Para o Tavares, que está longe.
“Cartas do meu Moinho” (no original “Les Lettres de mon Moulin”), publicado em 1869, é um livro de pequenas histórias, todas diversas, mas todas ligadas através das aventuras do narrador que as conta a partir de um “moinho de vento e de farinha, sito no vale do Ródano, em pleno coração da Provença, numa encosta coberta de pinheiros e azinheiras”[1]. Tendo vindo à procura de um sítio tranquilo para pensar e para escrever, o narrador, cujo espaço se centra essencialmente no moinho, vai contando histórias que ouve no ambiente circundante, sem deixar de revelar algo de si também. Há histórias que ouviu a vizinhos, outras que se contam de tradição, histórias do seu passado e as suas próprias aventuras na Provença e no velho moinho, que está abandonado há mais de 20 anos. No dia em que chega, depois de ter comprado o imóvel a um pequeno proprietário casado com a neta do Tio Cornille, proprietário original e moleiro já falecido, o Sr. Daudet encontra-se logo com outros moradores que, alheios a contratos de transmissão de direitos reais e muito terra-a-terra no que toca a procurar casa, já lá viviam há anos. “Foi uma surpresa para os coelhos!... Havia tanto tempo que viam a porta do moinho fechada, as paredes e a plataforma invadidas pelas ervas, que tinham acabado por acreditar que se extinguira a raça dos moleiros, e, como o lugar lhes parecera bom, instalaram nele uma espécie de quartel-general (...). Na noite da minha chegada, havia lá pelo menos sem exagero, uns vinte, sentados em círculo na plataforma, como se aquecessem as patas a um raio de luar... (...) Quem ficou também muito espantado, ao ver-me, foi o locatário do primeiro andar, um velho mocho sinistro, de cabeça de pensador, que habita o moinho há mais de vinte anos. Encontrei-o no quarto de cima, imóvel e hirto (...), no meio da caliça e das telhas caídas. (...) Mas não faz mal! Assim como é, com os seus olhos piscos e a sua expressão carrancuda, este locatário silencioso agrada-me mais do que qualquer outro, e, por isso, apressei-me a renovar-lhe o arrendamento.”[2] Depois vêm as histórias, de todas as proveniências. Há um pastor que contribui com uma sobre como uma noite ao ar livre, igual a todas as outras, pôde tornar-se numa noite verdadeiramente bela (“As Estrelas”); há a história dramática de Jan, filho de um lavrador abastado e perdido de amores por uma arlesiana de cabeça leve, que lhe conta um dos criados da casa (“A Arlesiana”); há a curiosíssima história do coice que a mula do Papa guardou durante sete anos para um certo maroto que a tratou mal, e que veio a transformar-se em dito popular, esta investigada pelo próprio Daudet numa biblioteca local, já que ninguém sabia a origem do dito (“A Mula do Papa”); a história da estada num farol da Córsega, com os seus funcionários (“O Farol dos Sanguinários”); a história que ao narrador contou o patrão Lionetti, quando há anos percorria com ele o mar da Sardenha, sobre a fragata Semillante, perdida no mar (“A Agonia da «Sémillante»”); e outras mais. As histórias, invariavelmente breves, têm uma simplicidade e uma ternura, próprias da observação particular do narrador. São quadros curtos sobre numerosos assuntos que vêm a propósito do moinho, ou apenas das reflexões pessoais. O autor, Alphonse Daudet, nasceu em Nîmes em 1840 e começou por publicar versos, em 1858. Prossegue a carreira com algumas narrativas cheias de sensibilidade poética, mas acaba por chegar ao realismo, tendo mesmo recebido um elogio de Émile Zola, célebre autor naturalista. Daudet morreu de doença em 1897, há 112 anos.
Algumas obras do autor:
"Les Amoureuses", poesia, 1858
"La Dernière Idole", teatro, 1862
"Le Petit Chose", romance com recordações da juventude, 1868
"Les Lettres de mon Moulin", invocações da Provença, que teve a colaboração de Paul Arène, 1869
"L’Arlésienne", 1872
"Tartarin de Tarascon", também evocativo da Provença, 1872
"Contes du Lundi", livro patriótico, 1873
"Fromont jeune et Risler aîné", narrativa realista sobre o comércio e a indústria em Paris, 1874
"Jack", 1876
"Le Nabab", sobre a política, 1877, elogiado por Émile Zola, escritor naturalista
"Les Rois en exil", 1879
"Numa Roumestan", 1881
"L’Évangeliste", sobre o fanatismo religioso, 1883
"Sapho", sobre os artistas e a boémia, 1884
"Tartarin sur les Alpes", com o herói já referido noutro título, 1885
"L’Immortel", sobre os estudantes, 1888
Port-Tarascon, romance, 1890[3]
Notas:
[1] Alphonse Daudet, Cartas do meu Moinho, Publicações Europa-América, 1971, p.7. A Provença é uma região francesa situada a SE do país.
[2] Ibidem, p.9. A imagem acima vem da capa deste livro.
[3] A lista vem em “XIX Siècle”, André Lagarde et Laurent Michard, Bordas, 1968, p.498.
