segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Flaubert e a análise do quotidiano

Sobre o autor:
Gustave Flaubert (1821-1880), foi um escritor francês, descendente de uma longa geração de médicos. O seu pai, que era cirurgião, abominava o interesse do seu filho pela literatura, querendo que ele seguisse medicina. Aos dezoito anos enfrentou o seu pai, informando-o que não seguiria a carreira médica. Então o seu progenitor enviou-o para uma escola de direito, curso que Flaubert abandonou, para dedicar-se definitivamente à escrita, atitude que levou o seu pai a considerá-lo um caso perdido. Excelente observador, desde uma tenra idade que tomava apontamentos sobre o comportamento das pessoas, factor essencial para a temática das suas obras. A este propósito, escrevem Henry e Dana Thomas: “Filho de um dissecador de corpos humanos, veio a tornar-se um dissecador de almas humanas”(1). Analisou, retratou e criticou a sociedade do seu tempo, sendo reconhecido pela profundidade das suas análises psicológicas. Como exemplo clássico destas observações, por ser a obra mais polémica naquele período, refere-se o livro “Madame Bovary”, em que Flaubert critica os costumes burgueses. Este é um autor do Realismo, amigo de vultos da literatura francesa como Honoré de Balzac, Victor Hugo, Émile Zola e Guy de Maupassant, entre outros.

A Obra:
A Quasi Edições, que durante quase uma década editou nomes sonantes da literatura, dos clássicos aos contemporâneos, deixou, entre nós, um conjunto de obras de grande valor.
O escritor francês Gustave Flaubert, no conto “Um coração simples”, relata a estória de Felicité, uma mulher bondosa, ingénua, demasiadamente dedicada aos outros, e a quem, ao longo da vida, acontecem sucessivas perdas. Órfã de ambos os pais, cresce a servir em casa de estranhos, tendo uma infância infeliz; apaixona-se, mas é abandonada pelo noivo; vai servir para outra cidade na casa da Sra. Aubian, de quem se torna fiel empregada e amiga dos filhos da patroa, Virginie e Paul; entretanto, o rapaz é enviado para um colégio interno, e a rapariga para um convento de freiras, ficando novamente sozinha; é autorizada a receber a visita de um sobrinho, mas este morre após uma estadia em Cuba; também Virginie acaba por morrer; para compensar a solidão, a patroa permite-lhe que tome conta de um lindo papagaio que lhe faz companhia, mas também este, tempos depois, morre; com o passar dos anos, também a sua patroa acaba por falecer. À medida que se desenrola o enredo, o leitor questionar-se-á se esta mulher, já velha, surda e que tem por única companhia um papagaio empalhado, alguma vez chegará a ser feliz. É um livro que se foca essencialmente na bondade e na perda.

Ainda o mesmo livro inclui um outro conto, “A lenda de S. Julião Hospitaleiro”. Para celebrar o nascimento de Julião, os seus pais deram uma luxuriante festa no castelo em que habitavam, após a qual, cada um dos seus progenitores, individualmente, recebeu uma profecia acerca do seu filho. Um eremita apareceu à sua mãe e profetizou que o seu filho viria a ser um santo, ao seu pai apareceu um cigano que balbuciou palavras imperceptíveis, mas que ele entendeu como glória e felicidade para o petiz. A criança cresce sadia e corajosa, tornando-se um admirável caçador, que mata todos os animais com um prazer bárbaro, até ao momento em que é amaldiçoado por um veado, que o condena a matar os seus progenitores. De regresso a casa, sucedesse-se uma série de eventos, em que, por acidente, Julião quase mata os seus pais em diversas ocasiões. Temendo que a maldição do veado se concretizasse, abandonou o castelo e partiu para outras terras onde conquistou glória e um império. Esta estória é uma reflexão sobre o destino, levando à velha questão grega se existe destino e, caso exista, poderá ser contrariado, ou independentemente das acções de um indivíduo o que está destinado acontecerá?

(1) – Henry Thomas e Dana Lee Thomas, “Vidas de Grandes Romancistas”, p.290.

Bibliografia:
- Gustave Flaubert, “Um coração simples – seguido da Lenda de S. Julião Hospitaleiro”, Quasi edições, Vila Nova de Famalicão, 2008 – tradução de Maria Emanuel Côrte-Real e Júlio Machado.
– Henry Thomas e Dana Lee Thomas, “Vidas de Grandes Romancistas”, Edição Livros do Brasil, Lisboa – tradução de James Amado.

Sem comentários: