terça-feira, 29 de abril de 2008

BioCafé - Dra. Joana Lobo Antunes


Informam-se todos os interessados, que no dia 30 de Abril de 2008, vai realizar-se mais um BioCafé, organizado pelo BioCEL. A palestra terá lugar na livraria Bulhosa, Campo Grande, nº10-B. A oradora convidada é a Dra. Joana Lobo Antunes com o tema "Fármacos anti-tumorais e outros demónios".
A entrada é livre.
Para Biólogos e não-biólogos.
Mais informações em: www.biocel-lusofona.blogspot.com

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25/04 - O dia que se tornou todos os dias

A 25 de Abril de 1974, um grupo de militares vindo da Escola Prática de Cavalaria de Santarém chegou a Lisboa de madrugada com o objectivo de derrubar o Governo de Marcello Caetano. Face ao natural desmoronar da Ditadura, a revolução fez-se sem sangue e mudou-se o regime político em Portugal, ao fim de mais de 40 anos de oposição democrática. Os anos que se seguiram foram de instablidade política e social, com governos efémeros e descontinuidade nas reformas necessárias a um país livre, mas muito pobre. Só nos anos 80, a partir da primeira maioria de Cavaco Silva (1987), foi possível um duradouro período de tranquilidade. Muito se fez então para tentar compensar as décadas de atraso, de que ainda hoje Portugal se ressente. Entretanto, a entrada na comunidade política de países europeus, os posteriores auxílios financeiros e as reformas que tiveram lugar a um ritmo demasiado veloz, transformaram Portugal num país mais desenvolvido do que alguma vez tinha sido antes. Todavia, em 34 anos, quis-se converter numa sociedade moderna uma sociedade com sérios problemas estruturais, alguns situados antes de 1900. É nossa convicção que a democracia nunca está completamente realizada. Deve exercer-se todos os dias, não só exigindo aos governos as reformas necessárias mas também responsabilizando-se cada cidadão pelo seu âmbito de acção. Porque numa democracia moderna o cidadão já não é um elemento impotente. Com todos os meios legais ao seu dispor, não se espere que os direitos, liberdades e garantias se exerçam só por si. O cidadão também é um centro de decisão e de realização da sociedade. É por isso importante melhorar a nossa educação nas instituições próprias e estimular a curiosidade, a ousadia e o olhar crítico. Um cidadão indiferente é um número.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Ter ou não ter uma filosofia de vida

H.L., um amigo do Armarium Libri, cedeu-nos gentilmente o seguinte texto do seu Diário (8 de Julho de 2007):


"Havia um professor de Filosofia no Secundário (1998-1999) que afirmava não gostar de pessoas que dizem "eu tenho uma filosofia de vida". Durante os anos seguintes, pensei muito naquela frase. A razão é que não conseguia perceber o que é que o professor tinha contra as "filosofias de vida". Actualmente, penso ter entendido as suas razões; tenho uma ideia do que possa ser; ou então, como já me preveniram, estou a ser demasiado benevolente com o professor e a atribuir muita profundidade a uma embirração de passagem. Em todo o caso, boa ou má interpretação tenha feito, vai expor-se. Em duas palavras, a Filosofia é a interrogação racional sobre a Natureza (incluindo o Homem), com o fim de descobrir a causa primeira de todas as coisas, que vai responder sobre a origem e a essência de tudo. Num interessante texto em que compara a Filosofia com a Ciência, diz o Professor Braz Teixeira que a primeira, por meio de sucessivas questões e respostas, conduz à Verdade - um fundamento primeiro que determina não só a racionalidade e unidade do Mundo, mas também a sintonia em que o Homem está com ele, sendo ou não possível que intelectualmente o apreenda. (1) Sempre foi esta a ideia com que fiquei da Filosofia; aliás, a minha interpretação de Braz Teixeira só veio confirmar as minhas suspeitas conceptuais do Secundário. Quanto ao facto de se ter uma filosofia de vida, pessoalmente não vejo inconveniente filosófico. Se a Filosofia busca verdades primeiras que revelam a natureza e a essência das coisas, dizer-se que se tem uma filosofia de vida, significa que tal sujeito, está a procurar-se ao mais profundo nível da sua humanidade, para que possa, no Mundo, agir conforme a sua Natureza, ou, descontente com esta, contrariá-la no que for contrariável e reinventar-se, se de tal for capaz. Talvez o meu professor, que já não era novo, contemplasse com inquietação a falta de Filosofia frequente com que se diz "eu tenho uma filosofia de vida". Talvez um certo cepticismo atinja os filósofos com o andar da idade e estes percebam, com alguma amargura, que uma sociedade demasiado global, liberal e impessoal já não respeita a seriedade e a profundidade de um processo tão rico (e às vezes tão doloroso!) como este perguntar constante de onde veio tudo isto. Gostaria de reencontrar aquele professor, que saía do café pelo fim da tarde, embrulhado num capote e com o guarda-chuva pendurado no braço, e dizer-lhe, com propriedade: "Sr. Professor, eu tenho uma Filosofia de Vida!"


