quarta-feira, 29 de junho de 2011

O olho humano e a complexidade irredutível


A propósito deste artigo publicado na revista Scientific American(1), esta parece-me uma boa ocasião para,
uma vez mais, desmistificar esta falsa questão: como foi possível a evolução do olho humano?

Segundo os proponentes do ‘Design Inteligente’ e do conceito de ‘Complexidade Irredutível’, o olho humano seria o exemplo perfeito de uma estrutura que não funcionaria sem todas as suas partes e, portanto, com uma complexidade irredutível, que não pode ser reduzida em nenhum dos seus componentes sem o risco de deixar de cumprir a sua função por completo.

Já em 1987, Richard Dawkins, no seu documentário The Blind Watchmaker(2), deitava por terra este argumento, demonstrando com uma simples experiência de óptica como era possível, em pequenos passos, chegar desde uma estrutura foto-receptora simples até ao complexo olho dos vertebrados (e do polvo).


(ver min 7:55)


Em 2010, Dawkins volta a abordar esta questão neste programa da BBC:



Na verdade, como o Prof. Dawkins bem explica, no reino animal encontramos espécies com diferentes graus de desenvolvimento das suas estruturas foto-receptoras (os olhos). Por si só, uma evidencia da evolução do olho.

Ainda assim, este argumento de William Paley continua a ser usado pelos criacionistas (disfarçados de 'cientistas da criação') como evidência da existência de um designer para a vida e, desta forma, negarem a teoria da evolução.

O artigo supracitado apresenta uma série de resultados científicos obtidos ao longo dos últimos anos na área da embriologia e da genética que inclusivamente sugerem que “o nosso olho ‘tipo-câmara’ tem uma origem muito mais antiga que o até agora suposto e que, antes de operar como um órgão visual, servia como um detector de luz que modulava os ritmos circadianos dos nossos distantes ancestrais”.

Será que desta vez, definitivamente, se abandona o uso desta “prova” pseudo-científica a favor do Criacionismo (perdão, Design Inteligente)?


Referências:

(1) Lamb, T. D. 2011. Evolution of the Eye. Scientific American July

(2) The Blind Watchmaker, 1987. BBC. [Também em livro: Dawkins, D. 1986. The Blind Watchmaker: Why the Evidence of Evolution Reveals a Universe without Design. W. W. Norton & Company, 496pp]

terça-feira, 28 de junho de 2011

Novo programa de Governo


Foi hoje publicado, pela Presidência do Conselho de Ministros, o Programa do XIX Governo Constitucional, dirigido por Pedro Passos Coelho. No capítulo VI (O Desafio do Futuro), encontram-se os objectivos e acções programáticas para a Ciência (a partir da pág. 118).

A leitura deste capítulo levou-me a algumas reflexões...

Em primeiro lugar, infelizmente, este texto não parece dizer nada de concreto, apenas faz uma declaração de intenções com uma linguagem tão vaga que não se percebe em que áreas da ciência é que os apoios/cortes vão incidir. E os cortes, não nos enganemos, vão ser muitos. No entanto, no meio das expressões vagas acerca da importância da ciência para o avanço do país, intui-se o incentivo ao "apoio privado", "emprego privado", parcerias com a indústria...

A meu ver, dificilmente a ciência fundamental avança com apoios privados. As empresas privadas querem aplicações práticas para os seus investimentos, se possível imediatas, e rentáveis. Esse é o seu objectivo, e é compreensível que assim seja.

Mas, o valor do conhecimento científico nem sempre se pode traduzir em dinheiro. O início de uma nova linha de investigação muitas vezes não vai em busca de uma aplicação prática […embora muitos são os (a)casos em que mais tarde essa aplicação surgiu].

O país só avança verdadeiramente na sua cultura científica e tecnológica quando toda a boa ciência for apoiada e os cientistas tiverem uma verdadeira carreira profissional pela frente, altamente competitiva, mas também compensatória. E as agencias governamentais têm um papel fundamental neste apoio, mesmo nos países mais capitalistas e neo-liberais (como é o caso dos EUA).


NOTA: O texto completo do programa pode ser lido aqui: http://www.portugal.gov.pt/pt/GC19/Documentos/Programa_GC19.pdf


segunda-feira, 27 de junho de 2011

Darwinismo na Literatura II

Parte 1 - O livro "Fragmento"

Uma equipa de biólogos participa num reality show, o Sea Life, que pretende dar a conhecer a vida dos investigadores numa missão científica por ilhas que, embora conhecidas, envolvem um certo encanto e fascínio, seja por estarem envoltas em misticismo, seja por serem associadas a importantes contributos históricos para a ciência, como a ilha da Páscoa e as Galápagos.

O programa que foi um enorme sucesso no início, tal era a expectativa, rapidamente começou a perder audiências porque os cientistas recusavam-se a fazer números de espectáculo para as câmaras, dedicando-se a realizar o seu trabalho. Mas tudo isto parece mudar quando o navio recebe um pedido de ajuda, sendo necessário alterar a rota para tentar socorrer uma embarcação em perigo. Assim, dirigem-se à ilha de Henders, uma enorme fortaleza rochosa, que havia sido descoberta pelo capitão Henders mas da qual existia pouca informação, para além de estar assinalada no mapa e dos parcos registos do diário de bordo do capitão.

