sábado, 30 de outubro de 2010

Sobre a Economia Portuguesa

Muito se tem discutido nas últimas semanas sobre a economia portuguesa e as finanças públicas, a propósito do Orçamento de Estado para o ano de 2011. Uns defendem que o orçamento deve ser aprovado, outros que deve ser chumbado; alguns clamam pela intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI), outros nem querem ouvir falar dessa hipótese; a culpa do estado das contas públicas é das décadas de governação do Partido Socialista (PS), segundo alguns, mas o Partido Social Democrata (PSD) também tem responsabilidade, acusam outros. Muito a opinião pública se tem manifestado, mas falará com conhecimento de causa?

Para uma discussão séria, as pessoas devem estar minimamente informadas e, por essa razão, divulgo livro Economia Portuguesa – As últimas décadas, da autoria do historiador Luciano Amaral, numa edição conjunta da Fundação Francisco Manuel dos Santos e da Relógio d’Água Editores.

O livro encontra-se dividido em duas partes. A primeira parte realiza uma contextualização histórica, analisando a evolução da economia portuguesa desde os anos '50 até aos dias de hoje, ou seja, relembra o panorama dos anos de ditadura, contextualiza o período de revolução, e analisa os anos seguintes, referindo as duas vezes em que o FMI esteve em Portugal (1978-1979) e (1983-1985); é, portanto, esta informação histórica que nos permitirá compreender como chegámos ao estado actual. Na segunda parte são analisados dois temas em particular: o Estado-Providência e o Crescimento Económico. O Estado-Providência, uma das mais importantes realizações a nível político, social e económico da democracia em Portugal, só foi conseguido após a denominada Revolução dos Cravos. Se bem que tenha elevados custos financeiros, também trouxe melhores condições para a vida dos cidadãos de Portugal, resultando de mais investimento da parte do Estado, particularmente na Saúde e na Educação: hoje em dia, estas duas áreas em conjunto assimilam cerca de 14% do PIB nacional. Relembre-se ainda a importância da criação do Serviço Nacional de Saúde em 1979 e as melhorias que trouxe para a Saúde Pública, como a diminuição da mortalidade infantil e o aumento da esperança média de vida, por exemplo. Quanto ao crescimento económico, é estudado o modo como o mercado de trabalho e a educação podem influenciar a economia e reflecte-se sobre a importância de cada um destes factores.

Após a leitura deste breve livro, qualquer cidadão terá mais bases sustentáveis de argumentação, falando com conhecimento de causa. Será também um bom princípio para se aventurar noutras leituras complementares, uma vez que esta obra, embora completa, é dirigida a um público alargado, sendo um bom livro de divulgação, sem grandes preciosismos académicos. Pode ser encontrado em livrarias e nalguns estabelecimentos comerciais, como o Pingo Doce.

Sobre o autor:
Luciano Amaral (Porto, 1965) é licenciado em História pela Universidade Nova de Lisboa e doutorado em História da Civilização pelo Instituto Universitário Europeu de Florença, especializado em História Económica. É docente na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa e colunista em jornais.

Bibliografia:
Luciano Amaral, Economia Portuguesa – As últimas décadas, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos & Relógio d’Água Editores, 2010

sábado, 16 de outubro de 2010

Júlio Carrapato - Sobre a importância da Reflexão

E sempre que falte aos investigadores a probidade do crítico e a seriedade do pensador, todas as démarches feitas no sentido da verdade resultarão infrutíferas”(1).

Esta afirmação do advogado, publicista e ensaísta algarvio Júlio Carrapato (1919-1985), leva-nos a meditar sobre a importância da constante reflexão por parte de um investigador. Lembra-nos que um trabalho de pesquisa, qualquer que seja a temática de estudo, não passa apenas pela recolha de informação, mas de igual modo pela assimilação dos conteúdos, análise e sentido crítico.
Este foi um dos primeiros ensaios escritos pelo autor, ainda com dezoito anos.

(1) – Júlio Carrapato, “O Mistério Camoniano e a «Alma PoéticaLusitana»” (1937), in “Obras (Quase) Completas” (1996).

Bibliografia:
Júlio Filipe de Almeida Carrapato, “Obras (Quase) Completas”, 1º Volume, Algarve em Foco Editora, Faro, 1996

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"A Maravilhosa Aventura da Vida" - Novidades

Informam-se os leitores, que o livro de divulgação científica "A Maravilhosa Aventura da Vida", da autoria da Doutora Clara Pinto Correia, faz parte do Plano Nacional de Leitura. Este livro já fora tratado no nosso blog em Junho do ano passado.
Mais informações, aqui.

