quarta-feira, 11 de maio de 2011

A Poesia de João Xavier de Matos (1730-1789)

Na senda de alguns anteriores textos de divulgação, aproveitamos para recordar aqui um poeta português do século XVIII, hoje completamente esquecido. João Xavier de Matos (1730-1789), provavelmente natural de Lisboa, terá estudado ou Leis ou Cânones em Coimbra e foi ouvidor na Vidigueira. Pertenceu à Arcádia Portuense, uma das muitas sociedades literárias aparecidas em Portugal nos séculos XVII e XVIII, com o nome Albano Erythreo. Publicou as suas Rimas em três volumes, reeditados juntos em 1800. Deixam-se dois seus sonetos, muito belos, reforçando a injustiça que constitui o desconhecimento deste autor. (Veja-se em especial o segundo poema, com um tom já romântico, a fazer lembrar o locus horrendus de Bocage.)





1.Eu vi uma pastora em certo dia
Pelas praias do Tejo andar brincando,
Os redondos seixinhos apanhando,
Que no puro regaço recolhia.

Eu vi nela tal graça, que faria
Inveja a quantas há; e o gesto brando
Com que o sereno rosto levantando,
Parece namorava quanto via.

Eu vi o passo airoso, a compostura,
Com que depois me pareceu mais bela,
Guiando os cordeirinhos na espessura.

Eu o digo de todo: vi a Estela.
De graça, de candor, de formusura
Só poderei ver mais tornando a vê-la.





2.Se eu vira num bosque onde não desse
Sinal, vestígio humano de habitado,
De verdenegras ramas tão fechado
Que inda ali de dia anoitecesse;

Se então lá de uma balça ao longe houvesse
Gemendo um mocho, e tudo o mais calado;
Só dentre alguns rochedos pendurado,
Com som medonho, um rio ali corresse;

Enfim num lugar tal onde os meus dias
Consumindo-se fossem na certeza
De não tornarem mais as alegrias;

Faminta ainda a triste natureza,
Cercada ali de tantas agonias,
Nem então se fartara de tristeza.



Fonte: Poesia Portuguesa - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, selecção, organização, introdução e notas de Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto, Porto Editora, 2009, p. 640

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