Enquanto se tentava descobrir mais informações sobre a embarcação em perigo, alguns cientistas aventuraram-se no interior da ilha, tendo sido inesperadamente atacados e selvaticamente chacinados por criaturas misteriosas. Muito poucos foram os sobreviventes que conseguiram regressar ao navio, o programa foi retirado do ar e as autoridades cercaram o local para tentar descobrir o que realmente se havia passado.

Passados uns dias foi enviada uma nova equipa de cientistas ao local, cépticos do que tinham visto passar na televisão, acreditando que tudo aquilo não passara de uma manobra televisiva para aumentar audiências. Este novo conjunto de cientistas juntou-se aos militares que já tinham desembarcado na ilha e que os aguardavam num laboratório com a mais recente tecnologia. Após terem sido colocados a par do que realmente havia acontecido, formaram-se diferentes grupos de trabalho.

Um desses grupos analisou no laboratório o comportamento de algumas espécies capturadas, e constatou que a vida naquela ilha era extremamente diferente da que se conhece. Mesmo as mais básicas regras de ecologia não eram verificadas naquele local: normalmente na natureza encontra-se um grupo de seres vivos classificados como produtores (e. g. plantas) que servem de alimento a outros animais, que serão as presas, e estes servirão de alimento a outros seres, os predadores. Mas o que se observava na ilha contrariava esta lógica, ali as criaturas eram simbiontes de plantas, fungos e animais, e todos esses seres alimentavam-se belicamente uns dos outros, e até de indivíduos da mesma espécie.

Os cientistas e os militares tentaram colocar os mais ferozes predadores que podiam ser encontrados na nossa natureza naquele meio hostil, mas a verdade é que duravam poucos minutos em confrontos com aquelas criaturas sanguinárias. Cedo, os governantes que acompanhavam a situação aperceberam-se que se uma daquelas criaturas entrasse em contacto com o nosso mundo, verificar-se-ia a uma alteração drástica da natureza tal como a conhecemos. Tornava-se então necessário destruir imediatamente toda a vida naquela ilha. Esta solução imediatista parecia reunir consenso entre governantes, mas não tanto entre cientistas devido às questões éticas levantadas. E toda a situação se tornou mais complicada, quando se descobre vida inteligente.

Trata-se de um livro com humor, que aborda questões ambientais e ecológicas, e também de valor moral e ético. Encontramos questões como: Em que circunstâncias temos direito de extinguir vida diferente da que conhecemos? O facto de serem prejudiciais para nós ou para a natureza que nos rodeia é justificação? Não será também essa vida parte da natureza, apesar de possuir um ecossistema diferente? E no caso de vida inteligente? Podemos matar todas as espécies menos as espécies inteligentes? Só por ser inteligente é justificação? Só por isso terá mais direitos? É também um livro que trata da temática da liberdade de escolha, como essas escolhas influenciam a vida dos outros, e de como por trás de qualquer opção se encontra uma elevada dose de responsabilidade. As diferentes personagens revelam o que há de melhor e o pior na humanidade.

Bibliografia:
Warren Fahy, “Fragmento”, Porto Editora, Porto, 2010 – Tradução: Fernando Dias Antunes

Darwinismo na Literatura II

Parte 2 - As ideias Darwinistas em "Fragmento", de Warren Fahy.

O naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), deu particular atenção ao estudo das ilhas, pois estas são consideradas autênticos laboratórios naturais, e, uma vez que as espécies estão isoladas geograficamente, torna-se mais fácil observar as alterações que se vão manifestando ao longo do tempo, comparando-as com as espécies originárias dos continentes. Assim, a premissa de “Fragmento” é que à medida que os continentes se afastavam, devido ao movimento das placas tectónicas, um fragmento de terra foi ficando cada vez mais isolado, acabando por tornar-se uma ilha perdida no imenso oceano, cuja geografia impedia que os seres vivos que lá habitavam abandonassem o seu território. Deste modo, ligeiras diferenças foram-se acumulando, formando não só espécies diferentes entre si, como cada vez mais divergentes das originárias do continente. Como as condições ambientais não eram as melhores, sobreviveram as criaturas que eram capazes de viver em simbiose, aparentando ser uma mistura de plantas, fungos e animais. Devido à ausência de recursos, os seres daquela ilha necessitavam de se alimentar uns dos outros. Para contrariar as consequências do intenso efeito da predação, estes seres tinham uma grande quantidade de descendentes e possuíam um ciclo de vida curto. Isto levava a que a especiação (formação de novas espécies) se desse a um ritmo acelerado.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Vacinas e Saúde Pública

O Jornal Sol dá-nos a conhecer uma realidade preocupante ao informar que há crianças que não estão a ser vacinadas (1), o que terá fortes repercursões a nível de Saúde Pública. O assunto assume uma maior gravidade quando tal se dá porque alguns pais abdicam das vacinas, optando por produtos homeopáticos. Acontece que os produtos homeopáticos NÃO SÃO MEDICAMENTOS!! Por causa de tal atitude, estão a surgir novamente surtos de doenças que estavam controladas, como o Sarampo.