Flaubert e a análise do quotidiano

Sobre o autor:
Gustave Flaubert (1821-1880), foi um escritor francês, descendente de uma longa geração de médicos. O seu pai, que era cirurgião, abominava o interesse do seu filho pela literatura, querendo que ele seguisse medicina. Aos dezoito anos enfrentou o seu pai, informando-o que não seguiria a carreira médica. Então o seu progenitor enviou-o para uma escola de direito, curso que Flaubert abandonou, para dedicar-se definitivamente à escrita, atitude que levou o seu pai a considerá-lo um caso perdido. Excelente observador, desde uma tenra idade que tomava apontamentos sobre o comportamento das pessoas, factor essencial para a temática das suas obras. A este propósito, escrevem Henry e Dana Thomas: “Filho de um dissecador de corpos humanos, veio a tornar-se um dissecador de almas humanas”(1). Analisou, retratou e criticou a sociedade do seu tempo, sendo reconhecido pela profundidade das suas análises psicológicas. Como exemplo clássico destas observações, por ser a obra mais polémica naquele período, refere-se o livro “Madame Bovary”, em que Flaubert critica os costumes burgueses. Este é um autor do Realismo, amigo de vultos da literatura francesa como Honoré de Balzac, Victor Hugo, Émile Zola e Guy de Maupassant, entre outros.

A Obra:
A Quasi Edições, que durante quase uma década editou nomes sonantes da literatura, dos clássicos aos contemporâneos, deixou, entre nós, um conjunto de obras de grande valor.
O escritor francês Gustave Flaubert, no conto “Um coração simples”, relata a estória de Felicité, uma mulher bondosa, ingénua, demasiadamente dedicada aos outros, e a quem, ao longo da vida, acontecem sucessivas perdas. Órfã de ambos os pais, cresce a servir em casa de estranhos, tendo uma infância infeliz; apaixona-se, mas é abandonada pelo noivo; vai servir para outra cidade na casa da Sra. Aubian, de quem se torna fiel empregada e amiga dos filhos da patroa, Virginie e Paul; entretanto, o rapaz é enviado para um colégio interno, e a rapariga para um convento de freiras, ficando novamente sozinha; é autorizada a receber a visita de um sobrinho, mas este morre após uma estadia em Cuba; também Virginie acaba por morrer; para compensar a solidão, a patroa permite-lhe que tome conta de um lindo papagaio que lhe faz companhia, mas também este, tempos depois, morre; com o passar dos anos, também a sua patroa acaba por falecer. À medida que se desenrola o enredo, o leitor questionar-se-á se esta mulher, já velha, surda e que tem por única companhia um papagaio empalhado, alguma vez chegará a ser feliz. É um livro que se foca essencialmente na bondade e na perda.

Ainda o mesmo livro inclui um outro conto, “A lenda de S. Julião Hospitaleiro”. Para celebrar o nascimento de Julião, os seus pais deram uma luxuriante festa no castelo em que habitavam, após a qual, cada um dos seus progenitores, individualmente, recebeu uma profecia acerca do seu filho. Um eremita apareceu à sua mãe e profetizou que o seu filho viria a ser um santo, ao seu pai apareceu um cigano que balbuciou palavras imperceptíveis, mas que ele entendeu como glória e felicidade para o petiz. A criança cresce sadia e corajosa, tornando-se um admirável caçador, que mata todos os animais com um prazer bárbaro, até ao momento em que é amaldiçoado por um veado, que o condena a matar os seus progenitores. De regresso a casa, sucedesse-se uma série de eventos, em que, por acidente, Julião quase mata os seus pais em diversas ocasiões. Temendo que a maldição do veado se concretizasse, abandonou o castelo e partiu para outras terras onde conquistou glória e um império. Esta estória é uma reflexão sobre o destino, levando à velha questão grega se existe destino e, caso exista, poderá ser contrariado, ou independentemente das acções de um indivíduo o que está destinado acontecerá?

(1) – Henry Thomas e Dana Lee Thomas, “Vidas de Grandes Romancistas”, p.290.

