As lulas
Humboldt, Dosidicus gigas, são predadores endémicos do Pacífico Tropical
Oriental, que atingem entre 2 a 3 m de comprimento e mais de 50 quilos de peso.
Embora estas lulas apresentem das taxas metabólicas mais elevadas do planeta,
elas realizam, diariamente, migrações verticais para regiões profundas
(mesopelágicas) “mortas”, também conhecidas como “zonas de oxigénio mínimo”
(ZOM). No futuro, os níveis elevados de dióxido de carbono (previstos entre
730-1000 ppm em 2100) desencadearão graves problemas na ecologia migratória destes
organismos, uma vez que a consequente acidificação dos oceanos (DpH=0.3)
diminuirá significativamente as suas taxas metabólicas (31%) e os seus níveis
de actividade (45%) durante a sua permanência em águas pouco profundas à noite
(~70 m de profundidade). Concomitantemente, com a expansão das ZOM associada ao
aquecimento global, as lulas terão de migrar para águas menos profundas para
compensar a dívida de oxigénio que acumulam (durante o dia) nas águas profundas
e hipóxicas das ZOM (~300 m). Deste modo, o efeito combinado da acidificação e
aquecimento na superfície e a expansão da hipóxia em profundidade irá comprimir
o habitat pelágico desta espécie e na ausência de adaptação ou migrações
horizontais, a interacção destas variáveis ambientais poderá definir, a longo
prazo, o futuro deste importante predador no Pacífico Tropical Oriental.
Biografia
Doutor Rui Rosa – Biólogo,
doutorado pela Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa em 2005, e investigador de pós-doutoramento na
Universidade de Rhode Island, EUA, até 2008. Actualmente, é Coordenador do
Laboratório Marítimo da Guia (LMG-CO-FCUL) e Investigador Auxiliar no Centro de
Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Ao longo dos
últimos anos, participou em projectos financiados pela Fundação para a Ciência
e Tecnologia (FCT),Swedish
Environmental Protection of Agency (EPA)eAmericanNational
Science Foundation (NSF-USA).É autor
de inúmeraspublicações científicas em
revistas indexadas da especialidade, livros científicos;recebeu ainda vários prémios (Prémio IMAR - Luiz
Saldanha; Prémio do Mar - D. Carlos; JEB Fellowship Award em 2005 e 2006) e
bolsas de investigação (US National Science Foundation, Fundação Calouste
Gulbenkian, Fundação para a Ciência e Tecnologia) de índole nacional e
internacional.O seu actual interesse
de investigação é o de compreender de que modo é que as alterações climáticas
irão afectar processos biológicos críticos, nomeadamente a regulação
ácido-base, o metabolismo energético, o crescimento e os processos de
calcificação em espécies marinhas costeiras.
No dia 13 de Março, D. António Vitalino Dantas, bispo de Beja, foi notícia em vários jornais devido aos seus comentários sobre o período de seca que estamos a viver (sigo a notícia do site da Rádio Renascença aqui). As afirmações do bispo deixaram-me boquiaberto, tamanha a ignorância revelada pelo mesmo. Bom, façamos uma análise cuidada das suas sentenças, ponto a ponto.
1) Primeiro dá a entender que as orações trazem chuva, o que reflecte uma superstição bacoca. Tentemos explicar ao senhor bispo o que qualquer criança de 10 anos sabe: o ciclo da água.
Devido ao calor fornecido pelo sol, a água dos rios, lagos e oceanos evapora formando nuvens; assim, a água fica armazenada no estado gasoso na atmosfera. Quando estiverem reunidas as condições atmosféricas de temperatura e pressão verifica-se a precipitação sob a forma de água, neve ou granizo, voltando a água aos rios, lagos e oceanos, completando o ciclo. A água que ficar retida nos solos também é importante para o desenvolvimento das plantas, libertando vapor de água durante a fotossíntese, ou para os animais que também libertam vapor de água na respiração e transpiração. Assim se completa o ciclo (ver imagem abaixo). Como se pode ver, neste processo natural não entram orações, e mesmo se entrassem o resultado seria ineficaz.
2) Como referido pela RR, segundo o bispo, os agricultores têm mais esperança nos subsídios da União Europeia do que em deus: "(...) a maioria da população não acredita na providência divina, mas somente na previdência de Bruxelas". - Eis o meu comentário: e fazem os agricultores muito bem. Nem quero pensar na desgraça que seria se os agricultores estivessem à espera que deus (qualquer um deles) viesse resolver os problemas; da UE pode não vir chuva, mas podem vir subsídios para alimentar famílias. Ou seja, o comentário do bispo, é de uma enorme irresponsabilidade, caso houvesse alguém que fizesse caso do que diz. No entanto, isto deixa-me cheio de esperança, pois mostra a todos que os portugueses têm espírito crítico, sabem pensar por si, e já não seguem cegamente o clero.
3) Não fosse tudo isto suficiente, o bispo continua a insultar a inteligência dos portugueses e a mostrar a sua crendice e obscurantismo, agora referindo-se a Fátima! Segundo o mesmo, os católicos dão menos atenção à Bíblia e à virgem Maria, pelo que afirma, e cito: “Afinal, as recomendações de Jesus no evangelho e de Nossa Senhora aos pastorinhos de Fátima, pedindo oração e sacrifícios pela conversão dos pecadores e pela paz no mundo não encontram eco nos nossos ouvidos”. A isto eu digo: pois não, felizmente não encontram eco nos nossos ouvidos.
