quinta-feira, 29 de maio de 2008

78ª Feira do Livro de Lisboa

Está já aberta a 78ª Feira do Livro no Parque Eduardo VII até 15 de Junho. De 2ª a 6ª feira às 16h (às 15h aos sábados, domingos e feriados) até às 23h de domingo a 5ªfeira (às 24h às 6ª feiras, sábados, vésperas de feriado e último dia). O Armarium Libri visitará também a Feira e em breve publicará um comentário.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Compostagem III - Vermicompostagem

A vermicompostagem é um processo de formação de fertilizante (vermicomposto) com recurso a vermes e outros invertebrados.
As minhocas vermelhas (Eisenia foetida) são as mais usadas pois preferem meios ricos em matéria orgânica, toleram uma larga gama de factores ambientais, processam rapidamente grandes quantidades de resíduos biodegradáveis e dão-se bem em populações numerosas. São usadas para decompor resíduos alimentares, de jardim, agrícolas e lamas.
Há certos cuidados a ter com estes tipos de minhocas, tais como fornecer-lhes grandes quantidades de humidade, pouca luz devido à sua sensibilidade, níveis de pH entre 5 e 9, temperatura entre os 15 e 25ºC e arejamento pois elas são aeróbias.

Para quem mora em apartamentos e não tem acesso a solo, pode realizar vermicompostagem doméstica, de modo a processar restos de comida e também de plantas.
O contentor deste tipo de compostagem é denominado de vermicompostor, e sendo de reduzidas dimensões ocupa pouco espaço. Juntando a isto o facto de não libertar odores, possibilita a localização dentro de casa. Pode ser uma caixa de plástico ou madeira, com pequenos orifícios.
Referências:

Compostagem II - O que está ao nosso alcance?

Quem habita em zonas rurais ou moradias com espaço, tem a possibilidade de realizar compostagem doméstica com o intuito de transformar restos orgânicos em composto.
Para quem está interessado há que começar por escolher um local. Convém que o compostor esteja próximo de casa e com fácil acesso à água para facilitar a rega. Se habitar num clima seco coloque a pilha de compostagem debaixo de uma árvore, o que proporciona sombra e evita que seque. Se habitar num local extremamente húmido, então convém resguardar o compostor, pois água em excesso atrasa o processo de decomposição.
O compostor deve ser, de preferência, colocado sobre terra em vez de um solo impermeabilizado, pois deste modo, permite a drenagem de água e facilita a entrada de microorganismos do solo benéficos para a pilha de composto.

Qual o melhor compostor?
Se tiver um quintal não precisa de compostor. Coloque os restos orgânicos empilhados em pirâmide, ou alternativamente, após cavar um buraco na terra (25 a 40 cm de profundidade e 60 cm de diâmetro), deposite aí o seu material.
Se for pretendido recorrer a um compostor, pode fazer o seu próprio ou adquiri-lo comercialmente. São diversos os tipos de compostores a ter em casa: compostor duplo, de madeira, de rede, ninho ou pilha.

O que se pode compostar?
Os materiais orgânicos a compostar dividem-se em verdes e castanhos. Os verdes possuem elevados níveis de azoto, e os castanhos elevados níveis de carbono. Para que a compostagem decorra da melhor forma, sugere-se igual mistura dos dois componentes (ver tabela 1).
Não se deve juntar nem peixe, nem carnes, nem derivados, de modo a não atrair animais indesejáveis.




Sobre como construir o seu próprio compostor:
http://www.zeroresiduos.info/images/stories/compostagem/tca_de_cons_compostor.pdf
Sobre como manter a sua pilha de compostagem:
http://www.zeroresiduos.info/images/stories/compostagem/manut__pilha.pdf


Referências:

Tabela 1 retirada de:
http://www.zeroresiduos.info/images/stories/compostagem/mat_podem_n_podem_comp.pdf

Texto adaptado de: www.zeroresiduos.info

Compostagem I - Resíduos Sólidos Urbanos



O crescimento dos níveis de consumo têm levado a um enorme aumento da quantidade de resíduos. Face a isto, a União Europeia estabeleceu uma hierarquia preferencial das opções de gestão de modo a por um lado maximizar a eficiência na utilização dos recursos naturais e por outro lado minimizar os negativos impactos ambientais associados aos resíduos. Para isso, os Estados-Membro da UE em vez de enviarem os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) para o aterro, devem focar-se no topo da hierarquia da gestão sustentável . Dentre estas medidas encontramos a reciclagem da fracção orgânica dos RSU onde se incluem técnicas como a compostagem e a digestão anaeróbia.

