O livro Figura Gigante, de Nico Orengo (Lisboa, Quetzal Editores, 1987) conta a história dos dois irmãos italianos Ugo (1876-1916) e Antonio Battista (f.1914), que no início do século XX fizeram as delícias dos públicos ignorantes, irracionais e curiosos e a fortuna dos oportunistas que souberam explorar o seu valor financeiro. De facto, tiveram a desdita de nascer gigantes; e numa época em que a diferença parecia ser ou degeneração ou espectáculo. Ugo Battista, descoberto por um empresário, exibia o seu gigantismo, por vezes acompanhado de anões, fazendo sucesso em Paris. "...o empresário era um comerciante de cerveja antes de ser um empresário de atracções. Até àquele momento tivera um chimpanzé, um anão e um malabarista. O chimpanzé morrera de febre em Cannes, o anão fugira com um Lorde inglês, o malabarista, por amor, começara a beber vinho e já não conseguia apanhar um único anel. O empresário vira o seu sonho ruir diante das fraquezas humanas." (p.17) No entanto, apareceram-lhe os dois rapazes, como por milagre. Ugo Battista não tardou a envolver um irmão, também gigante (Antonio), nesse modo de vida. Ugo ainda conseguirá trabalhar em Nova Iorque, mas o irmão morre-lhe em 1914. Para trás ficava a terra de que sempre terá saudades - Vinadio. O público atraído pela invulgar estatura de Ugo, acorre a vê-lo. É uma figura fascinante, cuja morte, com uma persistente frieza, alguns cirurgiões - mais ou menos autorizados a sê-lo - vão aguardando para se poderem apoderar do cadáver e dos seus segredos. O gigantismo de Battista e de seu irmão, naturalmente encarado na terra em que nasceram, torna-se na sua única característica face às plateias: nada mais têm, nem pensamentos nem ódios nem afectos, são apenas gigantes. "Em Roviera, na terceira classe da escola primária, a professora mostrara as figuras de todos os mamíferos do Universo. O maior de todos chamava-se Baleia. Ugo desenhara-a no quadro com o dorso alto e forte e dissera: «Grande como é, não deve ter medo de ninguém». Também ele, naquela altura, não tinha medo de ninguém. (...) Agora, vinte e nove anos volvidos, tinha medo de todos e sentia-se sem força. Parecia-lhe ser uma velha baleia arrastada para uma praça, debaixo dos olhos de demasiada gente" (p.21). Não era, porém, a única atracção: "No mundo, para além dos Gigantes, existiam homens-animais: como Zip, o Macaco-humano, rapazes com cara de cão, como Jo-Jo; Homens-cobra e Homens-lagarto; Grace McDaniels, a Mulher-mula e John Merrick, o Homem-elefante" (p.34). Ugo Battista acabará por morrer nos EUA, um tanto ingloriamente e sem regressar à sua terra. A leitura deste livro, mais próximo, no estilo, da Literatura do que da História, fez-nos lembrar o que há poucos dias escrevemos sobre o Perdidos na Tribo. Poderíamos referir igualmente as diversas modalidades de Big Brother que já passaram na televisão ou ainda o Peso Pesado. Passaram 100 anos sobre as exibições dos irmãos Battista (referimos só este exemplo) e continuamos a dar audiência a estes espectáculos de degradação humana que nos oferecem as televisões. De que servirá combater a barbárie da tourada, se as pessoas ainda se deixam explorar da mesma forma - quer assumindo a posição de títeres anormais, quer deslumbrando-se com diferenças facilmente explicáveis pela Ciência? A Biologia e a Medicina, felizmente, já conseguem explicar o gigantismo dos Battista, tal como a obesidade dos concorrentes do Peso Pesado. A Antropologia e a História disponibilizam muitos milhões de quilómentros de prateleiras com monografias que igualmente explicam as culturas de quaisquer povos, por muito isolados que vivam (caso do Perdidos na Tribo). Se a informação já existe e se é livremente consultável, não conseguimos perceber a razão pela qual persiste o fascínio degradante pelas diferenças, quer culturais, quer físicas dos Seres Humanos. Ser Homem é precisamente ser único dentro de uma espécie igual, ser diferente numa pátria comum. É, pois, necessário que as pessoas decidam alargar os seus horizontes mentais - começando pelas televisões e terminando na população - para que percebam que se anda a tratar com excepção aquilo que constitui a nossa regra.
1 comentário:
Ver uma imagem numa televisão levanta sempre mais curiosidade que ler num livro...é o velho cliché de "uma imagem vale mais que mil palavras".
E as televisões aproveitarão essa fome de imagem até mais não poder. Essa mesma fome pode ser aproveitada para o bem ou oara o mal. Os casos que mencionas são claramente "mau" aproveitamento...é o pegar no mais básico dos instintos 'voyeuristas' que todos temos dentro de nós e levá-los à exaustão. Esperemos que algum dia a fome fique saciada antes que a degradação avance ainda mais...
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