“Cartas do meu Moinho” (no original “Les Lettres de mon Moulin”), publicado em 1869, é um livro de pequenas histórias, todas diversas, mas todas ligadas através das aventuras do narrador que as conta a partir de um “moinho de vento e de farinha, sito no vale do Ródano, em pleno coração da Provença, numa encosta coberta de pinheiros e azinheiras”[1]. Tendo vindo à procura de um sítio tranquilo para pensar e para escrever, o narrador, cujo espaço se centra essencialmente no moinho, vai contando histórias que ouve no ambiente circundante, sem deixar de revelar algo de si também. Há histórias que ouviu a vizinhos, outras que se contam de tradição, histórias do seu passado e as suas próprias aventuras na Provença e no velho moinho, que está abandonado há mais de 20 anos. No dia em que chega, depois de ter comprado o imóvel a um pequeno proprietário casado com a neta do Tio Cornille, proprietário original e moleiro já falecido, o Sr. Daudet encontra-se logo com outros moradores que, alheios a contratos de transmissão de direitos reais e muito terra-a-terra no que toca a procurar casa, já lá viviam há anos. “Foi uma surpresa para os coelhos!... Havia tanto tempo que viam a porta do moinho fechada, as paredes e a plataforma invadidas pelas ervas, que tinham acabado por acreditar que se extinguira a raça dos moleiros, e, como o lugar lhes parecera bom, instalaram nele uma espécie de quartel-general (...). Na noite da minha chegada, havia lá pelo menos sem exagero, uns vinte, sentados em círculo na plataforma, como se aquecessem as patas a um raio de luar... (...) Quem ficou também muito espantado, ao ver-me, foi o locatário do primeiro andar, um velho mocho sinistro, de cabeça de pensador, que habita o moinho há mais de vinte anos. Encontrei-o no quarto de cima, imóvel e hirto (...), no meio da caliça e das telhas caídas. (...) Mas não faz mal! Assim como é, com os seus olhos piscos e a sua expressão carrancuda, este locatário silencioso agrada-me mais do que qualquer outro, e, por isso, apressei-me a renovar-lhe o arrendamento.”[2] Depois vêm as histórias, de todas as proveniências. Há um pastor que contribui com uma sobre como uma noite ao ar livre, igual a todas as outras, pôde tornar-se numa noite verdadeiramente bela (“As Estrelas”); há a história dramática de Jan, filho de um lavrador abastado e perdido de amores por uma arlesiana de cabeça leve, que lhe conta um dos criados da casa (“A Arlesiana”); há a curiosíssima história do coice que a mula do Papa guardou durante sete anos para um certo maroto que a tratou mal, e que veio a transformar-se em dito popular, esta investigada pelo próprio Daudet numa biblioteca local, já que ninguém sabia a origem do dito (“A Mula do Papa”); a história da estada num farol da Córsega, com os seus funcionários (“O Farol dos Sanguinários”); a história que ao narrador contou o patrão Lionetti, quando há anos percorria com ele o mar da Sardenha, sobre a fragata Semillante, perdida no mar (“A Agonia da «Sémillante»”); e outras mais. As histórias, invariavelmente breves, têm uma simplicidade e uma ternura, próprias da observação particular do narrador. São quadros curtos sobre numerosos assuntos que vêm a propósito do moinho, ou apenas das reflexões pessoais. O autor, Alphonse Daudet, nasceu em Nîmes em 1840 e começou por publicar versos, em 1858. Prossegue a carreira com algumas narrativas cheias de sensibilidade poética, mas acaba por chegar ao realismo, tendo mesmo recebido um elogio de Émile Zola, célebre autor naturalista. Daudet morreu de doença em 1897, há 112 anos.
Algumas obras do autor:
"Les Amoureuses", poesia, 1858
"La Dernière Idole", teatro, 1862
"Le Petit Chose", romance com recordações da juventude, 1868
"Les Lettres de mon Moulin", invocações da Provença, que teve a colaboração de Paul Arène, 1869
"L’Arlésienne", 1872
"Tartarin de Tarascon", também evocativo da Provença, 1872
"Contes du Lundi", livro patriótico, 1873
"Fromont jeune et Risler aîné", narrativa realista sobre o comércio e a indústria em Paris, 1874
"Jack", 1876
"Le Nabab", sobre a política, 1877, elogiado por Émile Zola, escritor naturalista
"Les Rois en exil", 1879
"Numa Roumestan", 1881
"L’Évangeliste", sobre o fanatismo religioso, 1883
"Sapho", sobre os artistas e a boémia, 1884
"Tartarin sur les Alpes", com o herói já referido noutro título, 1885
"L’Immortel", sobre os estudantes, 1888
Port-Tarascon, romance, 1890[3]
Notas:
[1] Alphonse Daudet, Cartas do meu Moinho, Publicações Europa-América, 1971, p.7. A Provença é uma região francesa situada a SE do país.
[2] Ibidem, p.9. A imagem acima vem da capa deste livro.
[3] A lista vem em “XIX Siècle”, André Lagarde et Laurent Michard, Bordas, 1968, p.498.
Sem comentários:
Enviar um comentário