindo de forma independente podem acumular variações genéticas que impossibilitam a reprodução, levando a um processo de especiação. Mayr define assim, portanto, geneticamente o conceito de espécie.
O paleontólogo Geoge Gaylord Simpson, estudando o registo fóssil com recurso a análise estatística, demonstra a compatibilidade dos elementos fósseis com a teoria evolutiva. Também o geneticista de plantas, G. Ledyard Stebbins, dá o seu contributo para a extensão da síntese moderna à botânica, publicando o livro Variation and Evolution in Plants (1950).

[1] De um modo exageradamente sintético, colocarei apenas o principal. Para saber mais sobre a vida deste naturalista e a sua principal obra, recomendo vivamente: Janet Browne, A Origem das Espécies de Charles Darwin, Gradiva, Lisboa, 2008 – tradução: Ana Falcão Bastos e Cláudia Brito.
[2] Janet Browne, A Origem das Espécies de Charles Darwin, Gradiva, Lisboa, 2008 – tradução: Ana Falcão Bastos e Cláudia Brito, pp. 19-20
[3] Idem, p.88
[4] Teresa Avelar, Padre Carreira das Neves, Evolução a duas vozes, Bertrand Editora, 2009

Sobre Evolução – III– Lamarck

Sobre Lamarck
Já antes de Charles Darwin, vários pensadores especulavam sobre a transformação das espécies ao longo do tempo. Exemplo disso, foi o seu próprio avô, o médico inglês Erasmus Darwin, ou o naturalista francês Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Cavaleiro de Lamarck (1744-1829), o qual vamos procurar conhecer.
Lamarck foi discípulo de Buffon no Jardin du Roi de Paris, dedicando-se inicialmente ao estudo de plantas, viria posteriormente a surgir a obra “Flore de France”. Posteriormente, estudou as conchas fossilizadas de invertebrados marinhos extintos, concluindo que as espécies deveriam transformar-se ao longo do tempo.
Sobre o “Lamarckismo”
Lamarck foi o primeiro a propor um interessante mecanismo para explicar a evolução em animais, na sua obra “Philosophie Zoologique” (1809), enunciando dois princípios: “Lei do uso e do desuso” e “Hereditariedade das Características adquiridas”.
O exemplo mais conhecido deste mecanismo, que aparece nos manuais escolares, é o da evolução da girafa. Imagine-se que uma girafa, de pescoço não muito alto, necessita esticar o dito pescoço para chegar à copa das árvores de modo a conseguir alimentar-se das folhas. Pela “lei do uso e do desuso” sabemos que quanto mais exercitarmos um determinado órgão mais ele se desenvolve, e, se pelo contrário não o usarmos ele atrofia-se. Deste modo, a girafa ao fazer uso do seu pescoço irá desenvolvê-lo, e, quando se reproduzir, passará estas alterações à descendência, de acordo com a “Hereditariedade das características adquiridas”. Se as girafas repetirem este processo ao longo de várias gerações, teremos girafas de pescoço cada vez mais alto.
Críticas ao sistema proposto por Lamarck
Até poderíamos pensar que este mecanismo é capaz de explicar o processo evolutivo, mas na realidade isto não se verifica na prática, principalmente atendendo à transmissão das características adquiridas, pela qual Lamarck é conhecido.
É na transição do século XIX para o XX que August Weismann (1834-1914) refuta esta ideia de que as transformações resultantes do uso e desuso de determinado órgão podem ser herdadas pelos descendentes. Utilizando milhares de ratinhos, corta-lhes a cauda e espera que se reproduzam. Se as ideias de Lamarck estiverem correctas, espera-se que as crias não tenham cauda. Observando os descendentes das várias gerações seguintes, Weismann constata que todos têm cauda, concluindo que a hereditariedade das características adquiridas, de facto, não se verifica na prática.
Então Weismann postula que são só as células sexuais (gâmetas), e não as somáticas (do corpo), que contêm a informação que passa para a geração seguinte.

