A série de época que recentemente passou na televisão e que se chama “Conta-me Como Foi” suscitou-nos algumas reflexões. Que os portugueses têm todo o talento para fazer séries boas e televisão boa, não deixa dúvidas. Que a televisão é, hoje, geralmente má, também é óbvio. “Conta-me Como Foi”, que peca por copiar um programa homónimo espanhol, retrata com algum rigor uma época e uma mentalidade que existiram há cerca de 40 anos. Podemos ver o medo da Ditadura e da polícia, a clandestinidade – de passagem –, as actividades ditas subversivas, o quotidiano com pouco dinheiro, a infância mais ou menos alheia ao mundo perturbador dos adultos, as fortes relações comunitárias, etc. Apesar de algumas fantasias, a série tem uma função importante nos dias de hoje, que é tentar encurtar a distância entre as gerações mais velhas e as mais novas, através da empatia e da compreensão. Aqui se pode ver um retrato de um tempo, desde a mentalidade ao vestuário e aos móveis. Os actores, em geral muito bons, ajudam muito à compreensão das personagens e dos seus lugares na sociedade dos anos ’60 e ’70. É por a série ser tão boa, no cenário infame da televisão actual, que indigna mais ser baseada noutra. Numa época em que a Educação parece estar cada vez pior, quer nas formas, quer nos conteúdos, e as gerações mais novas um tanto desorientadas, é de questionar o papel degenerativo que a televisão pode ter. Não se deve pretender uma televisão “politicamente correcta” e bem comportada; apenas falamos na necessidade de conteúdos de qualidade, que deixem de parte o ridículo, o superficial e o degradante e invistam antes naquilo que é verdadeiramente formador e interessante. Neste sentido, podemos referir, ao acaso, o “Sociedade Civil” e os programas do Prof. José Hermano Saraiva como bons conteúdos. Mas em que ajudarão, por exemplo, os jovens séries como “Morangos Com Açúcar”, “Rebelde Way” ou “Floribella”? E, além disso, em que medida retratarão uma fatia suficientemente alargada da juventude actual, produzindo talvez pretensões de empatia onde esta não pode existir? Longe talvez o tempo de um “Verão Azul”, de certo modo idealista, mas com personagens profundas, realistas e representativas de meios sociais determinados. E até reflexo de uma certa ternura, o que a tornou uma referência indelével de milhares de jovens por todo o Mundo. Poderá “Morangos Com Açúcar” ser lembrada daqui a 28 anos como um momento “mágico” e pedagógico de televisão? As intrigas e caprichos, frequentemente dementados, das personagens poderão gerar afectos, referências e valores perenes para a vida? Falámos apenas nestes poucos programas, pois o espaço de que dispomos não nos permite mais considerações, nem nós temos à mão os documentos que contam a história da televisão. Mas não quisemos deixar de reflectir brevemente sobre o papel favorável que esta podia ter na aquisição de Cultura. Pensamos que ela não deve ser um meio de concorrência desenfreada entre canais pois, se chega a tanta gente, não deveria servir tão pouca. A televisão é comunitária, é de todos e, em tudo o que transmite, deveria conter esse propósito altruísta e nobre de formar cidadãos livres e bons.
2 comentários:
Estou de acordo, na maior parte, com a tua análise.
O exemplo do programa "Sociedade Civil" foi bem usado, pois, na minha perspectiva, é dos programas mais úteis que temos em Portugal. É um programa não só de divulgação, mas, principalmente, também de informação. Esse sim, contribui para a formação de pessoas mais cultas e informadas. E, sabe-se, que uma pessoa bem informada toma melhores decisões.
Através de fontes relacionadas com o programa, soube que queriam terminar com esse projecto por ser incapaz de concorrer em termos de audiências com um de outro canal que dá à mesma hora ("Tardes da Júlia"). Falaram-me disso há um ano. Felizmente o "Sociedade Civil" continua vivo e de boa saúde. Por outro lado, os portugueses também têm culpa. As pessoas são livres, e podem (e devem) escolher o que pretendem ver. Pretendem ver um espectáculo em vez de assistirem a um programa que lhes poderá ser útil. Assim, no final do dia, no primeiro caso apenas viram tv; no segundo caso aprenderam e receberam informação que lhes poderá ser útil à sua vida.
Quando se prepara uma nova série dos "morangos" ou quando há concertos das bandas que aí se originaram, entrevistam os jovens que estão presentes. O assustador é ouvir os jovens a dizer que as personagens dos morangos são os seus modelos e exemplos de vida...
Perante situações destas só tiro uma conclusão: Temos de fazer alguma coisa para alterar este panorama. Por exemplo, lanço um desafio aos leitores deste blog: se houver interessados, escrevam novos argumentos (daqueles mesmo bons, com mensagem, moral, valores, etc) de modo a contribuirmos para uma sociedade melhor. Se cada um de nós der de algum modo o seu contributo, este país avança.
Pondo a TV de parte, outra necessidade existente é dar a entender aos mais jovens a importância das ciências, da História, da literatura. Mas isto já é assunto para outra conversa :)
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