quarta-feira, 14 de abril de 2010

Memórias Paroquais de 1758

Foi publicado em Junho de 2009 o primeiro volume das Memórias Paroquiais de 1758. A obra sairá em vários volumes e conterá as respostas ao questionário enviado às várias autoridades do Reino por ordem alfabética, como um dicionário de freguesias. A obra em questão é muito conhecida, apesar de nunca ter sido publicada na íntegra. Explicaremos, porém, sinteticamente, em que consiste. Em primeiro lugar, o seu mais célebre inspirador foi o Padre Luís Cardoso (?-1769), membro da Congregação do Oratório e académico da Academia Real da História. Este eclesiástico publicou em 1747 e 1752 dois volumes de uma obra que se chamava Dicionário Geográfico ou notícia histórica de todas as cidades, vilas, lugares e aldeias, rios, ribeiras e serras dos reinos de Portugal e Algarve. Organizada como um dicionário, já incluía as letras A a C. É possível que, sendo o Padre Luís Cardoso um membro da referida Academia, o seu labor estivesse relacionado com certos cuidados que D. João V andava dedicando, por um lado, às antiguidades de Portugal, por outro, ao reforço do seu poder – concretizado num aprofundamento do “absolutismo régio”. Expliquemos porquê. A Academia Real da História foi criada por decreto régio datado de 8 de Dezembro de 1720. No ano seguinte, o alvará de 14 de Agosto de 1721 ordenava às câmaras e vilas do Reino que conservassem todos os documentos antigos que tivessem. Do ponto de vista histórico-patrimonial, o Rei guardava a memória dos sucessos do Reino, particularmente inspirados pelos governos dos monarcas que o haviam precedido.[1] Por outro lado, do ponto de vista político-administrativo, D. João V, “como qualquer soberano absoluto, deveria conhecer em profundidade o espaço sob a sua jurisdição.”[2] Neste sentido, ordenou que se compusesse a obra chamada Lusitânia Sacra, com notícias eclesiásticas, mas também seculares, a nível nacional. A Academia dirigiu inquéritos às autoridades religiosas e civis, para juntar as informações desta obra. A maior parte do Reino não terá respondido.[3] O governo enviou outro inquérito em 1732 às autoridades religiosas.[4] O encarregado de transformar esse material em obra consultável e útil seria o Padre Luís Cardoso e deste inquérito teriam resultado os dois volumes publicados em 1747 e 1752. Sabe-se que, nas vésperas do terramoto, o Padre Cardoso tinha já material manuscrito necessário à publicação dos outros volumes do Dicionário Geográfico. No entanto, esses manuscritos perderam-se na altura da catástrofe de 1755. É por isso necessário ter cuidado com a afirmação, um tanto comum, de que os dois volumes do Dicionário Geográfico que se publicaram deixaram na sombra, ou seja, em arquivo, os manuscritos que lhe faltam: nesta suposição, e talvez seguindo o Dicionário Bibliográfico de Inocêncio (possivelmente, o primeiro a equivocar-se)[5], erram quer a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira[6], quer o Dicionário de História de Portugal, ao afirmar que a parte por publicar ficara na Torre do Tombo[7]. Na verdade, por imprimir existe neste arquivo apenas o material relativo ao inquérito de 1758, que é posterior. Em todo o caso, após o desaparecimento destes documentos, era necessário recomeçar, recompilar as informações perdidas. No entanto, os estragos do terramoto haviam mudado o País. Recomeçar significava conhecer Portugal, mas saber também que danos e necessidades havia nas várias regiões do Reino.[8] Foi então elaborado um inquérito sistemático, que pretendia informar-se sobre “temas muito díspares, como por exemplo, meio natural, quadro político-administrativo, população, vida económica e instituições religiosas. Este questionário é constituído por três subgrupos de questões. O primeiro contém 27 questões de ordem genérica; o segundo é composto por 13 perguntas sobre as serras, e o terceiro inclui 20 sobre os rios. Desde logo é perceptível que este questionário é diferente dos anteriores. Não só contém mais items, mas também é mais abrangente no plano temático. (...) O espaço já é entendido como um elemento de poder, enquanto nos inquéritos anteriores se sobrevalorizam elementos de natureza e conexão religiosa.”[9] É este inquérito que dá origem às Memórias Paroquiais de 1758. É sintomático notar que todos estes inquéritos, através da pessoa do Padre Cardoso, nunca saíram do âmbito da Academia Real da História. Foi ele, de resto, que foi organizando as respostas que ia recebendo. O Padre acabaria por falecer em 1769 e a obra nunca foi publicada integralmente. No entanto, alguns excertos com interesse e objectivos de âmbito regional têm sido publicados, como, por exemplo, os referentes às freguesias de Lisboa (1974), de Barcelos (1998) e de Fafe (2001). Com esta obra se procura agora publicar na íntegra as notícias que o Padre Luís Cardoso recebeu das várias freguesias do Reino há 252 anos e que já não pôde deixar impressas.




Notas:
[1] Neste sentido, Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga, História da História em Portugal – séculos XIX – XX, Temas e Debates, 1998, p.25.
[2] Memórias Paroquiais, introdução, transcrição e índices de João Cosme e José Varandas, vol. I [Abação-Alcaria], Casal de Cambra, Centro de História da Universidade de Lisboa – Caleidoscópio, 2009, p.IX.
[3] Ibidem.
[4] Ibidem.
[5] Ibidem, pp.III-V.
[6] V. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.5, Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia Limitada, s.d., p.908, s.v. “Cardoso (Padre Luiz)”.
[7] Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão, vol.I: Abadagio -Castanheira, Porto, Livraria Figueirinhas, 1984, p.485, s.v. “Cardoso, P. Luís (?-1769)”.
[8] Memórias Paroquiais, vol. I [Abação-Alcaria], p.X; Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, vol.VI: O Despotismo Iluminado (1750-1807), 5ªedição, Póvoa de Varzim, Editorial Verbo, 1996, p.104.
[9] Memórias Paroquiais, vol. I [Abação-Alcaria], p.XI.

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