Trata-se de algo que nos deverá fazer reflectir a todos. Os autores deste blog continuarão a acompanhar as notícias e irão realizar esclarecimentos nos próximos dias sobre este tema, de modo a fornecer informação fidedigna. Responderemos a questões como:
- O que são as vacinas?, Para que servem?, Quais os seus resultados?, etc.
por outro lado:
- O que são produtos homeopáticos?, Como (não) funcionam?, Como deveriam actuar?, Porque são rejeitados pela Comunidade Científica e pela Organização Mundial de Saúde (OMS)?

Há no entanto que salientar dois pontos: 1) é uma minoria da população que realiza este disparate (mas é uma minoria crescente); 2) felizmente os primeiros comentários à notícia, no site do jornal, revelam a sensatez por parte dos comentadores, que criticam estas acções baseadas em desinformação.


quarta-feira, 22 de junho de 2011

Figura Gigante e reflexão sobre o valor do Homem

O livro Figura Gigante, de Nico Orengo (Lisboa, Quetzal Editores, 1987) conta a história dos dois irmãos italianos Ugo (1876-1916) e Antonio Battista (f.1914), que no início do século XX fizeram as delícias dos públicos ignorantes, irracionais e curiosos e a fortuna dos oportunistas que souberam explorar o seu valor financeiro. De facto, tiveram a desdita de nascer gigantes; e numa época em que a diferença parecia ser ou degeneração ou espectáculo. Ugo Battista, descoberto por um empresário, exibia o seu gigantismo, por vezes acompanhado de anões, fazendo sucesso em Paris. "...o empresário era um comerciante de cerveja antes de ser um empresário de atracções. Até àquele momento tivera um chimpanzé, um anão e um malabarista. O chimpanzé morrera de febre em Cannes, o anão fugira com um Lorde inglês, o malabarista, por amor, começara a beber vinho e já não conseguia apanhar um único anel. O empresário vira o seu sonho ruir diante das fraquezas humanas." (p.17) No entanto, apareceram-lhe os dois rapazes, como por milagre. Ugo Battista não tardou a envolver um irmão, também gigante (Antonio), nesse modo de vida. Ugo ainda conseguirá trabalhar em Nova Iorque, mas o irmão morre-lhe em 1914. Para trás ficava a terra de que sempre terá saudades - Vinadio. O público atraído pela invulgar estatura de Ugo, acorre a vê-lo. É uma figura fascinante, cuja morte, com uma persistente frieza, alguns cirurgiões - mais ou menos autorizados a sê-lo - vão aguardando para se poderem apoderar do cadáver e dos seus segredos. O gigantismo de Battista e de seu irmão, naturalmente encarado na terra em que nasceram, torna-se na sua única característica face às plateias: nada mais têm, nem pensamentos nem ódios nem afectos, são apenas gigantes. "Em Roviera, na terceira classe da escola primária, a professora mostrara as figuras de todos os mamíferos do Universo. O maior de todos chamava-se Baleia. Ugo desenhara-a no quadro com o dorso alto e forte e dissera: «Grande como é, não deve ter medo de ninguém». Também ele, naquela altura, não tinha medo de ninguém. (...) Agora, vinte e nove anos volvidos, tinha medo de todos e sentia-se sem força. Parecia-lhe ser uma velha baleia arrastada para uma praça, debaixo dos olhos de demasiada gente" (p.21). Não era, porém, a única atracção: "No mundo, para além dos Gigantes, existiam homens-animais: como Zip, o Macaco-humano, rapazes com cara de cão, como Jo-Jo; Homens-cobra e Homens-lagarto; Grace McDaniels, a Mulher-mula e John Merrick, o Homem-elefante" (p.34). Ugo Battista acabará por morrer nos EUA, um tanto ingloriamente e sem regressar à sua terra. A leitura deste livro, mais próximo, no estilo, da Literatura do que da História, fez-nos lembrar o que há poucos dias escrevemos sobre o Perdidos na Tribo. Poderíamos referir igualmente as diversas modalidades de Big Brother que já passaram na televisão ou ainda o Peso Pesado. Passaram 100 anos sobre as exibições dos irmãos Battista (referimos só este exemplo) e continuamos a dar audiência a estes espectáculos de degradação humana que nos oferecem as televisões. De que servirá combater a barbárie da tourada, se as pessoas ainda se deixam explorar da mesma forma - quer assumindo a posição de títeres anormais, quer deslumbrando-se com diferenças facilmente explicáveis pela Ciência? A Biologia e a Medicina, felizmente, já conseguem explicar o gigantismo dos Battista, tal como a obesidade dos concorrentes do Peso Pesado. A Antropologia e a História disponibilizam muitos milhões de quilómentros de prateleiras com monografias que igualmente explicam as culturas de quaisquer povos, por muito isolados que vivam (caso do Perdidos na Tribo). Se a informação já existe e se é livremente consultável, não conseguimos perceber a razão pela qual persiste o fascínio degradante pelas diferenças, quer culturais, quer físicas dos Seres Humanos. Ser Homem é precisamente ser único dentro de uma espécie igual, ser diferente numa pátria comum. É, pois, necessário que as pessoas decidam alargar os seus horizontes mentais - começando pelas televisões e terminando na população - para que percebam que se anda a tratar com excepção aquilo que constitui a nossa regra.