Bibliografia:
- Gustave Flaubert, “Um coração simples – seguido da Lenda de S. Julião Hospitaleiro”, Quasi edições, Vila Nova de Famalicão, 2008 – tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado.
– Henry Thomas e Dana Lee Thomas, “Vidas de Grandes Romancistas”, Edição Livros do Brasil, Lisboa – tradução de James Amado.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Faleceu a Professora Paula Escarameia (1960-2010)


Faleceu a Professora Paula Escarameia no passado dia 3 de Outubro, vítima de doença prolongada. Licenciada no ano de 1983 em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, com a média de 17 valores – a mais elevada do curso – a jurista que se veio a especializar em Direito Internacional Público, fez o mestrado e doutorou-se em Harvard. Foi docente em várias universidades e, notavelmente, foi “a primeira mulher e portuguesa”, como assinala o site da TSF, a entrar para a Comissão de Direito Internacional da ONU, sendo reeleita em 2007. Numa nota da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a Professora Teresa Pizarro Beleza descreveu deste modo a falecida catedrática: “Às características profissionais de rigor e seriedade, e à sua inteligência invulgar, juntava uma personalidade afável e generosa e uma grande integridade pessoal e académica.” A Professora Paula Escarameia era também membro do Tribunal Permanente de Arbitragem, sediado em Haia. Terá sepultura no cemitério do Alto de S. João, para onde será levada hoje de manhã desde a Igreja de S. João de Deus. Entre as obras que deixou, enumeramos as seguintes:

The Limitations of International Law: the case of East Timor, Harvard Law School, 1986;

Colectânea de Jurisprudência de Direito Internacional, Coimbra, Almedina, 1992;

Formation of Concepts in International Law: subsumption under self-determination in the case of East Timor, Lisboa, Fundação Oriente: Centro de Estudos Orientais, 1993 [trata-se da tese de doutoramento, já publicada na Universidade de Harvard (Cambridge, Massachusets, Harvard University Press, 1988)];

Colectânea de Leis de Direito Internacional, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 1994 [com reedições em 1998 e em 2003];

Reflexões sobre Temas de Direito Internacional Público: Timor, a ONU e o Tribunal Penal Internacional, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2001;
O Direito Internacional Público nos Princípios do Século XXI, Coimbra, Almedina, 2003 [com reedição em 2009];

Para servir as aulas, reuniu ainda os elementos da obra Direito Internacional Público: colectânea de jurisprudência e doutrina para as aulas práticas, Lisboa, 1989-1990.

Fontes:


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Diversos/PAULA_ESCARAMEIA_2010.pdf; a imagem veio do mesmo site (http://www.fd.unl.pt/default.asp#);

Biblioteca Nacional: porbase.bnportugal.pt

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Raul Lino e a Casa do Cipreste



Raul Lino: um arquitecto de formação alemã

Raul Lino nasce em 1879 em Lisboa. O seu pai toma a decisão de inscrevê-lo num colégio em Inglaterra na região de Windsor, aos 10 anos. Inglaterra nestes anos vivia o Domestic Revival assim como o Arts and Crafts, o que, juntamente com o contacto com a arquitectura inglesa, poderá ter influenciado a formação do arquitecto.
Três anos depois, a Alemanha (Imperial) é a escolha seguinte do pai para a formação do seu filho. Deste modo, Lino aprenderia a língua enquanto estudaria na Handwerker und Kunstgewerbeschule, em Hanover. Teve aulas teóricas da Technische Hochschule e aprendeu os ofícios e principios técnicos mais desenvolvidos para se tornar arquitecto. Conheceu Albrecht Haupt, profundo conhecedor da arquitectura portuguesa de quinhentos, que lhe ensinou a olhar para a arquitectura de Portugal. William Morris e John Ruskin eram já nomes populares na Alemanha.
A sua convivência com Haupt durante os dois anos de trabalho no seu atelier deu a Lino uma sólida formação germânica, enriquecida pela leitura de Thoreau e Goethe. Thoreau tem extrema importância na formulação do pensamento de Lino na medida em que este aprende a valorizar o habitat natural do homem que a sociedade industrial ia esquecendo. Também no contexto alemão Lino vai aprender os valores de uma teoria arquitectónica da espacialidade (lançadas por Schmarsow e por Hildbrand no ano de 1893 – chegada de Lino a Alemanha).
Regressa a Portugal em 1897 e encontra um país rural, atrasado em relação à Europa que conheceu. Já prevenido pelo seu mestre, Raul Lino chega ao seu país com um olhar atento e compreensivel, numa tentativa de o reconhecer. Nasce “
a tentativa de recuperar os valores de um habitar, valorizando-os num contexto de um Portugal possível[1].
Inicia a sua vida profissional com encomendas colocadas pelos seus amigos-clientes para a zona de Cascais e Estoril, onde é evidente a marca deixada pelas viagens a Marrocos e ao Alentejo, onde viu a arquitectura portuguesa meridional.
Azulejos, cerâmicas, vitrais, mobiliário e até bordados são áreas que Lino foi desenvolvendo ao longo da sua vida, mostrando assim uma enorme maleabilidade e vontade de integrar a arte na vida humana.



