segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Leitura em Férias I – “A Desilusão de Deus”

Finalmente chegaram as férias e com elas algum tempo livre. Tenho agora disponibilidade horária para retomar a leitura de alguns livros que deixara esquecidos no móvel do quarto, como que em função de standby, à espera que uma pequena abertura na minha agenda me permitisse voltar a dirigir-lhes alguma da minha atenção.
Dos vários livros que trouxe comigo, encontro-me neste momento a ler “A Desilusão de Deus”[1], escrito pelo biólogo americano Richard Dawkins. Sendo o autor um ateu assumido, pretende com este livro transmitir a sua opinião sobre a razão pela qual não crê em qualquer tipo de Deus, nem segue nenhuma religião. Para Dawkins, a sua maior inimiga é a superstição, e defende que o ser-humano devia fazer uso da razão e do espírito crítico no seu quotidiano.
Nesta obra encontramos os seguintes capítulos: 1 – Um descrente fervoroso; 2 – A Hipótese Deus; 3 – Argumentos a favor da existência de Deus; 4 – Por que razão é quase certo que Deus não existe; 5 – As raízes da religião; 6 – As raízes da moralidade: porque somos bons?; 7 – O «bom» livro e as mudanças do Zeitgeist moral; 8 – Qual é o mal da religião? Porquê tanta hostilidade?; 9 – Infância, abusos e fuga à religião; 10 – Uma lacuna muito necessária?
Este é um livro sério, e apesar de ser tendencioso (em defesa do ateísmo), o autor consegue não ser fundamentalista ao longo do seu discurso, e na minha opinião isto é de valor:

“Os fundamentalistas sabem aquilo em que acreditam e sabem também que nada os fará mudar de ideia. A citação de Kurt Wise, na página 341, diz tudo: «...se todas as provas do universo acabassem por contrariar o criacionismo, eu seria o primeiro a admiti-lo, mas continuaria a ser criacionista porque é para aí que a Palavra de Deus parece apontar. Daqui não saio.» [...] Por mais apaixonadamente que possa «acreditar» na evolução, o verdadeiro cientista sabe exactamente o que seria necessário para mudar de ideia: provas. Quando perguntaram a J. B. S. Haldane que provas poderiam contradizer a evolução, este respondeu: «Fósseis de coelho no Pré-Câmbrico.» Permita-se-me que crie também a minha própria versão simétrica do manifesto de Kurt Wise: «Se todas as provas do universo se revelassem a favor do criacionismo, eu seria o primeiro a admiti-lo e imediatamente mudaria de ideia. Contudo, da maneira como as coisas estão, toda a evidência disponível (e ela é abundante) dá razão à evolução. [...]»”[2]

Este livro deve ter tido ainda mais impacto nos Estados Unidos da América, onde se vive um enorme fanatismo religioso (na minha opinião quase doentio em alguns casos), para além dos lobbies que as diversas religiões têm junto dos governantes. Escusado será dizer que nesse contexto social os ateus não são muito bem vistos, naquela que se esperaria ser a nação da liberdade de expressão e da tolerância:

“Hoje em dia, o estatuto dos ateus nos Estados Unidos está ao mesmo nível do dos homossexuais há 50 anos. Agora, depois do movimento do Orgulho Gay, é possível, embora ainda não muito fácil, um homossexual ser eleito para desempenhar cargos públicos. Numa sondagem levada a cabo em 1999 pela Gallup, perguntava-se aos Americanos se votariam numa pessoa bem habilitada e que fosse mulher (95% de respostas afirmativas), católica (94%), judia (92%), negra (92%), mórmon (79%), homossexual (79%), ou ateia (49%). É óbvio que há ainda um longo caminho a percorrer, mas os ateus são bastante mais numerosos, sobretudo entre a elite mais instruída, do que muitos possam pensar.”[3]

Então e o que dizer da resposta de George Bush-pai a um jornalista, quando questionado sobre “se reconhecia como iguais o patriotismo e a cidadania dos americanos ateus: «Não, não acho que os ateus devam ser considerados cidadãos, nem que devam ser considerados patriotas. Esta é uma só nação, sob a protecção de Deus.»”[4]

Ainda na mesma página ficamos a conhecer uma história no mínimo caricata, que aconteceu com o professor David Mills:

“Um desses curandeiros que dizem curar pela fé, um cristão que dirigia uma «cruzada milagreira», ia à cidade natal de Mills uma vez por ano. Entre outras coisas, instigava os diabéticos a deitarem fora a insulina e as pessoas que sofriam de cancro a desistirem da quimioterapia, incentivando-as, em vez disso, a rezar por um milagre. Num gesto sensato, Mills decidiu organizar uma manifestação pacífica para avisar as pessoas. Contudo, cometeu o erro de ir à polícia informar os agentes da sua intenção e pedir protecção policial para o caso de possíveis ataques por parte dos apoiantes do curandeiro. O primeiro agente com quem falou perguntou: «É pa’ se manifestar a favor ó contra?» (querendo dizer a favor do curandeiro ou contra ele). Quando Mills respondeu «contra», o agente disse que ele próprio estava a pensar ir à concentração e que fazia tenções de cuspir na cara de Mills quando este passasse à sua frente.”[5]

Mills continuou a tentar contactar a polícia, mas teve sempre como resposta ameaças ou de prisão ou de violência física.


Num país em que há inúmeras religiões, e em que todas pregam uma moral de compreensão, tolerância, amor ou perdão, deparamo-nos com situações destas. Será esta a virtude religiosa que os americanos pretendem seguir?





Nota: A propósito de se falar em curas através da oração, Dawkins refere os estudos científicos realizados sob essa temática nas páginas 90 até 95. É de interesse conhecer como esses estudos foram feitos e a que conclusões chegaram.

[1] Richard Dawkins; “A Desilusão de Deus” – 3ª edição, Casa das Letras, Cruz Quebrada, 2007.
Na versão original tem o título “The God Delusion”.
[2] Richard Dawkins, “A Desilusão de Deus”, p. 29
[3] Idem, p. 17
[4] Ibidem, p.70
[5] Idem

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