segunda-feira, 30 de março de 2009

Francisco de Arruda Furtado (1854-1887)


“Retomando a ordem cronologica que iamos seguindo, e que foi necessario interromper, encontramos agora outro antropologo, que, como Ferraz [Dr. Francisco Ferraz de Macedo, médico e antropólogo, f. 1907], trabalhou sòzinho: Arruda Furtado, o qual em 1884 publicou em Ponta Delgada “Materiaes para o estudo anthropologico dos povos açorianos («Observações sobre o povo michaelense»), seguidos, em 1886, de “Notas psychol. e ethnol. Sobre o povo português. Nos “Materiaes”, além da parte antropologica, anunciada no titulo, ha uma parte etnografica.”[1] São as breves palavras que sobre o cientista açoriano nos deixa José Leite de Vasconcelos (1858-1941), na magistral “Etnografia Portuguesa”. Se a comemoração dos 200 anos sobre o nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos sobre a 1ª edição do seu importante livro mais méritos não tivesse, teria ao menos o de ter lançado repentinamente para a celebridade um esquecido cientista português que se correspondeu com ele. Uma parte da exposição dedicada ao célebre britânico, que ainda está na Fundação Calouste Gulbenkian, é sobre Francisco Arruda Furtado e até uma peça de teatro em que ambos aparecem foi já publicada. O investigador açoriano nasceu a 17 de Setembro de 1854, em Ponta Delgada (ilha de S. Miguel) e iniciou a carreira profissional como aspirante da Repartição de Fazenda dessa cidade. Em 1877 demitiu-se e tornou-se empregado de escritório. Desde novo o interessaram a literatura, a arte e as ciências – campo em que se tornou uma figura de referência, por causa dos seus estudos sobre a população e a Natureza dos Açores. Em 1882 foi vogal da comissão organizadora da Exposição de Artes, Ciências e Letras, que se realizou no liceu de Ponta Delgada e expôs desenhos seus sobre fauna e flora. Esteve em Lisboa em 1884 e, por seu mérito, foi nomeado adido (funcionário agregado como auxiliar) à Secção Zoológica do Museu de Lisboa (depois Museu Barbosa du Bocage). Contribuiu ainda para a fundação do Museu de Ponta Delgada, foi sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa e só não o foi da Academia das Ciências (proposto por Barbosa du Bocage), por ter falecido por essa altura. A razão de ter voltado ao conhecimento geral é tão fútil como ter-se correspondido com Darwin, quando, na verdade, os seus trabalhos científicos bastariam e sobejariam para lhe registar o nome, dispensando o patrocínio estrangeiro. Deve, no entanto, referir-se que se norteou pelas ideias darwinistas, nomeadamente em trabalhos sobre moluscos, mas não foi o único. Ficam na penumbra outros cientistas portugueses, como Júlio Henriques, Júlio de Matos e Jaime Batalha Reis. O primeiro, por exemplo, especulou em 1866 sobre a “aplicação da teoria da evolução por selecção natural à espécie humana, no que se antecipou em cinco anos ao próprio Darwin”[2]. Apesar de a ciência portuguesa do século XIX ter tido períodos de imobilidade, continua a ser uma injustiça esquecer aqueles que em Portugal, mal ou bem, se dedicaram a estes trabalhos. Voltando à correspondência, “na primeira resposta [ao cientista açoriano], o famoso naturalista diz-se velho de mais para poder usar directamente as observações do português, «mas esse facto não diminui o interesse que tenho por elas»(...). Segue-se uma série de conselhos de como conduzir as investigações nas ilhas.”[3] Arruda Furtado carteou-se também com Gustave Le Bom, Perrier, Crosse, J. L. de Vasconcelos, Teófilo Braga, Adolfo Coelho, entre outros. Vão, em baixo, alguns dos títulos por si publicados, o que demonstra os seus amplos horizontes mentais:

Zoologia (Malacologia) – Indagações sobre a complicação das maxilas de alguns Hélices, 1880;
A propósito da distribuição dos moluscos terrestres nos Açores, 1881;
O Homem e o Macaco, 1881;
Materiais para o estudo antropológico dos povos açorianos, 1884;
Catálogo Geral das colecções de moluscos e conchas do Museu de Lisboa, 1886;
Notas psicológicas e etnológicas sobre o povo português, 1886;
O macho e a fêmea no reino animal, 1886;
Sur une nouvelle espèce de céphalopode appartenant au genre Ommatostrephes, 1887;
Açores e açoreanos (manuscrito);
História da Zoologia em Portugal (manuscrito);
Classificação de Moluscos (manuscrito);
...

Além do que vem mencionado, colaborou em publicações periódicas, como: “Era Nova”, “O Positivismo”, Jornal de Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais” (pub. da Academia de Ciências), “A República Federal”, “A Gazeta Açoreana”, “Século”, “A Voz do Operário”.[4]
Arruda Furtado faleceu precocemente a 21 de Junho de 1887.

Sobre Arruda Furtado, veja-se o que vem no site do Instituto Açoriano de Cultura (IAC): http://www.iac-azores.org/biblioteca-virtual/arruda-furtado/index.html
Estão a sair por estes tempos dois livros sobre o cientista açoriano. Um é uma biografia e outro é a sua obra científica completa, a acrescentar à sua correspondência científica já publicada.

[1] Vol.1, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p.70. É daqui a imagem reproduzida acima.
[2] Luís Tirapicos, National Geographic Portugal, Fevereiro de 2009, vol.8, nº95, p.46.
[3] Ibidem, p.43.
[4] A fonte principal deste texto foi a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.3, pp.393-394.

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