O movimento que em Portugal se chama Escotismo ou Escutismo foi idealizado por Robert Baden-Powell (1857-1941), militar britânico, depois de verificar a popularidade do seu livro Aids to Scouting – primeiramente destinado ao exército, mas depois usado como livro de leitura nas escolas[1] – e a utilidade de formar os jovens para uma cidadania participativa, patriótica e solidária. O acampamento experimental em Brownsea com 20 rapazes no verão de 1907 demonstrou o sucesso prático da ideia. O escotismo espalhar-se-ia muito para além dos cálculos de B.P., tendo chegado a todos os continentes do Mundo.
Na prática, o que pretende ser o Escotismo? Um movimento internacional, voluntário e pedagógico, que tem por fim ajudar os jovens a crescer saudavelmente, incutindo-lhes um sentido dinâmico de responsabilidade e de fraternidade; um movimento não político, aberto a todas as pessoas sem qualquer distinção (origem, raça, credo...), caracterizado pela participação na sociedade, em especial protegendo a Natureza e auxiliando os que precisam. O movimento tem um método próprio de educação centrado na aprendizagem pela prática e no contacto com a Natureza e com as Comunidades. Os escoteiros andam uniformizados e trazem um conjunto de símbolos próprios que expressam os princípios do movimento.
Na prática, o que pretende ser o Escotismo? Um movimento internacional, voluntário e pedagógico, que tem por fim ajudar os jovens a crescer saudavelmente, incutindo-lhes um sentido dinâmico de responsabilidade e de fraternidade; um movimento não político, aberto a todas as pessoas sem qualquer distinção (origem, raça, credo...), caracterizado pela participação na sociedade, em especial protegendo a Natureza e auxiliando os que precisam. O movimento tem um método próprio de educação centrado na aprendizagem pela prática e no contacto com a Natureza e com as Comunidades. Os escoteiros andam uniformizados e trazem um conjunto de símbolos próprios que expressam os princípios do movimento.
Os portugueses também adaptaram a ideia desde cedo, com os primeiros escoteiros lusos em Macau, em 1911, organizados por Álvaro Mello Machado, “oficial da Marinha e governador de Macau desde 17 de Dezembro de 1910”[2]. Mais tarde, seguidas de várias tentativas efémeras de escotismo, vêm a permanecer na Metrópole as duas principais associações que, com mais ou menos actualizações, ainda hoje existem – a Associação dos Escoteiros de Portugal (1913) e o Corpo Nacional de Escutas (1923)[3]. Estas associações têm algumas diferenças importantes, desde logo em relação à religião, já que o C.N.E. é um movimento católico e a A.E.P. tem carácter interconfessional. E existe ainda a curiosa questão das denominações. Em Portugal, para os jovens que aderem ao movimento, há duas palavras identificadoras: escoteiro e escuteiro. O que aqui queremos fazer é tentar explicar a origem da diferença e a competência destes vocábulos, segundo a nossa opinião.
Em inglês, as palavras escolhidas para designar o movimento e os seus membros foram scouting e scout. No Oxford Advanced Learner’s Dictionary, de scout diz-se que é um batedor ou um membro da organização escotista que tem como objectivo o desenvolvimento do carácter dos jovens através da disciplina, das actividades ao ar livre e do serviço para a comunidade[4].