Sobre Evolução – II – Nota Introdutória

Neste ano de 2009, em que se celebram os 200 anos do nascimento de Charles Darwin e os 150 anos da publicação da sua mais importante obra “A Origem das Espécies”, os autores deste blog comprometeram-se a divulgar informação sobre esta temática. Para além da literatura já sugerida, parece-nos importante aprofundar esta importante área de estudo que é a evolução.
Decidi, inicialmente, abordar o mecanismo de evolução proposto por Lamarck e analisá-lo. De seguida, explicarei a Teoria da Evolução pelo mecanismo de Selecção Natural, tal como proposto por Darwin e, subsequentemente, debruçar-me-ei sobre o Neo-Darwinismo. Por último, parece-me interessante discorrer sobre algumas das questões levantadas aquando da abordagem deste importante tema, que é a evolução.
Seguem-se, então, os posts sobre os assuntos acima mencionados.

terça-feira, 17 de março de 2009

Escola de Verão da UNL

Já estão anunciados os cursos de verão que a Universidade Nova de Lisboa proporciona àqueles que quiserem aproveitar uma parte das férias para aprender algo novo. A participação é livre, ou seja, não depende de apresentação de certificado ou candidatura prévia. Cada curso tem a duração de 18/20 horas e dá direito a certificado de frequência. Quem quiser poderá ser avaliado e, desse modo, conseguir créditos ECTS. Para informações mais detalhadas, ver: http://verao.fcsh.unl.pt/.

terça-feira, 10 de março de 2009

Significados II - Mariola


A palavra “mariola”, substantivo masculino, serve comummente para qualificar aquele que não tem um bom comportamento social. “Pessoa de sentimentos vis; biltre; patife”, diz o Dicionário da Língua Portuguesa[1]. “Malandro”, “brejeiro, atrevido com as mulheres”[2], acrescenta o Grande Dicionário da Língua Portuguesa[3]. Este vocábulo, a cair actualmente em desuso, tem ainda outro significado, desta feita profissional, e ambos os dicionários começam até por ele. Mariola é um antigo moço de fretes que se encarregava de tarefas pesadas. Já no século XVI, diz o misterioso Frei Pantaleão de Aveiro (Itinerario da Terra Santa e suas particularidades): “chegando ao ribeiro... cortaram uma parra com seu cacho, a qual levaram dois homens em uma canga à mariola”[4], ou seja, a “pau e corda”[5]. Aliás, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, o mais antigo sentido da palavra é este mesmo: “carregador, moço de fretes”[6], significado então (séc. XVI) bem conhecido e porventura usado desde muito antes, já que a oralidade precede a escrita. Sugere-se assim, “com reservas”, que seja um italianismo. De facto o vocábulo é documentado também em italiano desde o século XVI[7]. O sentido pejorativo parece ser posterior. António de Morais Silva (1755-1824) não fala dele ainda em 1813 (2ª ed. do Dicionário da Língua Portuguesa), mas aparece em 1871-74, no Grande Dicionário Português ou Tesouro da Língua Portuguesa, do Dr. Frei Domingos Vieira[8]. Enquanto profissão, temos uma gravura de um mariola, aqui reproduzida, de uma obra cuja primeira edição é de 1809: Coleçaõ de Estampas Intitulada Ruas de Lisboa. Na reedição da Inapa (a partir da edição de 1826), diz M. Graça Garcia: “O «Mariola», cuja conduta poderá ter dado ocasião a juízos pouco favoráveis por parte da população, dado o sentido que o termo hoje apresenta, encarregava-se sobretudo de transportes pesados: mercadorias das zonas portuárias, mobiliário nas mudanças de residência, etc. O seu equipamento era constituído por um saco para objectos de menores dimensões, uma espécie de pequena almofada semicircular tecida de cordas, um pau comprido e resistente e uma longa corda. O «Moço de Fretes» ocupava-se geralmente de trabalhos mais leves, apresentando apenas uma corda para facilitar os transportes, encarregando-se também de transmitir recados e missivas. Os «mariolas» e moços de fretes colocavam-se em locais estratégicos, às esquinas, ou em grupos no Rossio e no Terreiro do Paço, à espera de fregueses.”[9]


Notas:
[1] Dicionário da Língua Portuguesa, 5ªed., Porto Editora, s.d., p.915.
[2] Estas duas limitadas ao Alentejo.
[3] Grande Dicionário de Língua Portuguesa, José Pedro Machado (coord.), vol.VII, Sociedade de Língua Portuguesa, 1989, p.58.
[4] Cap. 57, cit. em Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 16, Editorial Enciclopédia Limitada, p.369.
[5] Ibidem.
[6] Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, José Pedro Machado, vol.4, 4ªed., Livros Horizonte, Lisboa, 1989, p.66.
[7] Dizionario Etimologico Italiano, C. Battisti, G. Alessio, G. Barbera Editore, 1950-57, cit. ibidem.
[8] Ibidem.
[9] Ruas de Lisboa (1826), Inapa, 1994 (do Prefácio). A imagem é provavelmente da autoria de Manuel da Silva Godinho (c.1751-18??).