A transição do século e a proposta de Raul Lino

O oitocentismo artístico foi marcado por um forte sentimento pátrio que se reflectiu sobretudo na arquitectura. Caracterizado pelos mais diversos revivalismos, o século XIX vai conhecer nos seus últimos anos uma “
ruptura da civilização[2] (p.507) apoiada por novos instrumentos da Revolução Industrial (telefone, electricidade, motor de explosão, aeroplano, etc). Assim, surge uma nova mentalidade cujas linhas de força apontavam para conceitos como o funcionalismo e a técnica, ambos em confronto com as convenções académicas e a ideia de arte. A engenharia pujante propunha novas técnicas e materiais que valorizavam a operacionalidade. O século XX (primeiras duas décadas) viu-se, por isso, culturalmente dividido entre progressistas apologistas desta nova modernidade e românticos ou culturalistas que a rejeitavam, onde se inseria Lino. A arquitectura vai assim caracterizar-se por um ecletismo resultante de uma sociedade portuguesa financeiramente fraca para banalizar a nova proposta e de uma Academia insegura, que perde forças na transmissão da mensagem da arte como valor espiritual graças ao maquinismo industrial que se vinha impondo na sociedade.
É neste contexto que surge Raul Lino, mais precisamente numa linha de reacção contra a de Ventura Terra, em Lisboa, e Marques da Silva, no Porto. Estes arquitectos distinguem-se de Lino não só pela formação parisiense que tiveram mas também pela proposta pragmática e racional que apresentaram. Com Ventura Terra, a cidade de Lisboa recebe uma série de projectos para equipamentos na área social, da saúde e educação, dotados de um programa técnico e utilitário. Quanto a Marques da Silva, a sua importância para o Porto consiste também num programa para equipar a cidade, nalguns casos assumindo um claro funcionalismo. O concurso realizado para o projecto do pavilhão de Portugal para a Exposição Universal de Paris de 1900 testemunhou o confronto entre os dois arquitectos Lino e Terra. A proposta de Lino apresenta pela primeira vez uma abordagem que se prende a valores nacionais, vencida pela proposta de Ventura Terra.
Raul Lino foge à prática das beax-arts vigente em Portugal e cria uma linha de pensamento “
encarada no contexto da pastoral visão idílica do campo, onde se refugiou o sector mais culto da sociedade portuguesa[3] a geração de 90, composta por nomes como Teixeira de Carvalho, Ribeiro Artur, Pessanha, Fialho, historiadores e críticos de arte que elogiavam e apoiavam o jovem arquitecto. Sobre este sentimento nacionalista já se tinha pronunciado a geração de 70 (Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz, Oliveira Martins e Guerra Junqueiro).
Sustentadas por uma sólida base quinhentista que o seu mestre lhe passara, as ideias de Lino recuavam à matriz arquitectónica do século XVI para encontrar “
numa coerência histórica, nacional e «genuína»[4] a definição de uma «casa portuguesa», que traduzisse o modo de ser e de estar português. Apesar das constantes interpretações que esta ideia teve, como por exemplo a definição de casa portuguesa num contexto nacional ou num contexto de província, Raul Lino procurava materializar, sobretudo em moradias individuais, numa arquitectura moderna, um carácter estético português que atentava àquilo que Portugal tem de característico. Esta ideia é dada por Ana Tostões quanto à côr, luz, clima, materiais típicos de cada região que ajudam a dar esse sentido nacional, enquanto que J. Augusto França encontra cinco pontos na prosposta de Raul Lino: a utilização do alpendre, a cobertura sanqueada e arrematada pelo beiral, a cal branca que revestia toda a cobertura parietal, os vãos evidenciados pela cantaria e o emprego dos azulejos.

