quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Poesia de Sóror Madalena da Glória

Por vezes, procurando no velho baú da História Literária Portuguesa, ao lado dos grandes artistas, encontram-se alguns outros, esquecidos, mas cujo trabalho merece ser reconhecido, pois não desvalorizam as nossas Letras. Sóror Madalena da Glória, de cuja poesia reproduzimos uma breve amostra, é um desses exemplos. Maria Madalena Eufémia da Glória, escritora portuguesa que os contemporâneos chamaram "fénix dos engenhos", nasceu em Sintra a 11 de Maio de 1672, filha de Henrique Carvalho de Sousa e de Helena de Távora. Em Março de 1688 professou no Convento da Esperança e, presumivelmente, foi religiosa durante toda a sua vida. Não se sabe quando faleceu, excepto que era ainda viva em 1759. Deixou as seguintes obras: Astro brilhante em novo mundo, flagrante flor do Paraíso, plantada no jardim da América; História panegírica de Santa Rosa de Santa Maria (1733); Novena de Santa Rosa de Santa Maria (1734); Orbe celeste, adornado de brilhantes estrelas e dois ramalhetes (1742); Águia real, fénix abrasado, pelicano amante, história panegírica, e vida prodigios do ínclito patriarca Santo Agostinho (1744); Reino da Babilónia, ganhado pelas armas do Empíreo (1749).
Poemas da obra Brados do desengano, contra o profundo sono do esquecimento, em três histórias exemplares, para melhor conhecer-se o pouco que duram as vaidades do mundo, de 1736 [Trata-se da primeira parte; houve uma segunda em 1739.]:
I
Esse sono, em que cego vás passando,
Essa vida mortal, em que confias,
Já nas asas do tempo vai voando,
Porque da vida instantes são os dias:
Olha que tu com Deus vás porfiando,
E não valem com Deus tuas profias,
Que a vida é vidro leve, a pedra forte;
E não terás escudo contra a morte.
(...)
III
Esse monte de fogo, que nascendo
Em campo de safiras luz ardente,
Em chegando ao zénite, já vai descendo,
Quando o viste subir do seu oriente:
Nasceu luz, cresceu sol, porém morrendo,
Nem luz, nem sol se mostra no ocidente,
Pois se da vida o sol não tem dois dias,
Mortal, como em instantes te confias?
(Poesia Portuguesa - Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, selecção, organização, introdução e notas de Jorge Reis-Sá e Rui Lage, Porto, Porto Editora, 2009, pp. 599-600)
Poesia singela, formalmente muito bela e equilibrada, cujo tema é a fragilidade das coisas, da vida em particular, a fazer lembrar, neste sentido, a poesia de Ricardo Reis (Fernando Pessoa). Todavia, a memória de Madalena da Glória não é assim tão frágil, pois que se recorda aqui hoje, passados quase 300 anos.
Fontes: Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol.12, Lisboa - Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia Limitada, s.d., p.445, s.v. "Glória (Maria Madalena Eufémia da)"; Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, vol.1, coord. de Eugénio Lisboa, Mem Martins, Publicações Europa-América, s.d., pp. 472-473, s.v. "Glória, Soror madalena da".

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