Por scout Baden-Powell entendia explorador. “Creio bem que não há rapaz que não queira servir a sua Pátria de uma forma ou doutra. Tem um meio fácil de o conseguir: é fazer-se Escuteiro. O explorador do exército (o antigo escuta) é, geralmente, como sabeis, um soldado escolhido pela sua capacidade e coragem para seguir à frente do exército, descobrir onde se encontra o inimigo, e comunicar ao comandante tudo quanto puder averiguar a seu respeito. Mas, além de exploradores de guerra, há também exploradores pacíficos – gente que em tempo de paz realiza tarefas que exigem igual coragem e engenho. São os fronteiros da civilização. Os pioneiros e caçadores de peles da América do Norte, os colonos da América do Sul, o caçadores da África Central, os exploradores e missionários espalhados pela Ásia e por todas regiões selváticas do mundo, os sertanejos e pastores da Austrália, a polícia do Canadá Setentrional e da África do Sul – são todos escuteiros da Paz, verdadeiros homens em toda a acepção da palavra, peritos na arte de explorar. Sabem viver na selva, em toda a parte se sabem orientar e, dos vestígios ou sinais mais simples e pegadas mínimas, tiram conclusões muito exactas. Sabem cuidar da saúde quando andam longe dos médicos. São fortes e ousados, estão prontos a arrostar perigos e sempre dispostos a auxiliarem-se mutuamente. Estão acostumados a trazer a vida entre as mãos e a arriscá-la sem hesitação, se com ela podem servir a sua Pátria. Privam-se de todas as suas preferências e comodidades pessoais, para se desempenharem da sua missão. A vida do fronteiro é vida magnífica, mas ninguém se pode dedicar a ela de repente, se não estiver devidamente preparado. Os que melhor se dão nela são aqueles que aprenderam a arte de exploração enquanto rapazes. A exploração é útil para qualquer modo de vida que se queira seguir. Um célebre sábio afirmou que serve de muito àquele que pretenda dedicar-se aos estudos científicos. E um médico notável mostrou que é necessário ao médico ou ao cirurgião tomar nota de pequeninos nadas, como faz o explorador, e saber interpretá-los.”[5]
A citação é extensa, mas quisemos mostrar pelas palavras do próprio Fundador o significado de scout ou explorador. O explorador começa por ser um batedor (scout) do exército, aquele que espia o inimigo, servindo-se de técnicas que o ajudam a dominar o ambiente que o rodeia; é, depois, também, aquele que vive perto da Natureza e que, não estando em guerra, também se serve de um conjunto de técnicas de sobrevivência e convívio com meios não civilizados, não muito tocados pelos Homens, naturais. O que queria exprimir o criador do movimento era a importância de a juventude crescer em contacto com o seu Mundo, habituada a compreender a Natureza, a proteger esse precioso património, observando e aprendendo, ou seja, explorando. Isto explica, por exemplo, o facto de o Escotismo ser um dos mais precoces e entusiastas movimentos com preocupações ambientais. Assim, a palavra scout chega aqui ao seu terceiro significado: movimento educativo de jovens ao ar livre e ao serviço da comunidade. Um movimento voluntário com fins pedagógicos, que visa ajudar os mais novos a crescer saudável e responsavelmente, segundo um conjunto de práticas de vida em campo e de serviço às comunidades. Era assim que Baden-Powell entendia a sua mais célebre criação.
E a palavra (ou palavras) portuguesa(s)? Quando, no início do século XX, se quis oficializar por cá o original movimento de Baden-Powell, pediu-se à população, através de jornal, que desse sugestões de nomes que definissem o movimento, na altura embrião da Associação dos Escoteiros de Portugal. Muitas surgiram. Uma só serviu. Uma palavra portuguesa já existente, tal como o vocábulo scout, e que descrevia uma parte importante do que de facto era o movimento[6]. O termo era escoteiro. Escoteiro era o indivíduo que “que viaja ligeiro, com pouco fardo ou sem bagagem, pagando escote pelo caminho para comida e bebida”[7]; escote significa “aquilo que compete a cada um pagar numa despesa comum; quota-parte”[8], tendo origem numa antiga palavra franca: skot (contribuição)[9]. De facto, o vocábulo exprimia bem a aventura e o desprendimento em relação aos confortos da civilização, já que o escoteiro de pouco mais precisa em campo do que das suas imaginação e vivacidade.
