sábado, 13 de setembro de 2008

Homens do Mar em Portugal I - O Cego do Maio





"DOM LUÍS, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc.: Tomando em consideração os relevantíssimos e repetidos actos de coragem e de devoção cívica que José Rodrigues Maio, da Póvoa de Varzim, tem praticado, arriscando a vida no salvamento de muitos indivíduos que teriam perecido se não fossem os esforços e verdadeira abnegação de tão benemérito cidadão; e Querendo, por estes respeitos, dar-lhe um público testemunho da Minha Real Munificência: Hei por bem fazer-lhe mercê de o nomear Cavaleiro da Antiga e muito Nobre Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito." (cit. em Santos Graça, p.43) O Rei Dom Luís I (1838-1889) condecorava em sessão solene no Palácio de Cristal o cidadão poveiro José Rodrigues Maio a 15 de Dezembro de 1881, por actos de heroísmo no mar. José Rodrigues Maio - conhecido como Cego do Maio -, pescador, tinha nascido a 8 de Outubro de 1817 e faleceu a 13 de Novembro de 1884. "Admirável Lobo marinho da praia da Fabita!... Nascera ali, numa modesta casinha, onde sempre viveu e onde a morte o procurou para o levar. Bem frente ao mar, ao abrir o postigo da porta de sua casa, via sempre, lá adiante, entre a penedia trágica do sul da enseada, como dois tigres de fauces hiantes, as fatídicas pedras Mobelhe e Extremundes, para onde a forte corrente da barra arrastava os desgraçados náufragos, perdidos para sempre no redemoinho das vagas, numa luta desesperada de esgotamento. Foi naquela penedia que o Cego do Maio começou a sua faina de pesca." (Santos Graça, pp.43-44) Experimentou-se entre as vagas do mar que, há 130 anos, era terrível dada a falta de segurança nas costas. Dizia Raul Brandão em 1921: "Como morrem [os poveiros] dizia-o, muito melhor do que eu, o velho cemitério da Póvoa, que já não existe. Ia-se passando de túmulo em túmulo e lia-se sempre: - António Libó, morto no mar; Francisco Perneta, morto no mar; José Mouco, morto no mar... De onde a onde havia uma redoma de vidro com alguns ossos brancos e mirrados que tinham dado à costa. E depois, seguiam-se os letreiros - sempre! sempre! - Domingos Reigoiça, morto no mar; Joaquim Monco, morto no mar... Todos eles vivem no mar - e morrem no mar." (Os Pescadores, p.57) O historiador Oliveira Martins protestava: "Não basta que ao peito do Maio se pendure a medalha de honra, nem que se dêem vinte mil réis ao Sérgio: é necessário que na praia da Póvoa se construam molhes de abrigo - exactamente para não haver mais náufragos a salvar, nem mais heróis a enobrecer." (cit. em Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.15, p.964) Mas enquanto o Estado não se ocupou destas importantes obras públicas, continuou a existir Cego do Maio que fosse temerariamente com a sua pequena embarcação buscar os náufragos às águas perigosas. Uma vez, conta Santos Graça, ao norte da praia da Fabita, uma vaga fez perder um batel. O barco-vigia conseguiu salvar a tripulação, excepto dois homens que as ondas empurravam contra as rochas. O Cego do Maio, que viu tudo isto, teve o arrojo de se meter pelas altas montanhas de água com dois filhos (Manuel e Francisco) aos remos. O barco ora se perdia ora reaparecia. Finalmente, após algum tempo de combate, uma onda desfaz-se furiosamente contra a areia da praia e vêem-se regressar os poveiros com os homens da companha. A multidão que se juntara a ver entra na água e puxa-os com ânimo. De outra vez, a 25 de Janeiro de 1879, de manhã, tinha-se deitado ao mar uma lancha nova com oito tripulantes, apesar de estar um espesso nevoeiro e o mar agitado. Quatro horas depois, deram à praia os remos e a polé e deduziu-se que houvera acidente. O Cego do Maio atravessou o nevoeiro com os dois filhos e conseguiu salvar ainda cinco pessoas, que trazia no seu barco. Outras façanhas como estas tornaram o poveiro célebre, numa época em que os portugueses, pouco governados pelos homens públicos, se iam amparando uns aos outros pelas praias, planícies e serras do País. A falta de algumas condições mínimas devidas ao trabalho quotidianamente inseguro de muitas pessoas, pela qual reclamava Oliveira Martins, permitiu, no entanto, que personalidades fortes como a de José Rodrigues Maio revelassem as boas características do nosso povo. Teve uma morte estranha este poveiro, segundo a versão de Santos Graça, ouvida a Francisco, filho dele. "E contou-me que o regedor Neta, que era contrário à política do Presidente da Câmara, Pereira Azurar, de quem seu pai era grande admirador e a quem devia benefício, lhe fora pedir o seu voto e o dos filhos. Disse-lhe secamente que não! Seu pai encontrava-se a comer uma tigela de papas encostado a um varal. O regedor agastou-se e ameaçou-o, dizendo-lhe que lhe tirava as farroncas. Seu pai, genioso, não se conteve e atirou-lhe com a tigela de papas" (p.115). Duas horas depois, uma mulher veio avisá-los que vinha aí gente prender o poveiro. O Cego do Maio fugiu e esteve escondido presumivelmente uns dias, porque tinha a casa cercada. Era uma vergonha para os poveiros ir preso ou ficar sob os ferros d'El-Rei. Foi nessa altura que se começou a sentir doente e teve que se acamar. A morte de António da Mata, um arrais de barco de pesca e companheiro de trabalhos marítimos, por essa altura, terá sido, segundo a fonte, um grande choque para o Cego do Maio. Delirou durante oito dias e morreu a 13 de Novembro de 1884, com 67 anos.
Fontes:
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia Limitada, vol.15, pp.964-965;
Epopeia dos Humildes (Para a História Trágico-Marítima dos Poveiros), A. Santos Graça, Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, 2005, pp.41-47 e 115-116;
Os Pescadores, Raul Brandão, Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses pp.52-57.
A imagem veio do site da Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim: http://ww.cm-pvarzim.pt/biblioteca/.

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