(1) António Braz Teixeira, Sentido e Valor do Direito, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2006, pp.21-23.

sábado, 19 de abril de 2008

Voltaire, história das ciências e o ... LIDL?!

Num artigo intitulado “History of science and historical novels”(1), é comentada a relação existente entre história das ciências e romances ou novelas. O autor do artigo, refere que há cientistas que escrevem com base nas suas experiências em laboratório, designado de “Lablit”(1), e há escritores que olham para obras de historiadores da ciência como ponto de partida, ou inspiração, para romances de ficção. Na realidade há uma procura por romances históricos, mas por vezes faltam factos nestes.
Esta é uma oportunidade para os historiadores da ciência poderem abordar temas estudados, mas agora com recurso à ficção. “Por ser ficção permite explorar assuntos de moralidade e interpretação com uma liberdade normalmente negada aos historiadores”(1).
Em boa verdade, são vários os países com historiadores da ciência, que escrevem romances históricos, e Portugal não é excepção. Um bom exemplo da minha afirmação é a doutora Clara Pinto Correia com inúmeros trabalhos escritos, entre eles obras de divulgação científica e romances. Para o que pretendo expor vou referir duas das suas obras: “Os Mensageiros Secundários” e “A Primeira Luz da Madrugada”.
Em “Os Mensageiros Secundários”, cativante obra que nos prende do início ao fim, Clara Pinto Correia conta-nos a história através de dois narradores complementares, Chuck (personagem principal) e de uma misteriosa personagem que vamos conhecendo à medida que se desenrola o novelo da história. Como fio condutor temos uma investigadora portuguesa, a Ana Maria, que vive nos Estados Unidos da América e está a fazer uma pesquisa sobre descrições de monstros observados no Mundo com base em escritos portugueses do século XVIII. Entre diversos acontecimentos importantes que ocorreram em Portugal nesse século, podemos referir o colossal terramoto de 1755. Tal foi a magnitude deste sismo, que para além de Portugal foi sentido em muitos outros países, até no Norte da Europa. Este evento teve também particular destaque em “Cândido”, uma obra de François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778).
Foi a pesquisar para o seu estudo das teorias da reprodução, “O Ovário de Eva”, que a autora dos “mensageiros” encontrou numa biblioteca referências a relatos de visões de monstros escritos em português do século XVIII, em folhetos anónimos de dez páginas que costumavam ser avidamente lidos pelas massas.
Em “A Primeira Luz da Madrugada”, temos o prazer de reencontrar Ana Maria, que vê-se agora envolta no mito de Ashverus, o judeu errante. Ao ir passear o seu cão na praia encontra cinco indivíduos, aparentemente meros arrumadores do LIDL do Dafundo. Enquanto as personagens aguardam o há muito esperado Segundo Regresso, o leitor é convidado a conhecer a história deste mito e a reencontrar referências a personagens como o homúnculo de Paracelso, Matteo Ricci, Eleazar de Worms e até a criação do Golem de acordo com o misticismo judaico.
Está claro que no caso desta obra, a autora terá recorrido a informação recolhida para os seus trabalhos como “O Ovário de Eva” ou “O Mistério dos Mistérios”.
Tenho assim demonstrado, como de obras de história da ciência podem resultar bons romances com recurso a factos históricos, que contribuem para o enriquecimento cultural de quem tem o prazer de os ler.