Porém, a A.E.P. não está só no panorama escotista português. Em 1923, 10 anos depois, surgia um ramo católico do movimento – o Corpo Nacional de Escutas[10]. “Em Novembro de 1934 foi publicado o novo Regulamento Geral do CNS, no qual o nome de Corpo Nacional de Scouts foi substituído pela nova designação oficial: Corpo Nacional de Escutas. O termo português vinha, assim, após um longo debate no seio da associação, fazer vingar a opinião da corrente “mais nacionalista” ao impor a lusitanização do termo estrangeiro que o CNS usou desde a sua fundação.”[11] Assim, fazia-se derivar o nome português directamente do scout. Confirma o Dr. José Francisco dos Santos, escuteiro: “A nossa associação adoptou para si o vocabulário inglês scout. A meu ver, houve um pouco de precipitação na escolha desse vocabulário. Se fosse hoje, estou convencido que se optaria pelo seu correspondente português, escuta. Scouting já não achou tão bom terreno e hoje está generalizado ou vai-se generalizando a palavra Escutismo que de Escuta deriva. É pois razoável que se emende à mão e que recorramos ao termo português para designar a associação. Porque não há-de ela chamar-se Corpo Nacional de Escutas?”[12]
Uma vez que são duas associações portuguesas denominadas diferentemente, põe-se a questão de saber quais os termos correctos: se os usados pelo Corpo Nacional de Escutas – escuteiro, escutismo e escuta –, se os usados pela Associação dos Escoteiros de Portugal – escoteiro e escotismo, se ambos, cada um pelas suas razões.
O Dicionário Etimológico explica os significados antigos de escoteiro e escote (p.448) e refere que escutismo é a adaptação do inglês scouting, proveniente de scout, significando "batedor de campo; soldado avançado de qualquer corpo que corre o campo para saber o que faz o inimigo" (p.452). O Grande Dicionário da Língua Portuguesa refere escoteiro, escotismo, escuteiro e escutismo e valida todos[13]. A Nova Enciclopédia Larousse usa o termo escuteiro indistintamente para ambas as associações e numa das acepções de escuta diz que é o mesmo que escuteiro[14]. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira faz o mesmo (mas não reconhece escuta como sinónimo) e diz ainda ser escoteiro a “grafia errada de escuteiro”[15], o que não é exacto.
O vocábulo escoteiro e, por extensão, o vocábulo escotismo, estão correctos. A A.E.P. adoptou a palavra escoteiro por causa do seu significado já existente e conciliável com o carácter do movimento, fazendo daí derivar o escotismo, acrescentando o sufixo ismo, que exprime a ideia de sistema.
Por outro lado, o nome escolhido pelo C.N.E. tem uma história diferente. Tanto João Vasco Reis como José Francisco dos Santos, citados acima, dizem que a palavra é a adaptação portuguesa do termo inglês scout. Não conhecemos os termos do debate dentro da associação católica, pelo que apenas podemos supor, apoiados na lógica, como se chegou a escuta desde scout. A palavra escuta, ligando-se ao significado, ou a uma parte dele, de scout, parece ter uma evolução paralela à do termo inglês. De facto, uma das acepções de escuta e do seu verbo escutar é “observar, escutar e dar informações acerca das manifestações do inimigo”; uma patrulha de escuta é um “grupo de dois ou mais soldados que à frente de uma posição exercem vigilância, durante a noite, procurando recolher indicações acerca das intenções e actividade do inimigo.”