Os RSU dividem-se em restos orgânicos (sobras de comida e aparas de jardins) e em resíduos perigosos (pilhas ou tintas). A proveniência destes resíduos vai desde a doméstica, passando por estações de tratamentos de águas (lamas), até indústrias e instalações agro-pecuárias.
Os restos orgânicos são de fácil degradação, e a sua reciclagem pode ser feita através de compostagem(com presença de oxigénio) ou digestão anaeróbia (em ausência de oxigénio).
Para que a reciclagem orgânica tenha sucesso é necessária uma correcta separação desses resíduos, de preferência que a separação tenha origem na fonte, isto é, na casa de cada um de nós. Se assim for, verificar-se-á a implantação da compostagem doméstica e em pequenas comunidades, redução considerável de RSU a recolher pelos sistemas de gestão, essa separação conduzirá à sensibilização dos cidadãos, contribuirá para o envolvimento social das comunidades, após a recolha o composto pode ser vendido como adubo na agricultura, trazendo claros benefícios ambientais e económicos.
São várias as alternativas para a recolha selectiva de resíduos: porta-a-porta, contentores de rua ou ecocentros.


Base de dados bibliográfica com centenas de publicações sobre compostagem, digestão anaeróbia e recolha selectiva de resíduos orgânicos:

Referências:

http://www.zeroresiduos.info/

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Recordando Soeiro Pereira Gomes - autor de "Esteiros" II

Soeiro Pereira Gomes e Manuela Reis iam muito a Lisboa nos anos '30. Manuela Reis colaborava na Orquestra Ligeira da Emissora Nacional, como compositora de música popular. Pereira Gomes participava em tertúlias da capital, onde, entre outros, conviviam Manuel da Fonseca, Mário Dionísio, Alexandre Cabral e Alves Redol. Por essa altura despontava nas mentes de certos intelectuais portugueses a ideia de um novo realismo artístico que, lembrando vagamente (e talvez só pelo objectivo de descrever realidades vivas e actuais) as obras de uma geração de escritores falecidos há muito - Eça de Queiroz (1845-1900), Abel Botelho (1856-1917), Teixeira de Queiroz (1848-1919), Cesário Verde (1855-1886) - descrevesse a realidade das relações humanas no âmbito da economia industrial, ou seja, a exploração dos operários pelos patrões e dos camponeses pelos latifundiários. Mas sobretudo a exploração dos cidadãos pela Ditadura. Era uma Arte pela cidadania, um protesto político e social em romance, conto ou poesia. Em 1935, Pereira Gomes - que desde a juventude cultivava a poesia - envia o conto O Capataz ao semanário O Diabo. Em Maio de 1936, o director - o filólogo Rodrigues Lapa (1897-1989) - responde-lhe: "Comunico-lhe que a sua novela "O Capataz" foi cortada pela censura." (1) O conto, que descrevia as relações laborais numa fábrica, não podia vir a público. Era o primeiro contacto pessoal de Pereira Gomes com o Regime. De facto, numerosos cidadãos achavam-se há muito descontentes com os efeitos da Ditadura. Em Abril de 1931 sublevara-se a Madeira em peso; em Agosto do mesmo ano fora Lisboa; em 1934, a questão da Marinha Grande; os navios Afonso de Albuquerque e Dão rebelaram-se em 1936; 1943 e 1944 foram anos de greves. É neste contexto que surge o Neo-Realismo. Durante vários anos de oposição política ao regime, os seus adversários produziram algumas das mais dolorosas páginas da literatura portuguesa.
(1) Soeiro Pereira Gomes - Uma Biografia Literária, Giovanni Ricciardi, 1999, p.54.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Canção da Donzela Finlandesa

Oh!, se o meu Bem me volver,
Se quem dantes via, eu vejo,
Traga ele a boca a escorrer
De lobo em sangue lha beijo;
E a mão vou-lha apertar,
Cobras lha andem a enroscar.
Ah!, se o vento alma tivera,
Língua o ar da Primavera,
Fora a sua voz bastante:
Novas levara e trouxera
Entre um e outro amante.
Desprezo finos guisados,
Deixo ao cura os seus assados;
Só quero amar, ser constante
A quem o Verão me deu
E o Inverno afez a ser meu.

Almeida Garrett, Folhas Caídas

Nota: O poema original (Eyton Runo Suomalaisen) está escrito numa velha língua nórdica e é muito antigo. Faz parte de enraizadas tradições dos povos do Norte e é equivalente à nossas mais velhas obras literárias. A tradução é de Almeida Garrett (1799-1854), que se serviu de versões correntes no seu tempo, em várias línguas. O poema e a autoria da versão que se apresenta, fazem lembrar a preocupação em conservar a mais genuína tradição popular que resultou no Romanceiro português.

domingo, 11 de maio de 2008

Uma História Oral do Nosso Tempo II

No Verão de 1917, folheando um livro de contos de W. Carleton num alfarrabista, Gould fixou uma frase de Yeats, que introduzia a obra com uma apresentação. Dizia Yeats que a História não era escrita nos locais a que normalmente se atribui a sua fonte principal, por serem aqueles onde se decide do destino de muitas pessoas - um parlamento, por exemplo. A História estava junto do povo, nas suas preocupações e nos seus diálogos. Foi nessa altura que Gould decidiu abandonar os seus hábitos para escrever a História Oral do Nosso Tempo. "Iria passar o resto da minha vida a andar pela cidade a ouvir as pessoas - às escondidas, se necessário - e passando a papel tudo o que dissessem e me parecesse revelador, por mais chato, idiota, ordinário ou obsceno que pudesse soar a outros. Estava já a ver como seria - longas conversas intermináveis e conversas curtas e vivas, conversas brilhantes e conversas parvas, insultos, frases batidas, pedaços de discussões, o balbuciar de bêbados e de loucos, os rogos dos mendigos e vagabundos, as propostas das prostitutas, o palavreado dos feirantes e dos vendedores ambulantes, os sermões dos pregadores de rua, gritos na noite, boatos incríveis, gritos do coração." (1) Para trabalhar numa tal obra, Gould decidiu deixar o emprego e reduzir as suas necessidades ao mínimo. Passaria agora a escutar a rua, os cafés, o metro, os albergues, todos os locais que pudessem produzir matéria digna de apontamento. "Aquilo que considerávamos ser história - reis e rainhas, tratados, invenções, grandes batalhas, decapitações, César, Napoleão, Pôncio Pilatos, Colombo, William Jennings Bryan - não passa de história formal e em grande parte falsa", diz Gould. "O que eu faço é registar a história informal da gente em mangas de camisa - o que têm para dizer sobre os empregos, amores, comidas, pândegas, apertos e penas". (2) "Num dos capítulos, «Os Homens Bons Estão a Morrer Como Moscas», Gould começa a escrever a biografia do dono de um restaurante e apostador em corridas de cavalos, chamado Side Bet Benny Altschuler, que morreu de tétano depois de se ter espetado na mão com um picador de gelo enferrujado; e ao fim de uns quantos parágrafos salta para a história que um marinheiro lhe contou sobre um grupo de leprosos que viu a beber, a dançar e a cantar numa Praia de Porto de Espanha, na Trindade; dali passa para uma história sobre uma manifestação em frente de um cinema de Boston em 1915 a protestar contra a exibição de «Nascimento de Uma Nação», durante a qual deu um pontapé a um polícia; dali passa para a descrição de uma visita que em tempos fez ao asilo de doentes mentais de Central Islip, em que uma mulher apontou para ele aos gritos de «Ali vai ele! Ladrão! Ladrão! Ali vai o homem que arrancou os meus gerânios e roubou a mula e a caleche da minha mãe»; dali passa para o relato que um vagabundo titubeante lhe fez de uma noite em que, sentado na soleira de uma porta de Great Jones Street, viu num vislumbre e sentiu as chamas ardentes do inferno e mais tarde nessa mesma noite viu duas sereias a brincar no East River mesmo a norte da lota de Fulton; dali passa para a explicação que lhe deu o Padre da Old St. Patrick's Cathedral, que fica na Mott Sreet, na parte mais antiga da Little Italy, sobre a razão por que tantas mulheres italianas vestem de preto («Estão de luto por Nosso Senhor»); para finalmente voltar a Side-Bet Benny, o dono do restaurante com tétano." (3) E talvez as conversas pudessem trazer consigo algo mais do que o que era dito. "Tudo dependia, dizia ele, da interpretação que se desse a tais conversas, o que não estava ao alcance de qualquer pessoa. «É verdade, tem toda a razão», disse uma vez a um detractor da História Oral. «São só coisas que ouvi dizer, mas talvez eu tenha alguma faculdade especial - talvez eu consiga compreender o significado daquilo que dizem as pessoas, talvez eu consiga ler o seu significado profundo. Pode ser que você, ao ouvir uma conversa entre dois velhotes num bar ou duas velhotas num banco de jardim, ache que são tretas sem nenhum interesse e que eu, ouvindo a mesma conversa, descubra nela um profundo sentido histórico.» «Um dia mais tarde», disse ele noutra ocasião, «pode ser que as pessoas leiam a História Oral de Joe Gould para ver onde é que falhámos, tal como hoje lemos "O Declínio e Queda" de Gibbon para ver porque caiu o Império Romano.» (4) Dizia às pessoas com quem falava que a História Oral já tinha onze vezes o tamanho da Bíblia, contando "nove milhões de palavras, escritas com todas as letras" (5) e que "era sem dúvida nehuma a mais longa obra literária inédita existente" (6). Joseph Gould foi boémio cerca de 40 anos, vivendo com o auxílio de amigos ou pessoas que se interessaram por ele e pelo seu curioso trabalho - como Mitchell -, acabando por falecer no Pilgrim State Hospital em 1957. Da História Oral do Nosso Tempo, o Armarium Libri quer reter a ideia de democratização - tanto quanto possível - do âmbito de trabalho dos historiadores. As Histórias gerais, nomeadamente as que servem de manuais escolares, são necessárias e têm a vantagem de introduzir o leitor num tema desconhecido. Todavia, para cumprir o seu objectivo, ficam-se pelo elementar dos factos, escolhendo os mais importantes e omitindo os que porventura o parecem menos; o mesmo acontece na omissão muitas figuras históricas que vão desaparecendo da memória colectiva. A Vida Quotidiana é um capítulo quase sempre sacrificado. Se na prática os costumes são naturalmente e obviamente inseparáveis das pessoas, a História - pretendendo descrever passado com rigor - não pode desconsiderar os temas da vida quotidiana, como se fossem menores. Se no estudo é possível proceder a tais omissões, a verdade é que estas são contra a natureza das vidas que intelectualmente se reconstroem - em qualquer classe, tempo e espaço.
(1) O Segredo de Joe Gould, Joseph Mitchell, Publicações D. Quixote, 2002, p.65.
(2) Idem, p.25.
(3) Idem, pp.27-28.
(4) Idem, p.45.
(5) Idem, p.24.
(6) Idem, p.45.