(1) Golinsky, J.; “History of Science and Historical Novels”, Isis, 2007, 98:755-759
Bibliografia:

- Voltaire, “Cândido”, Abril Controljornal, Biblioteca Visão, 2000, tradução de Maria Archer

- Clara Pinto Correia, “O Mistério dos Mistérios – Uma história breve das teorias de reprodução animal”, Relógio D’Água Editores, 1999

- Clara Pinto Correia, “Os Mensageiros Secundários”, Relógio D’Água Editores, 2000

- Clara Pinto Correia, “A Primeira Luz da Madrugada”, Oficina do Livro, 2006

Recordando Soeiro Pereira Gomes - autor de "Esteiros" I

Joaquim Soeiro Pereira Gomes, o primeiro de seis filhos, nasceu a 14 de Abril de 1909, em Gestaçô, concelho de Baião e distrito do Porto, numa família da burguesia rural, que aí tinha uma quinta - a Casa do Vilar. Fez os primeiros estudos em Espinho e, a partir de 1920, entrou na Escola Nacional de Agricultura de Coimbra, donde saiu diplomado em 1928. Não tendo conseguido um emprego compatível com o curso (como administrador de explorações rurais ou encarregado de empresas agrícolas) e querendo casar, parte para Catumbela, Angola, respondendo a um anúncio da Companhia Agrícola de Cassequel, em 1930. (Dois anos antes, havia também viajado para Angola o futuro escritor Alves Redol, procurando uma vida melhor.) Porém, o trabalho e os ares de África obrigaram-no a voltar, doente e debilitado, em meados de 1931. Casou ainda nesse ano - com Manuela Câncio Reis -, começando também a trabalhar nos escritórios da Fábrica Cimentos Tejo, em Alhandra, colocado pelo sogro. "Vila de pescadores e camponeses até aos princípios do século XX, tendo o seu núcleo originário fixado no lugar hoje conhecido por Mirante, um morro de onde se goza uma larga vista do Tejo e dos seus mouchões, Alhandra, na década de Trinta, era, sem dúvida, o maior centro industrial do concelho e talvez da região." (1) Além da Fábrica Cimentos Tejo, havia outras indústrias: fiação e tecidos de algodão, cerâmica, fábrica de telha e tijolo, descasque de arroz, surração de peles, oficinas de reparação de máquinas, lavagem, cardação e penteação de lãs... Segundo o Boletim da Junta da Província do Ribatejo, de 1938, a Vila tinha 3471 habitantes, uma estação telégrafo-postal, uma rede urbana de telefone, iluminação pública, uma rede de esgotos e abastecimento por um poço e chafariz. Alhandra estava ligada a Lisboa por carreiras de camioneta e por linha de comboio. Se na Vila havia pobreza, aliás, como por todo o País durante o Estado Novo, havia também as costumadas associações em que a população se junta para se proteger da miséria: Associação do Hospital Civil e Misericórdia, Alhandra Sporting Club, uma delegação do Sindicato dos Descarregadores de Mar e Terra do Distrito de Lisboa, Associação dos Bombeiros Voluntários... (2) Foi neste ambiente, integrados depois em várias actividades culturais da Vila, que os recém-casados passaram a viver.


(1) Soeiro Pereira Gomes - Uma Biografia Literária, Giovanni Ricciardi, 1999, p.44.
(2) Para estas referências, v. idem, pp.45-46.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

A Paleta de Raul Brandão

Raul Brandão (1867-1930), natural da Foz do Douro, é um escritor difícil de classificar. Existe a legítima preocupação de classificar os artistas, pois facilita a organização e a divulgação dos conhecimentos que temos deles. Mas a Arte, como é livre, fica tão imprevisível que às vezes a classificação, como molde, não pode incluir toda a realidade. Raul Brandão, depois dos primeiros estudos, ingressou no Exército em 1888 e veio a reformar-se em major em 1912. Não tinha a vocação das armas, nem ao que parece, a disciplina requerida: as suas sensibilidade e inteligência ligavam-no à criação literária e jornalística, naturalmente avessas à mentalidade militar. Depois da reforma, passava muito tempo na sua quinta da Nespereira, em Guimarães, na companhia das árvores, que reverenciava, dos livros, que o inspiravam, e da esposa - D. Maria Angelina Brandão -, companhia de sempre. Vinha longamente a Lisboa, onde convivia com os artistas do seu tempo: Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, Manuel Mendes... e viajava pelo seu País. Do que viu em alguns desses passeios, escreveu Os Pescadores, um conjunto de paisagens - tão vivas hoje à leitura, como quando Brandão as registou - e de tipos - os pescadores. Os Pescadores são breves retratos da vida na costa portuguesa no início do século XX, tal como Brandão a viu, rica em cores, em trabalho, em perseverança e em sofrimento; na Póvoa de Varzim, em Aveiro, na Nazaré, em Sesimbra, na Costa da Caparica e noutros locais onde havia quem do mar vivia.