A Casa do Cipreste

Em 1912 Raul Lino decide construir a sua própria residência familiar em Sintra, na Calçada de São Pedro.
O terreno irregular e a pique foi fundamental para um projecto sentimentalmente estudado pelo arquitecto, cujas ideias de Thoreau se faziam sentir na escolha de uma construção inserida na Natureza. Esta “
obra de arquitectura doméstica[5] é contida no seu exterior, não perceptivel ao cidadão comum que passeia pela Calçada de São Pedro.
A casa segue a irregularidade do terreno, como uma construção orgânica que se desenvolve conforme os limites naturais. É organizada em torno de um pátio exterior ajardinado que tem um papel nuclear na relação interior-exterior. Esta está patente em elementos interiores exteriorizados (o átrio) e elementos exteriores interiorizados (a varanda), que acentua a procura de um jogo dinâmico entre o homem e a natureza que lhe dá continuidade.











Planta da Casa do Cipreste






A entrada faz-se pela zona oeste, através de escadas que fazem a ligação de cotas entre a rua e o átrio (função de acolher o homem, valoriza-se o acto de entrar em casa-abrigo). Este espaço distribui num primeiro nível para espaços de carácter mais social: sala de jantar, sala de estar e desta para a varanda. A primeira é de planta oval, virada a nordeste, com um pequeno nicho do lado direito onde existe uma lareira. A esta sala têm acesso os serviçais, sendo contíguos os espaços de serviço, a cozinha e a dispensa. De referir ainda a organização dos espaços serviçais em torno de um pequeno pátio exterior a oeste, proporcionando assim iluminação natural a todos eles. Estes espaços têm ainda uma instalação sanitária própria e uma entrada independente.



Sala de jantar


Sala de estar


Sala de estar: pormenor da varanda

Cozinha


A planta da sala de estar desenvolve-se num octógono alongado no qual se abre uma varanda rectangular a sudeste. Esta penetra no pátio exterior, numa relação de intimidade com a natureza.
O átrio faz também ligação às zonas de carácter mais privado através de um corredor de distribuição. Deste tem-se acesso aos quartos, virados a sudeste e com vista sobre o pátio exterior, sendo que o quarto principal está servido por um quarto de vestir que liga à zona de higiene. Esta é composta por três zonas distintas: lavabo, instalações sanitárias e quarto de banho, este último com vista para o pátio.
Uma arcada em L no exterior enquadra o pátio protagonista, sendo rematada pelo atelier do arquitecto, que tem ainda uma entrada pelo exterior. O volume do atelier sofre uma rotação que contrasta com a ortogonalidade da arcada, realçando a clausura do pátio.
















De referir também a relação entre a envolvente natural rude e rochosa com o pátio exterior ajardinado que acentua a relação homem-natureza. Sendo o seu desenho de carácter orgânico, toda a casa é pensada para o homem contemplar a natureza: do pátio exterior, da envolvente natural, e até das vistas que Sintra oferece (serra pontuada por símbolos como o Palácio da Pena ou o Castelo dos Mouros). Alexandre Rey Colaço, um dos seus amigos, defendia que a casa devia fechar-se à rua e abrir-se para o jardim, ideia que Lino veio a utilizar para enaltecer a relação com a natureza. As suas obras têm sempre um carácter islamizante, no qual o Palácio de Sintra tem um papel fundamental, tendo sido este um palácio (de fadas) que conhecera desde sempre. A Casa do Cipreste serve os principais traços de personalidade do artista, a meditação e a independência.



Para ele, como para os seus amigos-clientes, arquitectura não é fachada mas sim um espaço para viver com coisas, com coisas que dimensionam o espaço[6], tais como os objectos que compõem o mundo das artes decorativas que na Casa do Cipreste vão ser evidentemente valorizadas. A sala de jantar é decorada por um enorme painel decorativo de pintura a fresco, com motivos vegetalistas, cujo plano coube ao próprio Raul Lino (foi pintado por um professor da Escola Industrial de Setúbal). Quanto aos azulejos, são sobretudo de padrão (com motivos diversos como espirais e linhas onduladas), coloridos e recortados com o seu próprio desenho na parede, que apesar das reminiscências do passado (possivelmente mudejares) apresentam uma linha moderna (existe uma relação plástica entre a parede e o motivo desenhado, muitas vezes ganhando espessura).
O ambiente é controlado pelas peças decorativas, numa tentativa de dar um sentido de espacialidade e um ritual de vivência.