domingo, 19 de junho de 2011

O Castelo de Cartas, de Chardin


Na imagem, quadro de Jean Baptiste Simeon Chardin (1699-1779), O Castelo de Cartas, óleo sobre tela, 60x72 cm, National Gallery of London, 1736-37. Natural de Paris, onde também faleceu, Chardin pintou naturezas-mortas e cenas da vida quotidiana. Os temas do dia-a-dia e o tratamento das cores, que compõem o intimismo dos interiores domésticos, recordam Vermeer (1632-1675). Quadros como o que aqui se reproduz, podem, pelo seu realismo, conter boas informações para a concretização de outras fontes que sejam menos claras e menos visualizáveis. A imagem vem da Web Gallery of Art: http://www.wga.hu/.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

III Encontros de História das Ciências

ENCONTROS DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA – CEHFCi

FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO: 2011

III Encontros de História da Ciência – Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência

FUNDAÇÃO LUSO-AMERICANA
RUA SACRAMENTO À LAPA, 21
4, 5, 6, 7 e 8 JULHO de 2011

Coordenação Científica: Clara Pinto Correia e Maria de Fátima Nunes

Estes III Encontros de História da Ciência organizados pelo CEHFCi na Fundação Luso Americana inserem-se na prática institucional de divulgar a actividade de uma unidade de investigação financiada pela Fundação de Ciência e Tecnologia. Está em causa uma mostra significativa do trabalho científico em que investigadores integrados e estudantes de doutoramento e mestrado se encontram envolvidos.

Assim, os III Encontros são um pretexto para um conjunto de sessões de trabalho centradas nos eixos estratégicos que temos em curso, sob a designação de PHYSIS: neles convergem as três grandes linhas de desenvolvimento científico em curso. São elas a História e Filosofia da Ciência, e esta em articulação com Educação de Ciência, e com a Museologia e Património Científico.

Desta forma, graças à hospitalidade institucional da FLAD, podemos durante uma semana, ao final de tarde e sob a luz única do Tejo, divulgar e debater o trabalho de investigação em curso na unidade, através de diferentes foci de amostragem, numa estreita interacção entre investigadores seniores e os alunos de estudos graduados associados ao CEHFCi.

PROGRAMA

04 de Julho (17h–20h)
Sessão 1 : História da Ciência – Biologia:
Luís Carvalho (Instituto Politécnico Beja – CEHFCi) - Contexto CEHFCi: História da Biologia e História da Ciência
Moderação – Elisabete Pereira (doutoranda em História e Filosofia da Ciência; CEHFCi)
Oradores:
Clara Pinto Correia (Resarch Scholard Dep. Biology AMHERST College, USA; CEHFCi) - História do Pensamento Biológico na Literatura de Viagem : o século XIV e os itinerários de Mandeville através da Terra redonda.

Coffee Break (18h30m - 19h)

João Monteiro (CIBIO - Universidade do Porto) - Aperfeiçoar a Espécie Humana: a influência portuguesa nas ideias melhoristas do médico francês Vandermonde

05 de Julho (17h–20h)
Sessão 2: Educação de Ciência: benefícios do recurso à cultura da experimentação
António Neto (Universidade de Évora: Dep. Ciências Educação; CEHFCi) - Contexto CEHFCi: História da Ciência e Educação de Ciência
Moderação – Isabel Cruz (doutoramento de História e Filosofia da Ciência)
Oradores:
Mariana Valente (Universidade de Évora : Dep. Física ; CEHFCi) - Culturas experimentais na História da Ciência e do Ensino das Ciências - da Natureza aos Objectos, dos Objectos aos Experimentos, dos Experimentos às Experiências de aprendizagem

Coffee Break (18h30m - 19h)

Nazaré Caldeira (Mestre em Física, especialidade em Ensino, Professora na EB23 André de Resende-Évora) - "A Experiência de Oersted no Ensino da Física: Contributos da História e Filosofia da Ciência para a sua valorização didáctica"


06 de Julho (17h–20 h)
Sessão 3 : Sessão 3: História das Ciências da Saúde no Portugal Contemporâneo
Maria de Fátima Nunes (Universidade de Évora : Dep. História; CEHFCi) - Contexto CEHFCi: História da Ciência no século XX
Moderador: Quintino Lopes (Doutorando em História e Filosofia da Ciência; CEHFCi)
Oradores:
Madalena Esperança Pina (Faculdade Ciências Médicas_UNL; CEHFCi) - A Colina da Saúde em Lisboa: Redes de Ciência.

