A 20 de Dezembro de 1979, na sessão realizada na Sociedade Nacional de Belas-Artes, relembrando a morte de Pereira Gomes (1949), disse Mário Dionísio: "Não sei, assim, evocar Pereira Gomes, sem evocar também toda uma época: a do surto do movimento neo-realista, movimento que, em lenta gestação desde 1934, no jornal «Liberdade» e noutros, se afirmava a partir de 1936 e 1937 em poemas, contos, crónicas, artigos de teorização e de polémica, e se consolidaria depois de 1939, sobretudo n'«O Diabo» e no «Sol Nascente»" (cit. em Ricciardi, p.58). O aparecimento de periódicos de esquerda foi uma das formas de combate à autoridade exagerada do Estado Novo. Foi uma das formas escolhidas pela intelectualidade portuguesa não só para divulgar estéticas novas, mas também para chamar a atenção para problemas antigos não resolvidos, como os da desigualdade social, da degradação que havia na exploração dos pobres pelos poderosos, do problema dos analfabetos, da pobreza... Pereira Gomes, nesta questão, deu o exemplo literário e deu o exemplo prático, tornando-se num modelo de homem interventivo e completo, que viu e sentiu o que descreveu nos seus contos e romances. Em Alhandra teve uma actividade importante pela integração e qualificação das pessoas: "os cursos de educação física, a construção da piscina no Alhandra Sporting Club, as palestras nas colectividades próximas, a organização de bibliotecas populares, os cursos de alfabetização para crianças e para adultos, os passeios, o campismo, a presença constante e discreta entre os operários da fábrica. E não menos importante, o trabalho pedagógico de convencer a juventude a afastar-se das tabernas e do jogo" (cit. idem, p.59). Da piscina, em particular, diz o próprio Pereira Gomes, em carta de 1938 a um amigo: "Durante três meses trabalhei como uma fera: arranjei dinheiro, dirigi os trabalhos e, tendo gasto apenas umas dezenas de contos, arranjei uma piscina para o club local e um esgotamento físico pra mim. Em todo o caso, produzi e fui útil para a colectividade." (cit. idem, p.60) Haverá talvez ainda alguns idosos que se lembram deste cidadão, que também deu aulas de ginástica à mocidade. E, depois do corpo, o espírito: "Bem-vindas sejam pois as bibliotecas até porque elas são inimigas da taberna. Mas, elas só não bastam, nem mesmo como paliativo, porque de nada servirão aos ignorantes, aos analfabetos. Permiti-me, portanto, que, fundador também de algumas bibliotecas populares - alvitre, [...] a criação de um curso nocturno de instrução primária para os sócios." (cit. idem, p.66) Isto escreveu Soeiro Pereira Gomes num texto duma palestra (Instrução, Desporto e Educação Física). As bibliotecas e os cursos funcionaram em Alhandra depois dos esforços dos cidadãos que apoiaram estas ideias. Baptista Pereira, atleta e campeão de nado alhandrense e, também, o Gineto de Esteiros, disse: "Quem me começou a ensinar a ler foi Soeiro Pereira Gomes, um homem extraordinário que viveu aqui em Alhandra." (cit. idem, p.67) Ainda houve espaço para a representação de revistas, musicadas por Manuela Reis, a inteligente esposa do escritor, que, pelo início dos anos '40 era uma prestigiada colaboradora da Emissora Nacional. Alhandra era assim um local um tanto melhor para se viver. E tudo o que era necessário, ontem como hoje, era vontade, imaginação e altruísmo. Agora que se recordam estes factos guardados pela História, seria bom ver as mais jovens gerações à altura dos seus antepassados.
Soeiro Pereira Gomes - Uma Biografia Literária, Giovanni Ricciardi, Caminho, 1999