terça-feira, 20 de outubro de 2009

Gato Fedorento - Esmiuça os Sufrágios II - A pobreza das entrevistas

O programa da RTP1 "Gato Fedorento - Esmiuça os Sufrágios", de que já falámos neste blog, é, em geral, um programa bem conseguido. Tem peças divertidas e bons comentários humorísticos, que demonstram inteligência na análise da realidade política. A entrevista, se nos é permitida a apreciação, é que nos parece pobre. Ricardo Araújo Pereira recebe diariamente uma figura importante da política e tem um rol de perguntas pré-determinadas, ao que parece, embora haja também algum espaço para a improvisação, geralmente perspicaz e oportuna. É por isto que lamentamos que as entrevistas se pareçam menos do que deviam com um diálogo. E menos do que deviam com um diálogo interessante. Os Gato Fedorento têm uma lista de perguntas sobre situações bem conhecidas em que os entrevistados foram protagonistas, mas demasiado voltadas para o pitoresco e menos para o caso sério. A acrescentar, como as perguntas são estanques e não há ali espaço para fazer réplicas, à excepção dos improvisos do apresentador, as conversas primam de facto pela ausência de conversa. Isto torna a entrevista leve e fácil de ver, mas nem sempre divertida e poucas vezes interessante. Além de que se perde a oportunidade de reter o testemunho dos protagonistas, já que é mais ao facto superficial e risível e não ao conteúdo dos acontecimentos que se tem dado importância. Pensamos que, numa época em que tudo parece ser veloz - e mais grave até, com a tutela da lei - desde os cursos universitários remodelados por Bolonha, até aos noticiários da televisão, fica-se sem o sumo das matérias quotidianas. Os Gato Fedorento têm categoria para serem menos superficiais e para de facto chamar a atenção para a importância da Política e daquilo que os políticos andam a fazer. Se são tão conhecidos e admirados, aqui teriam uma oportunidade para interessar quem os vê nestes temas. Porque, de facto, os políticos não podem fazer Política sós. Se representam um Povo, ele deve ser chamado a fazer parte do seu trabalho. Como disse Péricles: "Aqui não dizemos que o homem que não tem interesse pela política se preocupa apenas com o que lhe diz respeito - dizemos que ele nem sequer aqui devia estar." (dito em c. 450 a. C., Cit. "História da Vida Quotidiana, Selecções do Reader's Digest, 1993, p.73)

Cartas do meu Moinho

Para o Tavares, que está longe.


“Cartas do meu Moinho” (no original “Les Lettres de mon Moulin”), publicado em 1869, é um livro de pequenas histórias, todas diversas, mas todas ligadas através das aventuras do narrador que as conta a partir de um “moinho de vento e de farinha, sito no vale do Ródano, em pleno coração da Provença, numa encosta coberta de pinheiros e azinheiras”[1]. Tendo vindo à procura de um sítio tranquilo para pensar e para escrever, o narrador, cujo espaço se centra essencialmente no moinho, vai contando histórias que ouve no ambiente circundante, sem deixar de revelar algo de si também. Há histórias que ouviu a vizinhos, outras que se contam de tradição, histórias do seu passado e as suas próprias aventuras na Provença e no velho moinho, que está abandonado há mais de 20 anos. No dia em que chega, depois de ter comprado o imóvel a um pequeno proprietário casado com a neta do Tio Cornille, proprietário original e moleiro já falecido, o Sr. Daudet encontra-se logo com outros moradores que, alheios a contratos de transmissão de direitos reais e muito terra-a-terra no que toca a procurar casa, já lá viviam há anos. “Foi uma surpresa para os coelhos!... Havia tanto tempo que viam a porta do moinho fechada, as paredes e a plataforma invadidas pelas ervas, que tinham acabado por acreditar que se extinguira a raça dos moleiros, e, como o lugar lhes parecera bom, instalaram nele uma espécie de quartel-general (...). Na noite da minha chegada, havia lá pelo menos sem exagero, uns vinte, sentados em círculo na plataforma, como se aquecessem as patas a um raio de luar... (...) Quem ficou também muito espantado, ao ver-me, foi o locatário do primeiro andar, um velho mocho sinistro, de cabeça de pensador, que habita o moinho há mais de vinte anos. Encontrei-o no quarto de cima, imóvel e hirto (...), no meio da caliça e das telhas caídas. (...) Mas não faz mal! Assim como é, com os seus olhos piscos e a sua expressão carrancuda, este locatário silencioso agrada-me mais do que qualquer outro, e, por isso, apressei-me a renovar-lhe o arrendamento.”[2] Depois vêm as histórias, de todas as proveniências. Há um pastor que contribui com uma sobre como uma noite ao ar livre, igual a todas as outras, pôde tornar-se numa noite verdadeiramente bela (“As Estrelas”); há a história dramática de Jan, filho de um lavrador abastado e perdido de amores por uma arlesiana de cabeça leve, que lhe conta um dos criados da casa (“A Arlesiana”); há a curiosíssima história do coice que a mula do Papa guardou durante sete anos para um certo maroto que a tratou mal, e que veio a transformar-se em dito popular, esta investigada pelo próprio Daudet numa biblioteca local, já que ninguém sabia a origem do dito (“A Mula do Papa”); a história da estada num farol da Córsega, com os seus funcionários (“O Farol dos Sanguinários”); a história que ao narrador contou o patrão Lionetti, quando há anos percorria com ele o mar da Sardenha, sobre a fragata Semillante, perdida no mar (“A Agonia da «Sémillante»”); e outras mais. As histórias, invariavelmente breves, têm uma simplicidade e uma ternura, próprias da observação particular do narrador. São quadros curtos sobre numerosos assuntos que vêm a propósito do moinho, ou apenas das reflexões pessoais. O autor, Alphonse Daudet, nasceu em Nîmes em 1840 e começou por publicar versos, em 1858. Prossegue a carreira com algumas narrativas cheias de sensibilidade poética, mas acaba por chegar ao realismo, tendo mesmo recebido um elogio de Émile Zola, célebre autor naturalista. Daudet morreu de doença em 1897, há 112 anos.