Coffee Break (18h30m - 19h)

Alexandra Marques (Doutoranda em História e Filosofia da Ciência; CEHFci) - O Instituo Bacteriológico Câmara Pestana e o Combate à Raiva


07 de Julho (17h–20 h)
Sessão 4 : A importância da Museologia na História da Ciência
João Brigola (Universidade de Évora : Dep. História; CEHFCi) - Contexto CEHFCi: História da Ciência e Museologia
Moderador: Henrique Coutinho Gouveia (CEHFCi)
Oradores:
José Manuel Brandão (CEHFCi) - Herança histórico-científica do Museu Nacional de Lisboa (Mineralogia e Geologia)

Coffee Break (18h30m - 19h)

Luís Ceríaco (Doutorando em História e Filosofia da Ciência; CEHFCi) - Colecções zoológicas. A importância dos museus para o desenvolvimento da zoologia em Portugal (XVIII_XX)


08 de Julho (17h–20 h)
Sessão 5 : História e Filosofia da Ciência e CEHFCi - Sessão final
Augusto Fitas (Universidade de Évora: Dep. Física; CEHFCi) - A Academia de Berlim, palco no século XVIII de uma disputa em torno do Princípio da Menor Acção
Moderação e apresentação: Clara Pinto Correia

Coffee Break (18h30m - 19h)

Sessão de Encerramento

sábado, 11 de junho de 2011

Darwinismo na Literatura I


O conto “A Máquina do Tempo” (1), do autor britânico H. G. Wells (1866-1946), tem início com um debate filosófico entre uma personagem cujo nome não é revelado, sendo apenas conhecido como o viajante do tempo, e os seus convidados. Discursam sobre as três dimensões que os rodeiam – comprimento, largura e espessura – e sobre uma quarta, o tempo. Esta conversa serve de mote para a pergunta lançada pelo anfitrião: crêem os convidados na possibilidade de viajar no tempo? Perante a questão levantada, a audiência responde com um acentuado cepticismo.

Na semana seguinte a casa do viajante do tempo recebe novamente convidados para um jantar mas, uma vez que o proprietário tarda a aparecer, os presentes iniciam a refeição. Entretanto, chega o anfitrião, ferido, a coxear, cansado e esfomeado. Curiosos, os convidados, que já estavam à mesa, quiseram saber o que se tinha passado, mas primeiro o viajante alimenta-se e, só depois, dirige-se para a poltrona e descreve o que acontecera: finalmente, tinha terminado a construção da sua máquina do tempo e viajara milhares de anos para o futuro. Aí, conhecera uma nova espécie humana, muito mais bonita e alegre, mas que revelava poucos traços de inteligência e um acentuado medo do escuro. Esta era a raça dos Elóis que habitava uma paisagem idílica, num colossal jardim sem ervas daninhas, com plantas de uma incrível beleza, e com frutos suculentos dos quais se alimentava, era uma natureza que havia sido aperfeiçoada pelo homem, no passado, com recurso à tecnologia.

No entanto, esta espécie humana não vive sozinha, e cedo o viajante encontra uma raça antagónica constituída por criaturas horrendas, que receiam a luz e vivem nas trevas do subsolo – era a raça dos Morlocks.

Ao longo do conto, a personagem principal vai reflectindo sobre como estas duas espécies se teriam originado, concluindo, com base na teoria evolucionista proposta pelo naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882), que ambas teriam tido um ancestral comum (o homem moderno), e que devido às condições sociais que se viviam no século XIX (estas condições corresponderiam à pressão selectiva) a classe trabalhadora ficou isolada da classe alta – os trabalhadores passaram a viver nas fábricas do subsolo, enquanto os ricos habitavam a superfície da Terra, onde existiam jardins melhorados através da tecnologia - levando a um acentuado acumular de diferenças, acabando por originar, com o tempo, duas espécies diferentes: “Gradualmente, a verdade fez-se luz: o Homem não permanecera uma espécie única, mas diferenciara-se em dois ramos distintos (…)”(2). Mas se dúvidas houvesse quanto à influência darwinista na obra de Wells, dissipar-se-iam ao ler a secção em que o autor comenta que “(…) pessoas pouco familiarizadas com especulações como as do jovem Darwin (…)” esquecer-se-iam de explicações da física do sistema solar, ou seja, o autor afirma que desconhecer as ideias de Darwin é também desconhecer outras ideias científicas (no caso, a Física) que estavam em voga na época, atribuindo ao Darwinismo uma enorme importância para a compreensão dos fenómenos naturais que nos rodeiam.

(1) Outras obras do mesmo autor são "O Homem Invisível" e "A Guerra dos Mundos".
(2) H. G. Wells, “A Máquina do Tempo”, pp. 102-103

Bibliografia:
H. G. Wells, A Máquina do Tempo, editorial estúdios cor, tradução Rosa Canelas

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A Falta de Tempo na Sociedade


No livro “O Vendedor de Tempo”, o autor, Fernando Trías de Bes, conta a estória de como a personagem principal, de nome TC (Tipo Comum), criou o negócio perfeito vendendo o produto que todas as pessoas necessitam e mais desejam: Tempo. O objectivo deste negócio era facturar o suficiente para posteriormente investir no seu maior sonho, estudar as formigas-de-cabeça-vermelha.

TC era um homem adulto (cerca de 40 anos), casado, com dois filhos, com um trabalho pouco entusiasmante, uma hipoteca da casa que demoraria ainda mais 35 anos a ser paga e sem tempo livre (ou seja, um tipo comum, fazendo justiça ao nome). O livro relata as peripécias que TC vive para que aceitem a sua ideia de vender frascos com 5 minutos de tempo, e para patentear a invenção. Após muito custo, consegue obter o que pretendia e inicia o seu negócio que se torna rapidamente num sucesso, contra todas as expectativas. As pessoas aderem facilmente à ideia porque, de facto, possuem falta de tempo, e as empresas até aceitam bem a utilização do produto no local de trabalho pois isso leva à felicidade dos funcionários, a um maior bem-estar, e, consequentemente, a um menor número de faltas por doença e a um maior aumento de produtividade. Os problemas surgem quando TC decide vender cubos com 1 semana de tempo, o que leva a problemas extremamente graves para a economia do país. Posto isto, perguntas como “o que acontecerá se vender ainda mais tempo?” e “quais as possíveis soluções para os problemas que vão surgindo?” são tratadas ao longo da obra.

Este livro, mais do que um texto sobre a relação entre a Gestão e o Tempo, é um ensaio sociológico sobre a importância do Tempo, de como este deve ser valorizado pela sociedade, assim como também explica como funciona a relação entre indivíduos, sociedade, empresas e economia. Trata-se de um livro que, com um inteligente sentido de humor, aborda uma temática séria embora pouco debatida na sociedade.
Bibliografia:
Fernando Trías de Bes, “O Vendedor de Tempo – Uma sátira ao sistema económico”, Pergaminho, Cascais, 2005

A mudança na vida e nas empresas

“Quem Mexeu no Meu Queijo?” é o best-seller de gestão, da autoria de Dr. Spencer Johnson. O livro está dividido em três partes: o reencontro de alguns colegas de liceu, que serve de introdução; a estória de “Quem mexeu no meu queijo?”, a secção principal da obra; e o debate que os colegas com base na estória previamente contada, que corresponde ao sumário das ideias apresentadas, portanto a parte reflexiva, em jeito de conclusão.

Através de uma fábula, o autor conta a história de quatro personagens com personalidades muito diferentes, dois ratos e dois humanos minúsculos, que vivem felizes num labirinto até ao momento em que o Queijo, que é a base do seu sustento, desaparece. Este é um livro do qual podemos retirar ensinamentos através de metáforas, e os nomes das personagens não são excepção: o rato Fungadela apercebe o cheiro da mudança, o rato Correria é activo e pretende acompanhar rapidamente as mudanças, o humano Pigarro resiste às novidades e critica-as (comportamento semelhante ao do Velho do Restelo) e o humano Gaguinho esforça-se por se adaptar a novas situações. Assim, quando as quatro personagens se apercebem que o queijo desapareceu, têm diferentes reacções. Os ratos vão à procura de um novo queijo, enquanto os humanos ficam a lamentar-se. No entanto, cedo o Gaguinho apercebe-se que as lamentações não o levam a lugar algum e toma a iniciativa de também ele procurar um novo queijo, não se deixando tomar pelo medo e arrisca num novo percurso de vida. Pelo contrário, Pigarro só se lamenta, queixando-se da desgraça, e da negra realidade que se abateu sobre a sociedade. Ao longo da estória conhece-se o percurso tomado por estas duas últimas personagens, em que Gaguinho acaba por conseguir atingir os seus novos objectivos, enquanto o Pigarro, sempre a lamentar-se das desgraças e não acreditando que a mudança pode trazer novas oportunidades, não sairá do mesmo sítio.

Aqui, o labirinto representa a nossa vida, o queijo simboliza aquilo que nos é importante e a que já estamos habituados (um trabalho, um negócio, uma família, condições de vida estáveis, etc.), o desaparecimento do queijo indica a mudança, e as quatro personagens revelam quais as quatro atitudes que escolhemos ter quando as mudanças ocorrem na nossa vida – e vão ocorrer de certeza, porque a mudança é algo natural, parte integrante da realidade. Ou seja, por muito que queiramos não conseguiremos evitar mudanças, mas podemos escolher qual a nossa postura, a nossa reacção face a essas alterações. A melhor escolha, parece-me, é tentar dar a volta por cima, e “procurar um novo queijo”.

