Na continuação das aventuras de Alice, segue-se Alice no Outro Lado do Espelho[1], em que a jovem menina decide atravessar para o lado de lá do espelho, após se questionar como seria a vida desse outro lado.
O nonsense literário continua presente neste reino de fantasia. Após atravessar o espelho para outra realidade, a personagem principal vê-se novamente envolvida em situações disparatadas. Se na estória anterior, Alice, desceu para uma toca subterrânea, desta vez a estória passa-se à superfície. Continuam presentes as personagens antropomórficas, mas em vez de estar rodeada de baralhos de cartas humanizados, encontra-se com peças brancas e vermelhas de um jogo de xadrez. O objectivo da menina é jogar o jogo, sendo ela um peão branco, chegar à oitava casa e tornar-se rainha. Para que tal possa acontecer, vai passar por várias peripécias e conhecer novas personagens como Tuidledum e Tuidleduim; o carpinteiro e a morsa, ambos possuidores de um voraz apetite por ostras; Humpty Dumpty, o ovo; o Leão e o Unicórnio; e o cavaleiro branco, com enorme imaginação para invenções. Reaparece a Lebre de Março e o Chapeleiro Maluco, se bem que ambos e Alice parecem não se reconhecer.
Sendo o autor, Lewis Carroll, matemático, aparecem várias referências a essa disciplina, como as inversões, pois no outro lado do espelho tudo se passa ao contrário. As personagens não se recordam apenas do passado, mas também do futuro. Outro fenómeno que ocorre neste mundo de fantasia é que por mais rápido que se corra nunca se abandona o local inicial, pois a terra aí também gira a grande velocidade.
Na minha opinião, este conto, Alice no outro lado do espelho, é mais interessante que o anterior, Alice no País das Maravilhas, pois os diálogos conseguem remeter-nos para reflexões na área da ciência, quase tocando a ficção-científica.
Deixo agora alguns excertos do livro, de modo a entusiasmar a leitura desta esplêndida obra:
« - Bem, na nossa terra – disse Alice, ainda um pouco ofegante, - é costume chegar-se a outro sítio quando corremos muito depressa durante muito tempo como nós fizemos.
- Que terra tão lenta! – exclamou a rainha. – Aqui, como vês, é preciso corrermos o mais depressa possível para ficarmos sempre no mesmo lugar. Se quiseres chegar a outro sítio, tens de correr pelo menos ao dobro desta velocidade!»[2]
Eis a conversa entre Alice e Tuidledim e Tuidledum, quando encontraram o rei vermelho a dormir:
« - Ora, está a sonhar contigo! – exclamou Tuidledim, batendo as palmas de contente. – E para onde pensas que ias se ele deixasse de sonhar contigo?
- Ficava onde estou. – disse Alice, convictamente.
- Não ficavas nada! – replicou Tuidledim num tom de desprezo. – Não ficavas em lado nenhum, porque não passas de um sonho dele!
- Se aquele Rei ali acordasse tu apagavas-te logo... puf!... que nem uma vela! – acrescentou Tuidledum.
[...]
- Bem, não merece a pena falares em acordá-lo, se tu é só um sonho dele – explicou Tuidledum. – Sabes perfeitamente que não és real.»[3]
Diálogo entre Alice e a Rainha Branca:
« - Fraca memória a tua que só funciona às arrecuas. – acusou a Rainha.
- De que espécie de coisas se lembra melhor? – perguntou Alice, um pouco baralhada.
- Oh, das coisas que aconteceram na semana que vem. – respondeu a Rainha, como quem achasse isso normal. [...]»[4]
E que dizer desta conversa que até figurou como flavor text, numa carta antiga, do conhecido jogo Magic, The Gathering:
« Alice não pôde evitar um sorriso, ao dizer:
- Sabes, eu também pensava que os Unicórnios eram monstros fabulosos! Nunca tinha visto um vivo!
- Bem, agora já nos vimos um ao outro – constatou o Unicórnio. – Se acreditares em mim, eu acredito em ti. De acordo?»[5]
Referência: Lewis Carroll, Alice do Outro Lado do Espelho, Biblioteca Editores Independentes, Relógio D’Água Editores, 2007 – Tradução: Margarida Vale de Gato
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