Será que o bispo pretende ressuscitar a mentira de Fátima? Será que o bispo espera que os portugueses acreditem que o sol bailou na Cova da Iria (fenómeno impossível de acontecer)? E que acreditem que apareceu por lá a virgem Maria, apesar dos inúmeros relatos que afirmam que não aconteceu nada? Pretende que os pobres dos portugueses continuem a gastar as suas parcas poupanças em peregrinações e no negócio de Fátima, em vez de investirem esse dinheiro nas suas vidas pessoais?
Passemos a voz a quem sabe. Termino com um comentário de um padre português:
Fontes:
- Site da RR: "Bispo de Beja lamenta falta de orações por chuva" Outras leituras:
- Luis Filipe Torgal, "As aparições de Fátima", Temas e Debates
- Tomás da Fonseca, "Na cova dos leões", Antígona
Qualquer orgulhoso dono de um cão ou gato dirá que o seu animal de estimação
o consegue reconhecer. Esta afirmação não será novidade para o
leitor. Na verdade, muitas espécies de animais são capazes de
reconhecer pessoas individualmente.
Mas, como é que sabemos isso?
E, mais estranho ainda...e se esse animal for um polvo?
Há
muitas histórias anedóticas de tratadores que acham que os polvos
nos aquários os reconhecem e discriminam em relação a outras
pessoas (por exemplo, aproximando-se do tratador, mesmo que este
esteja num grupo). A confirmar-se esta hipótese, isso significaria
que o polvo é capaz de executar mais uma complexa tarefa, uma vez
que conseguiria discriminar, aprender e recordar!
O polvo tem-se
revelado um animal extraordinário em muitos aspetos e muitos
estudiosos dos moluscos, e do comportamento animal em geral, não
duvidarão desta sua capacidade, já que os consideram um dos animais
mais interessantes do planeta. Diz-se até que é o invertebrado mais inteligente que existe, de tal forma que é o único invertebrado que merece estatuto de protecção na lei inglesa que regula o uso de animais em laboratório.
Mas, como sempre acontece em ciência, gostos e impressões pessoais à parte,
são necessárias provas claras.
Enteroctopusdofleini
E é aí que entram os protagonistas desta investigação: Roland C.Anderson e Stephanie R. M. Zimsen do Aquário de Seattle (EUA), Jennifer A. Mather da Universidade de Lethbridge (Canadá) e Mathieu Q. Monette da Universidade de Bruxelas (Bélgica).
Usando o polvo-gigante-do-Pacífico Enteroctopus dofleini)
testaram
se
era
ou
não
verdade
que
os
polvos
reconhecem
e
discriminam
os
seres
humanos
individualmente.
Para
isso,
montaram
uma
experiência
curiosa.
Capturaram 8 polvos que colocaram em tanques individuais. Cada
polvo
recém-capturado
era
observado
duas
vezes
por
dia
por
dois
investigadores
diferentes
vestidos
com
roupa
igual. Um
dos
observadores,
para
além
de anotar vários aspectos do
comportamento
do
animal,
alimentava-o. O
outro, fazia o mesmo tipo de observações
mas
também "cutucava"
o
polvo
com
um
pau
(algo
inofensivo,
mas
seguramente
irritante
para
o
animal). Alguns cuidados extra, mas necessários às conclusões: diferentes polvos eram observados por diferentes pares de observadores, de forma a que os possíveis efeitos observados não fossem devidos àquelas pessoas em particular, e se pudessem extrapolar.
O que os investigadores exploraram foram vários aspetos do comportamento que poderiam ser indicativos de stress, como por exemplo, a existência ou não de uma mancha colorida mais escura na pele à volta do olho (eyebar).
No
princípio
do
estudo,
os
polvos
geralmente
fugiam
de
ambos
os
investigadores
desconhecidos.
Mas,
à
segunda
semana de observações,
já
se
notava
que
os
polvos
se
aproximavam
dos
investigadores
que
os
alimentavam,
não
mostrando
sinais
de
stress.
Pelo
contrário,
afastavam-se
do
outro
investigador
(o
“mau
da
fita”),
mostrando
vários
sinais
de
stress, incluindo a eyebar.
Confirmou-se
assim que a impressão de muitos tratadores era real e que também os
polvos reconhecem pessoas de forma individual, para além de outros
feitos fantásticos já demonstrados, como: expressão de personalidade, atividades de jogo,
habilidades de aprendizagem e memória a curto e longo prazo, excelente deteção visual e
olfativa, mestria na mímica e camuflagem “inventiva”.
Aqui ficam alguns vídeos demonstrativos:
- Aprendizagem por observação (a qualidade do vídeo não é muito boa, mas faz parte de um documentário muito interessante acerca dos polvos):
- Fantástica capacidade de mímica na espécie indonésia Thaumoctopus mimicus:
- comportamento sofisticado de uso de ferramentas (cascas de côco) para camuflagem na espécie Amphioctopus marginatus:
Não
voltará a olhar o polvo com os mesmos olhos...e ele, como o verá a si?
Foto de Veronica von Allworden que aparece no artigo original.