[16] Parece-se com a noção de batedor ou scout e, sem dúvida, fará parte da exploração. O paralelo com o Scouting faz-se facilmente, podendo derivar do vocábulo inicial outros sentidos mais adaptados à vida civil – tal como pensou Baden-Powell – e até se coaduna com a divisa associativa do C.N.E., que é “Alerta”. A ser esta a explicação para a diferença vocabular, partiria daqui um suporte etimológico para as palavras escuta e escutismo. O escuta é o que pratica a exploração; o escutismo é o movimento a que pertence o escuta. Estas palavras, segundo a explicação, também estão correctas. Porém, podem exprimir-se algumas reservas. A palavra escuteiro não existe no Dicionário Etimológico, que traz a origem das palavras portuguesas, não tendo, portanto, nenhum suporte, pelo menos radical ou antigo, que lhe sustente a existência; fica, pois, parecendo uma cópia má de escoteiro e um vocábulo sem história, reinventado e inserido à força no vocabulário. Quanto ao termo escuta, não tem um passado ligado a nenhum significado em português que se identifique directa ou suficientemente com a natureza destas associações; não é como escoteiro e necessita um exercício intelectual de associação ao seu conteúdo pedagógico mais elaborado e demorado. Trata-se de rejeitar uma denominação que, pelo seu significado original suficientemente completo, podia servir para designar todo o movimento – escoteiro –, de pegar numa palavra que da exploração guarda uma pequena função e de tentar desenvolver-lhe uma história que daí derivaria, seguindo o exemplo da palavra scout, explicado acima. Podíamos admirar completamente este trabalho intelectual se não houvesse, de facto, já um vocábulo português antigo, a partir do qual mais facilmente se pode construir o significado do nosso scouting, o que, historicamente, precede a criação das palavras adaptadas escutismo e escuta.
Para explicar a razão das referências a escuteiro em vez de escoteiro, nas enciclopédias e nos dicionários, é preciso admitir certa falta de rigor dessas entradas, a que não deverá ser estranha a maior expansão do C.N.E. entre nós.
Para concluir, uma vez que ambas as associações são portuguesas e, logo, se movimentam no mesmo espaço, sujeitas às mesmas circunstâncias, não se deixa de pensar que mais lógico seria que nos fosse próprio um só termo. Que o mesmo, pelas razões expostas, fosse escoteiro, donde derivaria escotismo. A mudança de apenas uma letra nos vocábulos não é um capricho de antiguidade da A.E.P., nem uma evidência de modernidade do C.N.E., pois, como vimos, numa letra há uma história mais complexa do que parece. Apesar de se poder concluir pela correcção de ambas as denominações, as reservas que expusémos em relação às do C.N.E. fazem-nos pensar que se veio estabelecer uma divisão, formal é certo, mas desnecessária.
Em inglês, as palavras escolhidas para designar o movimento e os seus membros foram scouting e scout. No Oxford Advanced Learner’s Dictionary, de scout diz-se que é um batedor ou um membro da organização escotista que tem como objectivo o desenvolvimento do carácter dos jovens através da disciplina, das actividades ao ar livre e do serviço para a comunidade[4].
Por scout Baden-Powell entendia explorador. “Creio bem que não há rapaz que não queira servir a sua Pátria de uma forma ou doutra. Tem um meio fácil de o conseguir: é fazer-se Escuteiro. O explorador do exército (o antigo escuta) é, geralmente, como sabeis, um soldado escolhido pela sua capacidade e coragem para seguir à frente do exército, descobrir onde se encontra o inimigo, e comunicar ao comandante tudo quanto puder averiguar a seu respeito. Mas, além de exploradores de guerra, há também exploradores pacíficos – gente que em tempo de paz realiza tarefas que exigem igual coragem e engenho. São os fronteiros da civilização. Os pioneiros e caçadores de peles da América do Norte, os