segunda-feira, 9 de março de 2009

I Curso Livre sobre História das Ciências da Saúde

Aproveito por fazer a seguinte divulgação:
"I Curso Livre sobre História das Ciências da Saúde:
Corpo, Saúde e Práticas Médicas ao longo dos séculos.
Organização: Centro de História da Universidade de Lisboa (CHUL) e Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência (CEHFCi)
Coordenação: Ana Maria S. A. Rodrigues (FLUL, CHUL) e José Pedro Sousa Dias (FFUL, CEFHCi)
Horário: 18h00-20h00 (Sessões de 2h00, com 1h30 de exposição e 30mn de discussão)
Calendário: De 14 de Abril a 30 de Junho (12 sessões às 3ªs feiras)
PROGRAMA
14 Abril – Cristina Pimentel (FLUL), Práticas médicas, superstições e mezinhas na Antiguidade romana
21 Abril – Luís Manuel de Araújo (FLUL), Saúde e bem-estar no antigo Egipto
28 Abril – Filomena Barros (U. Évora), Corpo, medicina e saúde pública no Islão clássico (sécs. VIII-XII)
5 Maio – Ana Maria Rodrigues (FLUL), Os receituários medievais, entre magia e ciência
12 Maio – Francisco Contente Domingues (FLUL), Nos Navios dos Descobrimentos: salubridade, alimentação e saúde
19 Maio – Laurinda Abreu (U. Évora), Políticas de caridade, assistência e saúde no Portugal Moderno
26 Maio – Cristiana Bastos (ICS-UL), Medicina e Império: biopoder colonial, doenças, feiticeiros, sangue e vampiros
2 Junho – Madalena Esperança Pina (UNL-FCM), Azulejaria e Medicina – Dos quatro elementos primordiais à decoração hospitalar.
9 Junho – Clara Pinto Correia (U. Lusófona), A Biologia do Demónio
16 Junho – Ricardo Lopes Coelho (FCUL), Os «Physicos» da Física (1842-1851)
23 Junho – Teresa Avelar (U. Lusófona), Medicina Darwiniana ou Porque é que a evolução é importante para a nossa saúde
30 Junho – José Pedro Sousa Dias (FFUL), A Introdução da medicina laboratorial em Portugal"

Conferência sobre Darwin - Olivia Judson

Vai decorrer mais uma conferência sobre Evolução, que terá lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, Av. de Berna, no auditório 2, às 18horas do dia 11 de Março de 2009.
A palestra será proferida pela Doutora Olivia Judson, do Imperial College, UK, e terá como título "Glad to have evolved" - (Ainda bem que evoluímos).
Apesar da comunicação ser em inglês terá tradução simultânea.
Videodifusão - http://live.fccn.pt/fcg

quarta-feira, 4 de março de 2009

Sobre Evolução

Em 2009, celebram-se os 200 anos do nascimento de Charles Darwin, e os 150 anos da publicação da sua obra mais emblemática, “A Origem das Espécies”.
O armariumlibri, como prometido em posts anteriores, actualizou a sua lista de sugestões de leitura sobre o tema da EVOLUÇÃO.

Livros técnicos:

D. J. Futuyma, Evolutionary Biology, Sunderland, Massachusetts, Sinauer

Divulgação:

Augusta Gaspar (Coordenação), Clara Pinto Correia (Prefácio), Teresa Avelar, Frederico Almada, Augusta Gaspar, Octávio Mateus (Colaboração), Evolução e Criacionismo – Uma relação impossível, Edições Quasi, 2007

Janet Browne, A Origem das Espécies de Charles Darwin, Gradiva, 2008 – Tradução: Ana Falcão Bastos e Cláudia Brito, Revisão Científica: Filipa Vala


Matt Ridley, A Rainha de Copas, Gradiva, «Ciência Aberta», 2004 – Tradução: Carla Rego


Richard Dawkins, O Relojoeiro Cego, Gradiva, «Ciência Aberta», 2007

Teresa Avelar, Padre Carreira das Neves, Evolução a duas vozes, Bertrand Editora, 2009

Teresa Avelar, Margarida Matos, Carla Rego, Quem tem medo de Charles Darwin?, Relógio D’Água, 2004


Fontes:

Charles Darwin, A Origem das Espécies, tradução de D. Batista, Publicações Europa-América, 2005

Charles Darwin, Autobiografia, Relógio d’Água, 2004 – Introdução, tradução e notas de T. Avelar