Na revista TV do passado 6 de Maio de 2011, que sai com o Correio da Manhã, dizia-se: “Durante três semanas, doze figuras públicas são enviadas para alguns dos locais mais remotos do Mundo e inseridas em três tribos com tradições e costumes completamente diferentes. Longe da civilização, os famosos têm de seguir o modo de vida dos nativos, o que inclui, entre outras, beber sangue de animais, cobrir o corpo com argila e fazer a higiene com cinzas de ervas queimadas. O enorme choque cultural gera situações curiosas e até hilariantes, que pretendem cativar os telespectadores. É precisamente esse o objectivo de “Perdidos na Tribo”, o novo reality show que a TVI estreia este domingo (8 de Maio) à noite, para competir com “Peso Pesado” da SIC. Durante dez semanas, os telespectadores poderão votar na sua tribo favorita por telefone ou SMS. O valor acumulado por cada tribo reverte a favor de uma instituição associada à mesma.” (p.12) São as premissas do programa Perdidos na Tribo que estreou recentemente na TVI. Consistiu, como se verificou, em enviar 12 pessoas famosas, divididas em grupos de 4, para a Namíbia, a Etiópia e as Ilhas Vanuatu, para viverem junto de três povos remotos e, logo, fundamentalmente diferentes dos Ocidentais. Cabe aqui reflectir sobre o interesse que pode ter um programa de televisão assim. Depois de o termos visto, confessamos, ficámos com algumas dúvidas. O programa é decerto interessante por mostrar alguns dos hábitos de outros povos, ainda para mais vivendo num acentuado isolamento que lhes permite ir conservando com assinalável solidez as suas culturas. No entanto, há várias reservas que se podem levantar. Primeiro, enviar um grupo de famosos (actores e figuras do jet 7) é manifestamente um chamariz para audiências. Porque não enviar um grupo de antropólogos, que realmente sabem o que estão a fazer? Bem, nesse caso, converter-se-ia um programa popular num documentário da National Geographic e todos sabem como estes são aborrecidos, porque neles fala-se realmente de Cultura. Em segundo lugar, colocar um grupo de europeus subitamente no meio de uma outra civilização para assistir ao choque cultural (que já se sabe verificar), só por si, parece-nos pobre. Se pusermos um gato doméstico a viver no gelo do Pólo Norte, também sabemos que morrerá de frio, pelo que fazer a experiência não traz interesse maior. Terceiro, nada verdadeiramente aprende o telespectador sobre esses povos, já que a justificação para as suas atitudes nunca é explicada. Porque acreditam naqueles seus deuses? Porque têm rituais mágicos em caso de doença? Porque têm uma alimentação diversa da ocidental? Porque é o seu regime familiar como se vê? Fica uma noção algo vaga do atraso dessas civilizações em relação à nossa. É óbvio que a nível tecnológico os Ocidentais conseguiram uma complexidade incomparável. Mas os Himba, os Hamer e os Nakulamené: que poderiam ensinar-nos sobre a relação entre os Homens e a Natureza, hoje por cá muito esquecida? Não há, pois, fórmula simples que conduza à verdade em matéria cultural. Infelizmente, este programa parece ter tido tal sucesso que em Espanha, na Antena 3, já se tenta a modalidade oposta: vêm os indígenas atrasados visitar as nossas cidades avançadas e fazer-nos rir com o seu deslumbramento face à civilização superior. Estas fórmulas televisivas explicam-se fundamentalmente pela falta de princípios a que conduz a ambição descabelada das televisões, actualmente. Haverá limites para a torpeza com que todos os dias os canais insultam a inteligência da população?
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