colonos da América do Sul, o caçadores da África Central, os exploradores e missionários espalhados pela Ásia e por todas regiões selváticas do mundo, os sertanejos e pastores da Austrália, a polícia do Canadá Setentrional e da África do Sul – são todos escuteiros da Paz, verdadeiros homens em toda a acepção da palavra, peritos na arte de explorar. Sabem viver na selva, em toda a parte se sabem orientar e, dos vestígios ou sinais mais simples e pegadas mínimas, tiram conclusões muito exactas. Sabem cuidar da saúde quando andam longe dos médicos. São fortes e ousados, estão prontos a arrostar perigos e sempre dispostos a auxiliarem-se mutuamente. Estão acostumados a trazer a vida entre as mãos e a arriscá-la sem hesitação, se com ela podem servir a sua Pátria. Privam-se de todas as suas preferências e comodidades pessoais, para se desempenharem da sua missão. A vida do fronteiro é vida magnífica, mas ninguém se pode dedicar a ela de repente, se não estiver devidamente preparado. Os que melhor se dão nela são aqueles que aprenderam a arte de exploração enquanto rapazes. A exploração é útil para qualquer modo de vida que se queira seguir. Um célebre sábio afirmou que serve de muito àquele que pretenda dedicar-se aos estudos científicos. E um médico notável mostrou que é necessário ao médico ou ao cirurgião tomar nota de pequeninos nadas, como faz o explorador, e saber interpretá-los.”[5]
A citação é extensa, mas quisemos mostrar pelas palavras do próprio Fundador o significado de scout ou explorador. O explorador começa por ser um batedor (scout) do exército, aquele que espia o inimigo, servindo-se de técnicas que o ajudam a dominar o ambiente que o rodeia; é, depois, também, aquele que vive perto da Natureza e que, não estando em guerra, também se serve de um conjunto de técnicas de sobrevivência e convívio com meios não civilizados, não muito tocados pelos Homens, naturais. O que queria exprimir o criador do movimento era a importância de a juventude crescer em contacto com o seu Mundo, habituada a compreender a Natureza, a proteger esse precioso património, observando e aprendendo, ou seja, explorando. Isto explica, por exemplo, o facto de o Escotismo ser um dos mais precoces e entusiastas movimentos com preocupações ambientais. Assim, a palavra scout chega aqui ao seu terceiro significado: movimento educativo de jovens ao ar livre e ao serviço da comunidade. Um movimento voluntário com fins pedagógicos, que visa ajudar os mais novos a crescer saudável e responsavelmente, segundo um conjunto de práticas de vida em campo e de serviço às comunidades. Era assim que Baden-Powell entendia a sua mais célebre criação.
E a palavra (ou palavras) portuguesa(s)? Quando, no início do século XX, se quis oficializar por cá o original movimento de Baden-Powell, pediu-se à população, através de jornal, que desse sugestões de nomes que definissem o movimento, na altura embrião da Associação dos Escoteiros de Portugal. Muitas surgiram. Uma só serviu. Uma palavra portuguesa já existente, tal como o vocábulo scout, e que descrevia uma parte importante do que de facto era o movimento[6]. O termo era escoteiro. Escoteiro era o indivíduo que “que viaja ligeiro, com pouco fardo ou sem bagagem, pagando escote pelo caminho para comida e bebida”[7]; escote significa “aquilo que compete a cada um pagar numa despesa comum; quota-parte”[8], tendo origem numa antiga palavra franca: skot (contribuição)[9]. De facto, o vocábulo exprimia bem a aventura e o desprendimento em relação aos confortos da civilização, já que o escoteiro de pouco mais precisa em campo do que das suas imaginação e vivacidade.