*


Raul Lino, arquitecto considerado por José Augusto França como arquitecto da geração de 90, inspira-se no século XVI para a procura de uma «Casa Portuguesa» que fizesse juz à maneira de ser e de estar portuguesa, ao qual não é alheia a arquitectura mudejar alentejana. Contra o racionalismo, “
contra o estilo «à antiga portuguesa»” [7] e a favor de um espirito nacional, Lino condensa na sua residência em Sintra todas as experiências e ideias que marcaram o seu pensamento (principalmente até à decada de 1920). Projecto de desenho orgânico que põe em evidência a relação do homem (como indivíduo e não Homem como humanidade) com a natureza, tem sempre em conta a noção de espacialidade e de valores como beleza, nobreza e subtileza, valores que pretendem alcançar a proporção (valor tão caro à arquitectura). As artes decorativas enaltecem o sentido da arte como parte integrante na vida humana, sendo que o azulejo e a pintura a fresco ganham novos contornos no revestimento parietal da Casa do Cipreste.
Cipreste é a árvor
e da solidão, da liberdade, do bem. Raul Lino estava só num mundo artístico que olhava para outras propostas que não a do próprio, que partia à descoberta de uma “Casa Portuguesa”. Contudo, nunca deixou de ser um homem livre, que medita em paz com a natureza. É curioso reparar que a porta de entrada para a residência tem um vitral no qual se pode ler o referido verso: “Se tiveres de sobejo, sê liberal como a tamareira. Se nada tiveres para dar, então sê um azad, ou um homem livre, como o cipreste”. Aqui é possivel entender como Lino se identificava com esta árvore. A acompanhar a representação do cipreste e dos versos, estão dois símbolos que remetem para as ondas luminosas do bem e para o caminho para a perfeição.

[1] Cit. in Almeida, Pedro Vieira; Fernandes, José Manuel – História da Arte Portuguesa. Edições Alfa:1986. Volume 14 (pág. 82)

[2] Cit. in Pereira, Paulo (dir.) – História da Arte Portuguesa. Lisboa: Temas & Debates, 1995, volume 3 (pág. 507)

[3] Cit. in Dalila Rodrigues (coord.), Tostões, Ana – Arte Portguesa: da pré-história ao século XX. Volume 16 (pág.15)
[4] Cit. in França, José-Augusto – História da Arte em Portugal no século XIX. Volume 2. Lisboa: Bertrand 1966 (pág. 160)

[5] Cit. in França, José Augusto – Raul Lino: exposição retrospectiva da sua obra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970 (pág. 90)
[6] Cit. in Carvalho, Manuel Rio – Raul Lino: exposição retrospectiva da sua obra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970 (pág. 198)
[7] Cit. in França, José Augusto – Raul Lino: exposição retrospectiva da sua obra. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970 (pág. 106)

Viva a República!

Hoje, dia 5 de Outubro de 2010, celebra-se o centenário da República Portuguesa.
Viva a República!
Imagem retirada do site da Embaixada de Portugal no Brasil

domingo, 3 de outubro de 2010

Ciclo de Conferências - 100 anos da República

Realizar-se-á, em Outubro, um ciclo de conferências sobre a primeira tentativa de implementação da República em Portugal com o golpe de 31 de Janeiro de 1891.
Esta iniciativa é organizada pelo Instituto de História Contemporânea (IHC) e pela União das Associações de Comércio e Serviços (UACS), e coordenada por Paulo Jorge Fernandes e Daniel Alves, tendo lugar na Sala do Conselho, sede da UACS, Rua Castilho, 14, Lisboa.

Programa:
- Maria Antonieta Cruz, Univ. do Porto, “O Golpe de 31 de Janeito de 1981: uma ousadia breve?” Data: 11 Outubro de 2010, 18h.
- Isabel Corrêa da Silva, ICS, Univ. de Lisboa, “O espelho fraterno: o Brasil no imaginário do 31 de Janeiro” Data: 18 Outubro 2010, 18h.
- Daniel Alves, IHC, FCSH, Univ. Nova de Lisboa, “O «31 de Janeiro» dos lojistas: republicanismo e participação eleitoral do pequeno comércio lisboeta”. Data 25 de Outubro de 2010, 18h.