Bibliografia:
Dr. Spencer Johnson, “Quem Mexeu no Meu Queijo? – Como lidar com a mudança no seu trabalho e na sua vida”, 3ª edição, Gestão Plus, Lisboa, 2011

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Os Fabulosos Grant: A Selecção Natural e a Especiação



No passado Sábado passado tive ocasião de assistir uma vez mais a uma excelente palestra de Peter e Rosemary Grant, desta feita na Fundação de Serralves, no Porto (evento organizado pelo CIBIO-UP no âmbito da exposição 'A Evolução de Darwin'). Este casal de investigadores ingleses, professores da Universidade de Princeton nos EUA, ficarão para sempre associados ao estudo dos tentilhões de Darwin, os interessantes tentilhões das Ilhas Galápagos. E esse lugar na história da ciência é bem merecido.








Desde a década de 70 do século passado, ano após ano, o casal muda-se para a pequena ilha desértica Daphne Maior durante vários meses. Aí, seguiram ao pormenor as populações de três das catorze espécies de tentilhões que povoam este arquipélago, capturando e anilhando milhares de indivíduos, medindo-os e retirando amostras de sangue que permitiram fazer um seguimento fisiológico e genético destes pequenos pássaros. Com este estudo detalhado puderam verificar a acção “em directo” da selecção natural, devida às brutais variações climáticas que sofrem estas ilhas, principalmente no que diz respeito à pluviosidade.



Em 1977, por influência do El Niño, a ilha sofreu uma seca extrema e 80% da população de tentilhões desapareceu. Que indivíduos é que sobreviveram? Aqueles que tinham o bico maior, mais forte, que lhes permitia quebrar os duros frutos da planta do género Tribolium e chegar às suas sementes, o único alimento disponível. Estes investigadores assistiram em poucos anos, à mudança de morfologia na população de Geospiza scandens nesta ilha. Alguns anos mais tarde, em 1984-85 a intensa pluviosidade levou de novo a uma mudança extraordinária na flora da ilha, a ponto de os tão típicos cactos ficarem imersos em trepadeiras. Nesta ocasião, a acção da selecção natural levou a um processo inverso: desta vez, tinham vantagem os pássaros com o bico mais pequeno que podiam aproveitar todas as pequenas sementes das plantas que floresceram com a chuva…e de novo, a morfologia da espécie mudou nas gerações seguintes.



Esta parte da história é possivelmente já bem conhecida por muitos leitores deste blog. Um pouco menos conhecida será a respeitante aos trabalhos que têm desenvolvido nos últimos anos a respeito dos processos de especiação que parecem estar a ter lugar nesta pequena ilha.



Em Daphne Maior existem três espécies de tentilhões: Geospiza scandens, Geospiza fortis (tentilhão-terrestre-de-bico-médio) e, chegada mais recentemente, Geospiza magnirostris (tentilhão-terrestre-de-bico-grande). G. magnirostris destaca-se bem das outras duas pelo seu tamanho (pesa cerca de mais 10 gr em média). G. scandens e G. fortis têm tamanho (aproximadamente 20 gr) e aspectos similares, mas variam na forma e tamanho do seu bico.











Para além disso, os machos das três espécies cantam canções completamente diferentes. Estes investigadores puderam verificar que G. scandens e G. fortis mantinham o isolamento reprodutivo com um bom reconhecimento específico tanto a nível da morfologia como da canção. Durante vários anos, não foram encontrados híbridos destas duas espécies. As poucas excepções de hibridação davam-se quando uma cria macho aprendia, por engano, a canção de outra espécie (por exemplo, se o seu pai falecesse e ela ouvisse a canção de um “pai vizinho”). Este macho iria crescer a cantar a canção errada e portanto poderia acasalar com uma fêmea de outra espécie. Ainda assim, na maior parte dos casos, estes machos eram atacados pelos outros (da espécie “verdadeira”) quando cantavam, não chegando a reproduzir-se.



Mas houve uma excepção! Há alguns anos, os Grant detectaram um novo indivíduo, não marcado, com características diferentes: era maior que um G. scandens ou G. fortis, mas não tão grande como um G. magnirostris; todo negro; e cantava uma canção completamente nova. Como todos os indivíduos da ilha estavam marcados e os seus marcadores genéticos tinham sido analisados, “facilmente” foi possível comprar este desconhecido com o resto da população. Seria ele um emigrante de outra ilha? Não. Verificaram que este era um híbrido entre G. scandens ou G. fortis, maior, mais forte, com uma nova canção e com hábitos alimentares absolutamente generalistas. Tudo indicava ser um caso de ‘vigor híbrido’. Mas seria ele capaz de se reproduzir? Pois parece que sim. Agora, após sete gerações seguidas atentamente pelos investigadores e a sua equipa, tudo indica que este indivíduo deu origem a uma nova linhagem, quiçá uma nova espécie! Após um primeiro retrocruzamento (backcross) com uma das espécies parentais, a descendência tem vindo a acasalar entre si, dando indicação da existência de isolamento reprodutivo em relação às espécies parentais. Um caso raro de especiação por fusão (em vez de fissão).



E isto leva rapidamente à pergunta: mas então se duas espécies hibridaram não são “verdadeiras espécies”, não é? E aí entra a complicada explicação de “o que é uma espécie”? Nós temos tendência a querer ter o conhecimento bem organizadinho e ordenado em categorias fáceis de identificar. E o esforço na definição de espécie é um belo exemplo disso. Mas, na verdade, a natureza não é organizada e ordenada, mais bem o contrário. Então, não faz sentido falar em espécie como categoria? Faz. Os seres vivos, na sua maioria, parecem discriminar entidades que grosso modo coincidem com o nosso conceito de espécie mais comum: populações de indivíduos semelhantes que estão reprodutivamente isoladas de outras populações. No entanto, há excepções a esta norma e as excepções são bem-vindas porque são elas próprias sinais da evolução! As espécies, e as populações que as constituem, não são entidades estáticas. Se o fossem, não existiria evolução. E, como Peter Grant bem explicou no Sábado, seria uma simplificação brutal deixar de chamar “espécie” a muitos grupos em que se verificou fenómenos de hibridação; seria até um desrespeito pela sua história e complexidade evolutiva. E eu estou plenamente de acordo com a sua resposta.



Bravo!



Se quiser descobrir mais detalhes, consulte:

Evolution of character displacement in Darwin's finches

Fission and fusion of Darwin's finches populations

The secondary contact phase of allopatric speciation in Darwin's finches

Songs of Darwin's finches diverge when a new species enters the community

domingo, 5 de junho de 2011

Breve comentário sobre o programa "Perdidos na Tribo"

Na revista TV do passado 6 de Maio de 2011, que sai com o Correio da Manhã, dizia-se: “Durante três semanas, doze figuras públicas são enviadas para alguns dos locais mais remotos do Mundo e inseridas em três tribos com tradições e costumes completamente diferentes. Longe da civilização, os famosos têm de seguir o modo de vida dos nativos, o que inclui, entre outras, beber sangue de animais, cobrir o corpo com argila e fazer a higiene com cinzas de ervas queimadas. O enorme choque cultural gera situações curiosas e até hilariantes, que pretendem cativar os telespectadores. É precisamente esse o objectivo de “Perdidos na Tribo”, o novo reality show que a TVI estreia este domingo (8 de Maio) à noite, para competir com “Peso Pesado” da SIC. Durante dez semanas, os telespectadores poderão votar na sua tribo favorita por telefone ou SMS. O valor acumulado por cada tribo reverte a favor de uma instituição associada à mesma.” (p.12) São as premissas do programa Perdidos na Tribo que estreou recentemente na TVI. Consistiu, como se verificou, em enviar 12 pessoas famosas, divididas em grupos de 4, para a Namíbia, a Etiópia e as Ilhas Vanuatu, para viverem junto de três povos remotos e, logo, fundamentalmente diferentes dos Ocidentais. Cabe aqui reflectir sobre o interesse que pode ter um programa de televisão assim. Depois de o termos visto, confessamos, ficámos com algumas dúvidas. O programa é decerto interessante por mostrar alguns dos hábitos de outros povos, ainda para mais vivendo num acentuado isolamento que lhes permite ir conservando com assinalável solidez as suas culturas. No entanto, há várias reservas que se podem levantar. Primeiro, enviar um grupo de famosos (actores e figuras do jet 7) é manifestamente um chamariz para audiências. Porque não enviar um grupo de antropólogos, que realmente sabem o que estão a fazer? Bem, nesse caso, converter-se-ia um programa popular num documentário da National Geographic e todos sabem como estes são aborrecidos, porque neles fala-se realmente de Cultura. Em segundo lugar, colocar um grupo de europeus subitamente no meio de uma outra civilização para assistir ao choque cultural (que já se sabe verificar), só por si, parece-nos pobre. Se pusermos um gato doméstico a viver no gelo do Pólo Norte, também sabemos que morrerá de frio, pelo que fazer a experiência não traz interesse maior. Terceiro, nada verdadeiramente aprende o telespectador sobre esses povos, já que a justificação para as suas atitudes nunca é explicada. Porque acreditam naqueles seus deuses? Porque têm rituais mágicos em caso de doença? Porque têm uma alimentação diversa da ocidental? Porque é o seu regime familiar como se vê? Fica uma noção algo vaga do atraso dessas civilizações em relação à nossa. É óbvio que a nível tecnológico os Ocidentais conseguiram uma complexidade incomparável. Mas os Himba, os Hamer e os Nakulamené: que poderiam ensinar-nos sobre a relação entre os Homens e a Natureza, hoje por cá muito esquecida? Não há, pois, fórmula simples que conduza à verdade em matéria cultural. Infelizmente, este programa parece ter tido tal sucesso que em Espanha, na Antena 3, já se tenta a modalidade oposta: vêm os indígenas atrasados visitar as nossas cidades avançadas e fazer-nos rir com o seu deslumbramento face à civilização superior. Estas fórmulas televisivas explicam-se fundamentalmente pela falta de princípios a que conduz a ambição descabelada das televisões, actualmente. Haverá limites para a torpeza com que todos os dias os canais insultam a inteligência da população?