1.Eu vi uma pastora em certo dia
Pelas praias do Tejo andar brincando,
Os redondos seixinhos apanhando,
Que no puro regaço recolhia.
Eu vi nela tal graça, que faria
Inveja a quantas há; e o gesto brando
Com que o sereno rosto levantando,
Parece namorava quanto via.
Eu vi o passo airoso, a compostura,
Com que depois me pareceu mais bela,
Guiando os cordeirinhos na espessura.
Eu o digo de todo: vi a Estela.
De graça, de candor, de formusura
Só poderei ver mais tornando a vê-la.
2.Se eu vira num bosque onde não desse
Sinal, vestígio humano de habitado,
De verdenegras ramas tão fechado
Que inda ali de dia anoitecesse;
Se então lá de uma balça ao longe houvesse
Gemendo um mocho, e tudo o mais calado;
Só dentre alguns rochedos pendurado,
Com som medonho, um rio ali corresse;
Enfim num lugar tal onde os meus dias
Consumindo-se fossem na certeza
De não tornarem mais as alegrias;
Faminta ainda a triste natureza,
Cercada ali de tantas agonias,
Nem então se fartara de tristeza.
Fonte: Poesia Portuguesa - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, selecção, organização, introdução e notas de Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto, Porto Editora, 2009, p. 640
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