"Foz do Douro, Dezembro - 1900

Manhã. O traço do Cabedelo separa o azul do rio do pó verde do mar. O hálito salgado que respiro renova todas as tintas e a Outra Banda, como um biombo verde, emerge no fundo do quadro. Azul - mais azul ainda... Vejo agora que a viração do norte arrasta para o largo os últimos farrapos de neblina, os barcos da sardinha que há mais de um mês largam todas as noites para a pesca. A safra da sardinha começa no mês dos Santos e acaba na Senhora da Guia. O batel, três homens e outras tantas redes. São às centenas, é uma frota que distingo pelas velas para lá do areal e que, no azul desmaiado e na névoa a dissolver-se, parecem suspensos no ar. Todas as tardes entram a barra uns atrás dos outros, em fila, para despejarem nas linguetas viscosas o peixe miúdo que salta aos montões nos cavernames. Duas, três horas... É o momento em que as mulheres saem das tocas: as Bexigas, a Papeira, a Maria da Viela, que passam a vida pelas estradas com a canastra à cabeça e o pé descalço; as matosinheiras, as de Afurada, quase sempre de luto, porque o mar lhes leva os homens e os filhos. Conheço-as todas de pequeno."

Os Pescadores, Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, p.65

domingo, 13 de abril de 2008

História Regional de Portugal - os protagonistas menos visíveis II

No seguimento das considerações anteriores sobre os protagonistas da História Regional, vem a propósito falar de alguns portugueses da Bairrada. "A divisão administrativa que modernamente recebeu o nome de Beira Litoral, proposto já no século passado por Barros Gomes, inclui nas suas sub-regiões uma zona interior, fertilíssima, de pequeno relevo orográfico, limitada a Leste pelo Buçaco; constituem-na, essencialmente, os concelhos de Oliveira do Bairro, Anadia e Mealhada, mas ocupa ainda um pouco dos concelhos de Águeda e de Cantanhede, e uma pequena parcela do concelho de Coimbra, ao Norte, até a povoação de Souselas: a Bairrada." (1) No início do século XX, a Bairrada era uma zona de indústria cerâmica, já que era favorecida pela constituição argilosa do solo; aí se produziam igualmente bons vinhos, fortes, maduros, encorpados, taninosos, que eram exportados com sucesso para África e para o Brasil; nesse tempo, a abundância de pinheiros oferecia matéria-prima ao trabalho de algumas serrações e a oliveira inseria no mercado notáveis azeites. Isto, brevemente, quanto à caracterização física da região. (2) Quanto à sua riqueza humana, a Bairrada foi o local de nascimento e de trabalho de várias gerações de figuras notáveis. Lembremos, por exemplo, o poeta arcádico Francisco Joaquim Bingre (1763-1856), que viajou pela Bairrada, tendo morado em Ílhavo em 1801; o poeta António Feliciano de Castilho (1800-1875), que viveu em Águeda de 1826 a 1834 e escreveu influenciado pelo ambiente bairradino; António de Lima Fragoso (1897-1918), compositor, nascido em Cantanhede, notavelmente dotado, sem, porém, ter tido tempo de amadurecer a sua arte; Tomás da Fonseca (1877-1968), escritor republicano, que percorreu a Bairrada e divulgou um outro artista - o poeta popular Manuel Alves (1843-1901), de Anadia, cujos Versos dum Cavador fez publicar; a escritora e professora Ercília Pinto (1914-1980), que publicou poesia, crónicas, teatro, ensaios. Finalmente, relembramos o Padre Acúrsio Correia da Silva (1889-1925), um homem de ampla cultura, que organizou a Plêiade Bairradina (1918), um grupo cultural que colaborava no semanário Gente Nova e cujas obras literárias pessoais, ao que parece, estão infelizmente perdidas. Muitos mais haveria a recordar, mas receamos não ser aqui o espaço próprio para esse trabalho. Sobre estas e outras figuras da Bairrada, que enriqueceram o património humano da sua terra e de Portugal, existe uma obra recente: Figuras das Letras e Artes na Bairrada, Arsénio Mota, 2001. A ler e a aprofundar, a bem da nossa História.