Porém, a A.E.P. não está só no panorama escotista português. Em 1923, 10 anos depois, surgia um ramo católico do movimento – o Corpo Nacional de Escutas[10]. “Em Novembro de 1934 foi publicado o novo Regulamento Geral do CNS, no qual o nome de Corpo Nacional de Scouts foi substituído pela nova designação oficial: Corpo Nacional de Escutas. O termo português vinha, assim, após um longo debate no seio da associação, fazer vingar a opinião da corrente “mais nacionalista” ao impor a lusitanização do termo estrangeiro que o CNS usou desde a sua fundação.”[11] Assim, fazia-se derivar o nome português directamente do scout. Confirma o Dr. José Francisco dos Santos, escuteiro: “A nossa associação adoptou para si o vocabulário inglês scout. A meu ver, houve um pouco de precipitação na escolha desse vocabulário. Se fosse hoje, estou convencido que se optaria pelo seu correspondente português, escuta. Scouting já não achou tão bom terreno e hoje está generalizado ou vai-se generalizando a palavra Escutismo que de Escuta deriva. É pois razoável que se emende à mão e que recorramos ao termo português para designar a associação. Porque não há-de ela chamar-se Corpo Nacional de Escutas?”[12]
Uma vez que são duas associações portuguesas denominadas diferentemente, põe-se a questão de saber quais os termos correctos: se os usados pelo Corpo Nacional de Escutas – escuteiro, escutismo e escuta –, se os usados pela Associação dos Escoteiros de Portugal – escoteiro e escotismo, se ambos, cada um pelas suas razões.
O Dicionário Etimológico explica os significados antigos de escoteiro e escote (p.448) e refere que escutismo é a adaptação do inglês scouting, proveniente de scout, significando "batedor de campo; soldado avançado de qualquer corpo que corre o campo para saber o que faz o inimigo" (p.452). O Grande Dicionário da Língua Portuguesa refere escoteiro, escotismo, escuteiro e escutismo e valida todos[13]. A Nova Enciclopédia Larousse usa o termo escuteiro indistintamente para ambas as associações e numa das acepções de escuta diz que é o mesmo que escuteiro[14]. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira faz o mesmo (mas não reconhece escuta como sinónimo) e diz ainda ser escoteiro a “grafia errada de escuteiro”[15], o que não é exacto.
O vocábulo escoteiro e, por extensão, o vocábulo escotismo, estão correctos. A A.E.P. adoptou a palavra escoteiro por causa do seu significado já existente e conciliável com o carácter do movimento, fazendo daí derivar o escotismo, acrescentando o sufixo ismo, que exprime a ideia de sistema.
Por outro lado, o nome escolhido pelo C.N.E. tem uma história diferente. Tanto João Vasco Reis como José Francisco dos Santos, citados acima, dizem que a palavra é a adaptação portuguesa do termo inglês scout. Não conhecemos os termos do debate dentro da associação católica, pelo que apenas podemos supor, apoiados na lógica, como se chegou a escuta desde scout. A palavra escuta, ligando-se ao significado, ou a uma parte dele, de scout, parece ter uma evolução paralela à do termo inglês. De facto, uma das acepções de escuta e do seu verbo escutar é “observar, escutar e dar informações acerca das manifestações do inimigo”; uma patrulha de escuta é um “grupo de dois ou mais soldados que à frente de uma posição exercem vigilância, durante a noite, procurando recolher indicações acerca das intenções e actividade do inimigo.”[16] Parece-se com a noção de batedor ou scout e, sem dúvida, fará parte da exploração. O paralelo com o Scouting faz-se facilmente, podendo derivar do vocábulo inicial outros sentidos mais adaptados à vida civil – tal como pensou Baden-Powell – e até se coaduna com a divisa associativa do C.N.E., que é “Alerta”. A ser esta a explicação para a diferença vocabular, partiria daqui um suporte etimológico para as palavras escuta e escutismo. O escuta é o que pratica a exploração; o escutismo é o movimento a que pertence o escuta. Estas palavras, segundo a explicação, também estão correctas. Porém, podem exprimir-se algumas reservas. A palavra escuteiro não existe no Dicionário Etimológico, que traz a origem das palavras portuguesas, não tendo, portanto, nenhum suporte, pelo menos radical ou antigo, que lhe sustente a existência; fica, pois, parecendo uma cópia má de escoteiro e um vocábulo sem história, reinventado e inserido à força no vocabulário. Quanto ao termo escuta, não tem um passado ligado a nenhum significado em português que se identifique directa ou suficientemente com a natureza destas associações; não é como escoteiro e necessita um exercício intelectual de associação ao seu conteúdo pedagógico mais elaborado e demorado. Trata-se de rejeitar uma denominação que, pelo seu significado original suficientemente completo, podia servir para designar todo o movimento – escoteiro –, de pegar numa palavra que da exploração guarda uma pequena função e de tentar desenvolver-lhe uma história que daí derivaria, seguindo o exemplo da palavra scout, explicado acima. Podíamos admirar completamente este trabalho intelectual se não houvesse, de facto, já um vocábulo português antigo, a partir do qual mais facilmente se pode construir o significado do nosso scouting, o que, historicamente, precede a criação das palavras adaptadas escutismo e escuta.
