H.L., um amigo do Armarium Libri, cedeu-nos gentilmente o seguinte texto do seu Diário (8 de Julho de 2007):
"Havia um professor de Filosofia no Secundário (1998-1999) que afirmava não gostar de pessoas que dizem "eu tenho uma filosofia de vida". Durante os anos seguintes, pensei muito naquela frase. A razão é que não conseguia perceber o que é que o professor tinha contra as "filosofias de vida". Actualmente, penso ter entendido as suas razões; tenho uma ideia do que possa ser; ou então, como já me preveniram, estou a ser demasiado benevolente com o professor e a atribuir muita profundidade a uma embirração de passagem. Em todo o caso, boa ou má interpretação tenha feito, vai expor-se. Em duas palavras, a Filosofia é a interrogação racional sobre a Natureza (incluindo o Homem), com o fim de descobrir a causa primeira de todas as coisas, que vai responder sobre a origem e a essência de tudo. Num interessante texto em que compara a Filosofia com a Ciência, diz o Professor Braz Teixeira que a primeira, por meio de sucessivas questões e respostas, conduz à Verdade - um fundamento primeiro que determina não só a racionalidade e unidade do Mundo, mas também a sintonia em que o Homem está com ele, sendo ou não possível que intelectualmente o apreenda. (1) Sempre foi esta a ideia com que fiquei da Filosofia; aliás, a minha interpretação de Braz Teixeira só veio confirmar as minhas suspeitas conceptuais do Secundário. Quanto ao facto de se ter uma filosofia de vida, pessoalmente não vejo inconveniente filosófico. Se a Filosofia busca verdades primeiras que revelam a natureza e a essência das coisas, dizer-se que se tem uma filosofia de vida, significa que tal sujeito, está a procurar-se ao mais profundo nível da sua humanidade, para que possa, no Mundo, agir conforme a sua Natureza, ou, descontente com esta, contrariá-la no que for contrariável e reinventar-se, se de tal for capaz. Talvez o meu professor, que já não era novo, contemplasse com inquietação a falta de Filosofia frequente com que se diz "eu tenho uma filosofia de vida". Talvez um certo cepticismo atinja os filósofos com o andar da idade e estes percebam, com alguma amargura, que uma sociedade demasiado global, liberal e impessoal já não respeita a seriedade e a profundidade de um processo tão rico (e às vezes tão doloroso!) como este perguntar constante de onde veio tudo isto. Gostaria de reencontrar aquele professor, que saía do café pelo fim da tarde, embrulhado num capote e com o guarda-chuva pendurado no braço, e dizer-lhe, com propriedade: "Sr. Professor, eu tenho uma Filosofia de Vida!"
(1) António Braz Teixeira, Sentido e Valor do Direito, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2006, pp.21-23.
1 comentário:
Acho que o que deve fazer mais comichão a esse professor de Filosofia não deve ser tanto a expressão "filosofia de vida" mas mais a banalidade com que as pessoas se referem à Filosofia. Até no Facebook, na informação do perfil, há uma secção chamada "Filosofia", o que é um autêntica palhaçada. Só porque tem a ver com o estilo de vida de uma pessoa, não será necessariamente reflectido e desenvolvido para ser considerado filosofia. Dizer que todos são filósofos só porque toda a gente pensa e tem opiniões é como dizer que todos são médicos porque sabem pôr pensos rápidos, mas ninguém se atreve a admitir a segunda hipótese, porque vê-se muito a ciência como autoridade, enquanto as humanidades são um passatempo, e a Filosofia - essa então! - é só para gente maluca. E isto revolta todos os verdadeiros filósofos, que fazem amor casto com Platão todas as noites, e blá blá blá.
Beijinhos, fica bem, Luís. :)
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