sábado, 10 de março de 2012

UM OBSERVADOR MAIS QUE ATENTO


Qualquer orgulhoso dono de um cão ou gato dirá que o seu animal de estimação o consegue reconhecer. Esta afirmação não será novidade para o leitor. Na verdade, muitas espécies de animais são capazes de reconhecer pessoas individualmente.

Mas, como é que sabemos isso?
E, mais estranho ainda...e se esse animal for um polvo?

Há muitas histórias anedóticas de tratadores que acham que os polvos nos aquários os reconhecem e discriminam em relação a outras pessoas (por exemplo, aproximando-se do tratador, mesmo que este esteja num grupo). A confirmar-se esta hipótese, isso significaria que o polvo é capaz de executar mais uma complexa tarefa, uma vez que conseguiria discriminar, aprender e recordar!
O polvo tem-se revelado um animal extraordinário em muitos aspetos e muitos estudiosos dos moluscos, e do comportamento animal em geral, não duvidarão desta sua capacidade, já que os consideram um dos animais mais interessantes do planeta. Diz-se até que é o invertebrado mais inteligente que existe, de tal forma que é o único invertebrado que merece estatuto de protecção na lei inglesa que regula o uso de animais em laboratório.


Mas, como sempre acontece em ciência, gostos e impressões pessoais à parte, são necessárias provas claras.


Enteroctopus dofleini
E é aí que entram os protagonistas desta investigação: Roland C.Anderson e Stephanie R. M. Zimsen do Aquário de Seattle (EUA), Jennifer A. Mather da Universidade de Lethbridge (Canadá) e Mathieu Q. Monette da Universidade de Bruxelas (Bélgica).
Usando o polvo-gigante-do-Pacífico Enteroctopus dofleini) testaram se era ou não verdade que os polvos reconhecem e discriminam os seres humanos individualmente.


Para isso, montaram uma experiência curiosa.

Capturaram 8 polvos que colocaram em tanques individuais. Cada polvo recém-capturado era observado duas vezes por dia por dois investigadores diferentes vestidos com roupa igual. Um dos observadores, para além de anotar vários aspectos do comportamento do animal, alimentava-o. O outro, fazia o mesmo tipo de observações mas também "cutucava" o polvo com um pau (algo inofensivo, mas seguramente irritante para o animal). Alguns cuidados extra, mas necessários às conclusões: diferentes polvos eram observados por diferentes pares de observadores, de forma a que os possíveis efeitos observados não fossem devidos àquelas pessoas em particular, e se pudessem extrapolar.

O que os investigadores exploraram foram vários aspetos do comportamento que poderiam ser indicativos de stress, como por exemplo, a existência ou não de uma mancha colorida mais escura na pele à volta do olho (eyebar).

No princípio do estudo, os polvos geralmente fugiam de ambos os investigadores desconhecidos. Mas, à segunda semana de observações, já se notava que os polvos se aproximavam dos investigadores que os alimentavam, não mostrando sinais de stress. Pelo contrário, afastavam-se do outro investigador (o “mau da fita”), mostrando vários sinais de stress, incluindo a eyebar.

Confirmou-se assim que a impressão de muitos tratadores era real e que também os polvos reconhecem pessoas de forma individual, para além de outros feitos fantásticos já demonstrados, como: expressão de personalidade, atividades de jogo, habilidades de aprendizagem e memória a curto e longo prazo, excelente deteção visual e olfativa, mestria na mímica e camuflagem “inventiva”.
 
Aqui ficam alguns vídeos demonstrativos:

- Aprendizagem por observação (a qualidade do vídeo não é muito boa, mas faz parte de um documentário muito interessante acerca dos polvos):



- Fantástica capacidade de mímica na espécie indonésia Thaumoctopus mimicus:





- comportamento sofisticado de uso de ferramentas (cascas de côco) para camuflagem na espécie Amphioctopus marginatus:




Não voltará a olhar o polvo com os mesmos olhos...e ele, como o verá a si?

Foto de Veronica von Allworden que aparece no artigo original.



Artigo: Roland C. Anderson, Jennifer A. Mather, Mathieu Q. Monette & Stephanie R. M. Zimsen (2010): Octopuses (Enteroctopus dofleini) Recognize Individual Humans. Journal of Applied Animal Welfare Science 13: 261-272

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