(1) Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.4, p.17.
(2) Para estas referências, idem, pp.17-18.

sábado, 12 de abril de 2008

História Regional de Portugal - Os protagonistas menos visíveis I

Se a História é o relato fundamentado em provas ou indícios convincentes do passado, é também certo que os factos não ocorrem sem uma origem: pode ser, por exemplo, uma tempestade, gerada pela Natureza, mas pode também ser um facto humano, que só tem lugar porque um Homem agiu de certo modo. À História têm interessado essencialmente os factos humanos. Em Portugal são publicadas todos os anos várias obras que divulgam factos novos ou que colocam outros pontos de vista sobre os mesmos problemas. Porém, a História Regional continua, em geral, mal conhecida. Pode dizer-se que Afonso Costa (1871-1937), político, foi um republicano que influenciou o País em geral, mas o que fazer à memória de homens como António Pinto Rodrigues (1864-1934), de origens alentejanas, oficial do Exército, republicano e Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Portalegre em 1911? (1) É óbvio que um homem que ocupava cargos tão relevantes influenciava a sociedade do seu tempo e, portanto, merece tanto uma referência como Afonso Costa. Ficarmo-nos pelo dito "essencial" da História, pelo elementar, é esquecer que a Memória é a lembrança que devemos não a um grupo restrito de indivíduos, mas a uma sociedade inteira de pessoas que, nas suas vidas, fizeram do nosso País o que ele foi. Além disso, a História de Portugal será sempre desconhecida e incompleta, enquanto não se reunirem todos os factos e protagonistas que em todos os tempos e lugares fizeram este País Total. Neste sentido, é inútil discutir se Afonso Costa foi mais ou menos importante do que António Pinto Rodrigues, pois ambos fizeram parte do mesmo todo e dele são igualmente inseparáveis. Assim, o Armarium Libri pensa que é um serviço que prestam à nossa História aqueles que se têm dedicado à memória das regiões. Porque em História não há personagens principais e secundárias, mas uma comunidade em que uns, por força das circunstâncias, ficaram, para a memória futura, menos visíveis que outros.


(1) António Ventura, A Maçonaria no Distrito de Portalegre, Caleidoscópio, 2007, pp. 142-143

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Novidades no Direito Marítimo Português

No século XV, os portugueses iniciaram um conjunto de viagens marítimas a que se chamou Descobrimentos. Desde então, o mar tem tido uma grande importância para o nosso povo, importância não só funcional, mas também sentimental, já que nos lembra tempos de ousadia heróica e terras e povos a que nos ligámos. O Armarium Libri pensa que a responsabilidade dos portugueses em relação ao mar não terminou nem com a descoberta de novas terras e rotas, nem com a perda das Colónias. Além da preservação do mar e dos seus recursos na exploração económica, é importante sistematizar, explicar e divulgar o Direito Marítimo, âmbito jurídico da organização de boa parte das relações que se estabelecem entre os Homens no contexto do mar. Sente-se, em certa desorganização das leis avulsas, a necessidade de um Código de Direito Marítimo que reúna a mais actual ciência jurídica sobre a matéria, num corpo legislativo uno. Enquanto não houver, porém, um governo que invista neste importante trabalho, devemos reconhecer o esforço da doutrina em divulgar o que a respeito do Direito Marítimo está em vigor em Portugal. Nesse sentido, é de louvar a publicação, pela Editora Almedina, da Colecção Direito Marítimo e dos Transportes. Um dos grandes valores que, actualmente, os portugueses podem acrescentar no âmbito do mar é a contribuição doutrinal jurídica, cujo passado em outras matérias, aliás, também nos não envergonha.
Na Colecção Direito Marítimo e dos Transportes estão já publicados os seguintes volumes:
  • O Ensino do Direito Marítimo - O Soltar das Amarras do Direito da Navegação Marítima, Manuel Januário da Costa Gomes, 2005
  • Seguro Marítimo de Mercadorias - Descrição e Notas ao seu Regime Jurídico, José Miguel de Faria Alves de Brito, 2006
  • A Salvação Marítima, Nuno Aureliano, 2006
  • Poluição Marítima por Hidrocarbonetos e Responsabilidade Civil, Carlos de Oliveira Coelho, 2007 (em torno da Convenção Internacional sobre a responsabilidade pelos prejuízos devidos à poluição por hidrocarbonetos de 29 de Novembro de 1969, revista pelo Protocolo de Londres de 27 de Novembro de 1992)