Uma História Oral do Nosso Tempo I

"Joe Gould é um homenzinho jovial e emaciado que se tornou numa personagem conhecida nas cafetarias, snacks, bares e tascas de Greenwich Village ao longo de um quarto de século. Por vezes gaba-se um pouco a contragosto de ser o último dos boémios. «Todos os outros foram ficando pelo caminho», diz ele. «Uns debaixo da terra, outros no manicómio, e outros na publicidade.» A vida de Gould está longe de ser fácil; vive constantemente atormentado pela mesma trindade de males: fome, ressacas e sem-abrigo. Dorme em bancos do metro, no chão em ateliers de amigos, e em albergues nocturnos na Bowery. (...) Tem um metro e sessenta e raramente pesará mais do que quarenta e cinco quilos. Ainda há pouco tempo contou a um amigo que não comia uma refeição decente desde 1936, quando foi à boleia até Cambridge e participou no banquete da associação dos finalistas de Harvard de 1911, de que faz parte. «Sou a maior autoridade dos Estados Unidos», diz ele, «em matéria de viver sem nada.» (...) Os donos de café e baristas da Village falam dele como o Professor, o Gaivota, Professor Gaivota, Mangusto, Professor Mangusto, ou o Rapaz de Bellevue." (1) Começa deste modo um dos mais conhecidos perfis que o jornalista Joseph Mitchell escreveu para The New Yorker, em 1942. Joseph Ferdinand Gould tinha nascido em 1889 em Norwood, Massachusetts, numa família antiga e bem colocada na sociedade. O pai e o avô eram médicos e dele se esperava o mesmo, apesar de reconhecer-se inábil: "A verdade é que não tinha jeito para grande coisa - nem em casa, nem na escola, nem nas brincadeiras. (...) Ainda por cima era o que o meu pai chamava uma criança catarrosa - tinha o nariz sempre a pingar. Normalmente, quando devia estar a prestar atenção a alguma coisa, estava ocupado a assoar o nariz." (2) Quando acabou a escola em Norwood, formou-se em Harvard e, sem pistas sobre um futuro a obter, interessou-se por Eugenia - que estudou em Long Island - e partiu para North Dakota onde mediu os crânios de mais de um milhar de índios, até ter de regressar a casa, impossibilitado de prosseguir este trabalho, por causa de problemas finaceiros da família. O pai quis arranjar-lhe um emprego, mas Gould, que em Norwood não se sentia em casa, decidiu ir para Nova Iorque seguir uma carreira literária. "Vim para Nova Iorque com a ideia na cabeça de me tornar crítico teatral, por pensar que isso me deixaria tempo para escrever romances, peças, poemas, canções, artigos e um ou outro ensaio sobre eugenismo, e acabei por conseguir um lugar no Evening Mail, uma espécie de meio moço-de-recados e meio aprendiz de jornalista na esquadra central da polícia." (3)
(1) O Segredo de Joe Gould, Joseph Mitchell, Publicações D. Quixote, 2002, pp. 19-20
(2)Idem, p.59.
(3)Idem, p.65.