Para explicar a razão das referências a escuteiro em vez de escoteiro, nas enciclopédias e nos dicionários, é preciso admitir certa falta de rigor dessas entradas, a que não deverá ser estranha a maior expansão do C.N.E. entre nós.
Para concluir, uma vez que ambas as associações são portuguesas e, logo, se movimentam no mesmo espaço, sujeitas às mesmas circunstâncias, não se deixa de pensar que mais lógico seria que nos fosse próprio um só termo. Que o mesmo, pelas razões expostas, fosse escoteiro, donde derivaria escotismo. A mudança de apenas uma letra nos vocábulos não é um capricho de antiguidade da A.E.P., nem uma evidência de modernidade do C.N.E., pois, como vimos, numa letra há uma história mais complexa do que parece. Apesar de se poder concluir pela correcção de ambas as denominações, as reservas que expusémos em relação às do C.N.E. fazem-nos pensar que se veio estabelecer uma divisão, formal é certo, mas desnecessária.
[1] Escutismo para Rapazes, Robert Baden-Powell, edição do Corpo Nacional de Escutas, 2002, p. 298.
[2] Corpo Nacional de Escutas – Uma História de Factos, João Vasco Reis, edição do Corpo Nacional de Escutas, 2007.
[3] Idem, p.164.
[4] Oxford Advanced Learner’s Dictionary, Oxford University Press, 5th edition, 13th impression, 1999, p.1054: “1) a person, an aircraft, etc sent ahead to get information about the enemy’s position, strength, etc. (…) 2) Scout (also esp dated boy scout) a member of a branch of the Scout Association, an organization which aims to develop boy’s characters through discipline, outdoor activities and public service”.
[5] Escutismo para Rapazes, pp.3-5.
[6] V. História dos Escoteiros de Portugal, Eduardo Ribeiro, Aliança Nacional das ACM de Portugal.
[7] Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.10, Editorial Enciclopédia Limitada, p.61.
[8] Idem.
[9] Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, José Pedro Machado vol.2, Livros Horizonte, Lisboa, 1989, p.448.
[10] Que começou por se chamar Corpo de Scouts Católicos Portugueses – C.S.C.P. –, posteriormente Corpo Nacional de Scouts – C.N.S. e, por último, Corpo Nacional de Escutas, denominação que mantém.
[11] Corpo nacional de Escutas – Uma História de factos, pp.176-177.
[12] Flor de Lis, Dezembro de 1928, cit. em http://inkwebane.cne-escutismo.pt/Curiosidades/Outrashistórias/ScoutvsEscuta/tabid/277/Default.aspx; a Flor de Lis é a revista oficial do C.N.E.
[13] Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coord. de José Pedro Machado, vol.IV, Euro-Formação, 1989, p.577 e 587. É acrescentado o termo escoteirismo, raro entre nós.
[14] Nova Enciclopédia Larousse, vol.9, Círculo de Leitores, 1997, p.2685.
[15] V. vol. 10, p.115.
[16] Para ambas as citações, v. Grande Enciclopédia..., idem, p.114.
Nota: As imagens reproduzidas são ilustrações da autoria do próprio Baden-Powell e foram retiradas de Escotismo para Rapazes, p.32 e p.292.