sábado, 5 de abril de 2008

"O Ovário de Eva" - A obra e a autora


Clara Pinto-Correia, no livro “O Ovário de Eva”, fala-nos de uma das teorias da reprodução, a Preformação, levando-nos numa viagem ao passado de modo a conhecer os intervenientes que defendiam e os que se opunham a esta teoria, juntamente com os seus argumentos.
A Preformação consiste na ideia de que “o organismo primordial já contém dentro de si todos os outros organismos da mesma espécie, perfeitamente preformados, por mais minúsculos que possam ser”.(1)
Foi o fascínio pela beleza desta doutrina, da qual tomou conhecimento através de um livro de embriologia, que terá levado a autora a interessar-se por este tema. Havia também o interesse em tentar compreender “como é que uma teoria tida como ridícula e obscurantista por vários escritores modernos dominaram as ideias da reprodução desenvolvidas durante a Revolução Científica”.(1)
O preformacionismo divide-se em duas vertentes, o ovismo e o espermismo. Os defensores do ovismo defendiam que todas as gerações se encontravam enclausuradas no interior dos ovos, enquanto que os espermistas defendiam que eram os animálculos(2) que continham todas as gerações já preformadas.
Quando há diferentes opiniões para um mesmo tema podemos esperar um entusiasmaste esgrimir de ideias e argumentos, principalmente quando proferidos por pessoas cultas que foram os cientistas que nos antecederam, assim como maravilhosas, e por vezes até mesmo assombrosas, experiências realizadas para tentarem lançar alguma luz sobre esta temática.
Há dois nomes que não posso deixar de mencionar, são eles o de Charles Bonnet que acabou por perder a visão ainda novo em prol do conhecimento científico, e Lazaro Spallanzani pelas suas engenhosas experiências para refutar a teoria da geração espontânea, assim como por demonstrar ser necessário o contacto do esperma com os ovos para que haja fertilização, mesmo que para isso seja necessário vestir rãs com calções.

(1) Conforme o prefácio.
(2) Animálculos era a designação atribuída aos espermatozóides no início das observações microscópicas. O termo espermatozóide apareceu mais tarde.


Sobre a autora:
Clara Pinto Correia licenciou-se em Biologia pela Universidade de Lisboa e doutorou-se pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto. Deslocou-se para os Estados Unidos da América, onde prosseguiu uma carreira universitária e de investigação com um pós-doutoramento na área da clonagem de mamíferos. Foi também aí que realizou uma especialização em História das Ciências, na Universidade de Harvard, sob a orientação de Stephen Jay Gould, da qual resultou o livro “The Ovary of Eve” (Un. Of Chicago Press, 1997).
Actualmente lecciona no curso de Biologia (do qual é coordenadora), na Pós-Graduação em Ciência Biológicas e Sociedade e no Mestrado em Biologia do Desenvolvimento, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.


Versão em Inglês: Clara Pinto-Correia, "The Ovary of Eve - Egg and Sperm and Preformation", Un. of Chicago Press, 1997.


Versão em Portugês: Clara Pinto-Correia, "O Ovário de Eva - Ovo e esperma e Preformação", Relógio d'Água Editores, 1998 - tradução de Miguel D'Abreu.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Pensar - Pessoal e Intransmissível

"Trabalhamos apenas para encher a memória e deixamos vazios o entendimento e a consciência. (...) Sabemos dizer: Cícero diz assim; eis o que fazia Platão; são as próprias palavras de Aristóteles. Mas nós, que dizemos nós próprios? Que pensamos nós, que fazemos nós? Um papagaio poderia fazer o mesmo. (...) Recolhemos as opiniões e o saber dos outros e é tudo. Mas é preciso torná-los nossos. (...) Tanto nos deixamos andar ao colo dos outros que deixamos desvanecer as nossas forças. Quero armar-me contra o terror da morte? Faço-o à custa de Séneca. Quero arranjar consolação para mim ou para outrem? Vou buscá-la a Cícero. Porém, poderia encontrá-la em mim próprio se me tivesse exercitado. Este saber relativo e mendigado não me diz nada. Ainda que pudéssemos ser sábios com a ciência dos outros, só com o nosso próprio pensamento poderemos ser conscientes."

Montaigne, Do Professorado, 1993
Cit. em Marcello Fernandes e Nazaré Barros,
Introdução à Filosofia (10ºano), Lisboa, Lisboa Editora, 1998, p.5