terça-feira, 10 de março de 2009

Significados II - Mariola


A palavra “mariola”, substantivo masculino, serve comummente para qualificar aquele que não tem um bom comportamento social. “Pessoa de sentimentos vis; biltre; patife”, diz o Dicionário da Língua Portuguesa[1]. “Malandro”, “brejeiro, atrevido com as mulheres”[2], acrescenta o Grande Dicionário da Língua Portuguesa[3]. Este vocábulo, a cair actualmente em desuso, tem ainda outro significado, desta feita profissional, e ambos os dicionários começam até por ele. Mariola é um antigo moço de fretes que se encarregava de tarefas pesadas. Já no século XVI, diz o misterioso Frei Pantaleão de Aveiro (Itinerario da Terra Santa e suas particularidades): “chegando ao ribeiro... cortaram uma parra com seu cacho, a qual levaram dois homens em uma canga à mariola”[4], ou seja, a “pau e corda”[5]. Aliás, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, o mais antigo sentido da palavra é este mesmo: “carregador, moço de fretes”[6], significado então (séc. XVI) bem conhecido e porventura usado desde muito antes, já que a oralidade precede a escrita. Sugere-se assim, “com reservas”, que seja um italianismo. De facto o vocábulo é documentado também em italiano desde o século XVI[7]. O sentido pejorativo parece ser posterior. António de Morais Silva (1755-1824) não fala dele ainda em 1813 (2ª ed. do Dicionário da Língua Portuguesa), mas aparece em 1871-74, no Grande Dicionário Português ou Tesouro da Língua Portuguesa, do Dr. Frei Domingos Vieira[8]. Enquanto profissão, temos uma gravura de um mariola, aqui reproduzida, de uma obra cuja primeira edição é de 1809: Coleçaõ de Estampas Intitulada Ruas de Lisboa. Na reedição da Inapa (a partir da edição de 1826), diz M. Graça Garcia: “O «Mariola», cuja conduta poderá ter dado ocasião a juízos pouco favoráveis por parte da população, dado o sentido que o termo hoje apresenta, encarregava-se sobretudo de transportes pesados: mercadorias das zonas portuárias, mobiliário nas mudanças de residência, etc. O seu equipamento era constituído por um saco para objectos de menores dimensões, uma espécie de pequena almofada semicircular tecida de cordas, um pau comprido e resistente e uma longa corda. O «Moço de Fretes» ocupava-se geralmente de trabalhos mais leves, apresentando apenas uma corda para facilitar os transportes, encarregando-se também de transmitir recados e missivas. Os «mariolas» e moços de fretes colocavam-se em locais estratégicos, às esquinas, ou em grupos no Rossio e no Terreiro do Paço, à espera de fregueses.”[9]


Notas:
[1] Dicionário da Língua Portuguesa, 5ªed., Porto Editora, s.d., p.915.
[2] Estas duas limitadas ao Alentejo.
[3] Grande Dicionário de Língua Portuguesa, José Pedro Machado (coord.), vol.VII, Sociedade de Língua Portuguesa, 1989, p.58.
[4] Cap. 57, cit. em Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 16, Editorial Enciclopédia Limitada, p.369.
[5] Ibidem.
[6] Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, José Pedro Machado, vol.4, 4ªed., Livros Horizonte, Lisboa, 1989, p.66.
[7] Dizionario Etimologico Italiano, C. Battisti, G. Alessio, G. Barbera Editore, 1950-57, cit. ibidem.
[8] Ibidem.
[9] Ruas de Lisboa (1826), Inapa, 1994 (do Prefácio). A imagem é provavelmente da autoria de Manuel da Silva Godinho (c.1751-18??).

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