Algumas obras do autor:

"Les Amoureuses", poesia, 1858
"La Dernière Idole", teatro, 1862
"Le Petit Chose", romance com recordações da juventude, 1868
"Les Lettres de mon Moulin", invocações da Provença, que teve a colaboração de Paul Arène, 1869
"L’Arlésienne", 1872
"Tartarin de Tarascon", também evocativo da Provença, 1872
"Contes du Lundi", livro patriótico, 1873
"Fromont jeune et Risler aîné", narrativa realista sobre o comércio e a indústria em Paris, 1874
"Jack", 1876
"Le Nabab", sobre a política, 1877, elogiado por Émile Zola, escritor naturalista
"Les Rois en exil", 1879
"Numa Roumestan", 1881
"L’Évangeliste", sobre o fanatismo religioso, 1883
"Sapho", sobre os artistas e a boémia, 1884
"Tartarin sur les Alpes", com o herói já referido noutro título, 1885
"L’Immortel", sobre os estudantes, 1888
Port-Tarascon, romance, 1890[3]

Notas:
[1] Alphonse Daudet, Cartas do meu Moinho, Publicações Europa-América, 1971, p.7. A Provença é uma região francesa situada a SE do país.
[2] Ibidem, p.9. A imagem acima vem da capa deste livro.
[3] A lista vem em “XIX Siècle”, André Lagarde et Laurent Michard, Bordas, 1968, p.498.

Novo Blog

Caros leitores:

Informa-se que os autores encontram-se envolvidos num outro blog científico:

http://www.raphus-cucullatus.blogspot.com/

Este continuará igualmente a funcionar.

Cumprimentos

Quem foi Lineu?

No inquérito realizado neste blog há uns meses, perguntou-se “Quem foi Carl Linnaeus (Lineu)?”. Das quatro opções - compositor, botânico, médico ou romancista – os leitores do blog votaram maioritariamente em botânico (85%, 6votos) e em menor número optaram por médico (28%, 2votos). Tendo havido 7 votações (7 pessoas votaram), mas 8votos, significa que um votante optou pelas duas opções (botânico e médico).


Conclusões: uma vez que as duas hipóteses estão correctas, pode concluir-se que Lineu é uma personalidade histórica conhecida dos leitores, pelo menos no que concerne ao estudo da natureza. Outra conclusão, é que apesar da familiaridade dos leitores com este cientista, o seu contributo científico não está completamente divulgado. Fica então a nota que para além do contributo do Lineu para a História Natural e para a Medicina, o cientista também deu um contributo para a economia do seu país. Para saber mais sobre este cientista sueco do Iluminismo, deixarei referências bibliográficas no final. Apresento de seguida, um sintético esboço da vida do botânico e médico (a perspectiva económica não será aqui analisada).

Quem foi Carl Linnaeus (Lineu)?

Carl Linnaeus (1707-1778), mais conhecido por Lineu, nasceu em 1707 em Småland, uma província pobre do norte Báltico, filho de Christina Brodersonia (1688-1733) e de Nils Ingemarsson Linnaeus (1674-1748).

Lineu viveu num período histórico em que aumentava o interesse pelo estudo da natureza e isso reflectia-se nas colecções de animais preservados em recipientes de vidro, nos magníficos livros de História Natural, nas colecções privadas de fauna e flora nos salões dos nobres e nos gabinetes de curiosidades – antecedentes dos museus de ciências.

O famoso aforismo: “Deus criou, Lineu ordenou”, deriva do trabalho realizado pelo naturalista que consistira em observar várias espécies de animais e plantas e, de seguida, classificá-los e colocá-los em grupos, consoante a sua semelhança morfológica. Lineu hierarquizou essas características das mais gerais (Reino) para as mais específicas (espécie), e criou uma nomenclatura binomial, isto é, a nomenclatura científica das espécies passou a ser designada por dois nomes: o epíteto genérico (indica o género) seguido de um epíteto específico (indica a espécie), em forma latinizada (e.g. Homo sapiens). O resultado do seu trabalho taxonómico encontra-se patente na sua obra-prima, o Systema naturae (1735).

Lineu é lembrado como um naturalista sueco do século XVIII e como um grande especialista em botânica. O que não é muito conhecido é o facto de Lineu também ter sido médico. Vejamos:

A 23 de Junho de 1735, Lineu tornou-se Doutor em medicina pela Universidade de Harderwijk, na Holanda, cuja dissertação foi sobre a etiologia da malária. A sua ligação à medicina não se limitou ao doutoramento, pois de 1738 a 1741 trabalhou como médico em Estocolmo, onde se especializou numa doença sexualmente transmissível, muito comum na época, a sífilis. Em 1741, tornou-se professor de medicina na Universidade de Uppsala.



Referências Bibliográficas:

Koerner, Lisbet; Linnaeus: Nature and Nation, third printing, Harvard University Press, 2001

Para saber mais: